quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Atirador em Sydney tinha longo histórico de desentendimentos com a lei
Thomas Fuller e Michelle Innis - NYT
O atirador que fez reféns em um café no centro de Sydney e foi morto em um ataque da polícia no início desta terça-feira (16) era conhecido tanto da polícia quanto dos líderes de organizações muçulmanas como um homem profundamente perturbado, com um longo histórico de problemas com a lei, incluindo um caso pendente envolvendo o assassinato de sua ex-mulher.
"Esse sujeito estava na marginalidade da marginalidade", disse Manny Conditsis, advogado que havia representado o atirador, Man Haron Monis, em casos criminais anteriores. "Ele não era aceito por ninguém."
Conditsis descreveu o sequestro de 16 horas no café, que também deixou dois reféns mortos, como "o grito final para chamar a atenção".
O evento violento em Sydney ocorreu dois meses depois que um atirador matou um soldado e invadiu o Parlamento em Ottawa, no Canadá, em um episódio que foi uma mistura semelhante de insatisfação pessoal e fanatismo jihadista.
O atirador canadense, Michael Zehaf-Bibeau, tinha sido condenado em casos que incluíram assaltos e envolvimento com drogas, e se convertera ao islamismo. Ele matou um jovem cabo que guardava o túmulo do soldado desconhecido no National War Memorial. Dois dias antes, um homem de 25 anos de idade, que havia adotado recentemente o islamismo radical, atropelou dois soldados canadenses perto de Montreal, matando um.
Segundo as autoridades, Monis pediu asilo político à Austrália há duas décadas. De acordo com Conditsis, Monis tinha sido um clérigo xiita no Irã. O advogado acredita que Monis, mais tarde, converteu-se ao ramo sunita do islã.
Os ataques no Canadá e este em Sydney levantam questões sobre a capacidade dos governos de monitorar possíveis assassinos radicais e impedi-los de causar danos.
As semelhanças entre esses ataques e um ocorrido em Nova York em outubro, quando um homem atacou policiais com um machado, foram a radicalização dos perpetradores e seu isolamento em suas comunidades, de acordo com Greg Barton, diretor do Centro de Pesquisa de Terrorismo Global da Universidade de Monash, em Melbourne.
"Não há uma resposta fácil sobre como lidar com isso", disse Barton. "Simplesmente não é possível colocar as pessoas sob vigilância 24 horas por dia, a menos que sejam altamente suspeitas."
As autoridades australianas de segurança e de combate ao terrorismo fazem um bom trabalho monitorando as operações em grande escala e os indivíduos dentro de grupos radicalizados, disse ele, mas "os operadores solitários apresentam um desafio diferente".
Monis entrou no Lindt Chocolate Cafe em Martin Place, no centro de Sydney, às 9h45 de segunda-feira e fez 17 reféns, cinco dos quais escaparam. Ele tinha uma bandeira preta com palavras árabes escritas em branco, semelhantes às usadas por militantes islâmicos em outros continentes, que mais tarde foi exibida em uma das janelas do café.
Andrew Scipione, comissário de polícia de Nova Gales do Sul, disse que Monis foi morto a tiros durante a invasão da polícia, ocorrida pouco depois das 2h da manhã de terça-feira. A polícia invadiu o restaurante depois que tiros foram ouvidos em seu interior, disse Scipione.
"Eles tomaram essa decisão porque acreditavam que, se não entrassem, muitas outras vidas seriam perdidas", disse o comissário. A polícia acredita que ninguém tinha sido ferido no café antes da invasão.
Um comunicado da polícia divulgado mais tarde não deixou claro como os dois reféns foram mortos, dizendo apenas que "tiros foram disparados durante o confronto".
Os meios de comunicação australianos identificaram os dois reféns mortos como Katrina Dawson, advogada de 38 anos, e o gerente do café, Tori Johnson, de 34 anos.
Alarmados com a perspectiva de australianos viajarem para a Síria e se radicalizarem combatendo na guerra civil, o governo de Tony Abbott aprovou no Parlamento um conjunto de leis para prevenir o terrorismo em casa. As leis proíbem os australianos de ingressarem em guerras civis em países estrangeiros, facilitando o confisco de seus passaportes pelo governo, e tornam crime incitar o terrorismo através das mídias sociais. Outra medida intensifica o compartilhamento de informações entre os militares e o Serviço Secreto de Inteligência australiano.
Especialistas dizem que as novas leis não foram úteis no caso do café em Sydney porque Monis não viajava para o exterior e, aparentemente, não fazia parte de gangues ou redes terroristas. "As novas leis não acrescentam nada ao que pode ser feito com antecedência em uma situação como esta", disse Bret Walker, advogado que foi o primeiro monitor independente das leis de segurança nacional da Austrália.
Keysar Trad, porta-voz da Associação de Amizade Islâmica da Austrália, com sede em Sydney, disse que Monis tinha agido sozinho, o que tornou difícil para as autoridades o localizarem.
"Se ele tivesse feito parte de um grupo maior, ele teria entrado no radar da polícia" e estaria sob vigilância constante, disse Trad. "Mas ele não fazia parte de um grupo maior."
Ainda assim, Monis tinha chamado repetidamente a atenção de líderes comunitários e das autoridades.
Trad disse que se reuniu com Monis várias vezes. A primeira reunião foi provocada por cartas fortemente críticas que Monis tinha enviado para as famílias de australianos mortos em serviço no Afeganistão. Ele foi condenado e sentenciado a prestar serviços comunitários pelo envio das cartas, com base em uma lei raramente invocada para as comunicações postais.
Monis foi acusado em novembro de 2013 de ter sido cúmplice no assassinato de sua ex-mulher, Noleen Hayson Pal, que havia sido esfaqueada e queimada até a morte. Uma mulher, Amirzh Droudis, 34 anos, foi acusada do homicídio. Monis foi liberado sob fiança e estava à espera de julgamento.
"Ele não tinha nada a perder", disse Conditsis, o advogado. "Talvez entendesse que sua prisão seria inevitável e isso o motivasse."
Em abril, Monis também foi acusado de agressão sexual a uma mulher em Sydney em 2002. Outras 40 acusações de agressão sexual relativas a seis mulheres foram posteriormente adicionadas a esse caso. Monis também parecia abalado com a sua incapacidade de se reunir com sua família no Irã e com o que ele descreveu como tortura por parte dos agentes penitenciários durante uma temporada na prisão, disse Conditsis.
Monis emigrou do Irã para a Austrália por volta de 1996 e era conhecido anteriormente como Manteghi Boroujerdi ou Mohammad Hassan Manteghi. Em uma entrevista para a televisão em 2001, ele afirmou ter trabalhado para a inteligência iraniana. De acordo com o Iranwire, um site de notícias administrado por expatriados iranianos, Monis havia publicado um livro de poesia no Irã.
A agência de notícias semioficial iraniana Fars citou um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Marziyeh Afkham, dizendo que tinha avisado as autoridades australianas sobre Monis.
"A história e as condições mentais e psicológicas desse indivíduo, que procurou asilo político na Austrália mais de duas décadas atrás, tinham sido discutidas com as autoridades australianas muitas vezes", teria dito Afkham.
Tradutor: Deborah Weinberg

Nenhum comentário: