sábado, 6 de dezembro de 2014

Cientistas aceleram corrida global por vacina contra o ebola
Veronika Hackenbroch, Markus Grill e Katrin Elger - Der Spiegel
AFP
7.nov.2014 - Profissionais da saúde fazem testes para aprender a transportar pacientes infectados pelo vírus ebola no hospital para doenças tropicais em Hanói, no Vietnã 7.nov.2014 - Profissionais da saúde fazem testes para aprender a transportar pacientes infectados pelo vírus ebola no hospital para doenças tropicais em Hanói, no Vietnã
Cientistas estão testando freneticamente novos medicamentos e vacinas na esperança de desacelerar a epidemia de ebola. Até agora, os resultados têm sido promissores. Pode ser apenas uma questão de semanas para que os pacientes do oeste da África comecem a ser tratados.
O professor Blaise Genton ainda está surpreso com todas as coisas positivas que aconteceram de repente. Ele não precisa mais esperar que funcionários importantes retornem seus telefonemas, em vez disso, eles ligam para ele em poucas horas. Procedimentos irritantes de aprovação são concluídos em tempo recorde. E o 1,5 milhão de euros de que ele precisa? Mesmo que o hospital tenha de pagar adiantado por alguns custos, Genton, chefe do Departamento de Doenças Infecciosas do Hospital da Universidade de Lausanne logo receberá os fundos.
"Estamos diante de uma situação extraordinária e portanto nos forneceram condições de trabalho extraordinárias", diz Genton, um dos atores mais importantes na luta mundial contra o ebola. "Mas devo observar que as pessoas esperam que consigamos entregar, dentro de meses, resultados que normalmente levariam um ou dois anos para alcançar." Usando jeans e uma camiseta colorida, Genton se apressa pelo corredor do hospital para uma reunião de equipe. Seu ritmo frenético não é algo fora do comum: desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) contatou ele e sua equipe de pesquisa no início de setembro, o tempo tem sido extremamente curto.
Genton, que tem seis filhos, não hesitou quando a OMS perguntou se ele estava interessado em liderar um dos maiores estudos mundiais de vacina contra o ebola. Apesar de saber que sua vida privada sofreria muito durante a fase de testes, ele concordou imediatamente. Em alguns dias, ele e a equipe têm apenas umas quatro ou cinco horas de sono, diz ele.
De acordo com números oficiais, mais de 5.400 pessoas morreram de ebola na África Ocidental, e há mais de 15 mil infectados na Libéria, Serra Leoa e Guiné. Embora uma iniciativa de ajuda internacional em larga escala finalmente tenha sido lançada, a epidemia está longe de estar sob controle. A situação em Serra Leoa e Guiné continua crítica e casos têm sido registrados no Mali agora, o vizinho politicamente instável ao leste da Guiné. O alastramento da doença só começou a diminuir na Libéria, diz a OMS.
Apesar do esforço crescente, é possível que os funcionários de ajuda no local não sejam suficientes para conter a epidemia. Consequentemente, uma esperança significativa está sobre os ombros dos cientistas como Blaise Genton em Lausanne. Ou Marylyn Addo, do Centro Alemão para Pesquisa em Infectologia em Hamburgo, cuja equipe está testando outra vacina possível.

"Extremamente difícil de controlar"

Muitos especialistas acreditam que só será possível conter a epidemia empregando novas vacinas e medicamentos melhorados. Um surto que afeta milhares e infectou pacientes em vários países simultaneamente é algo "extremamente difícil de controlar" usando uma abordagem tradicional de quarentena, diz Jeremy Farrar, diretor do Wellcome Trust, uma fundação sem fins lucrativos com cerca de 21 bilhões em bens e que financia parte dos estudos de vacinação. Assim, o prazo estabelecido pela OMS para a entrega de vacinas e remédios por toda a região é extremamente ambicioso.
Os estudos atuais envolvem relativamente poucos pacientes e têm como objetivo apenas confirmar se as vacinas candidatas são bem toleradas e qual dose deve ser administrada (fase 1). Eles devem ser seguidos por testes em grande escala em áreas afetadas para examinar se as vacinas de fato fornecem proteção contra o vírus e quais efeitos colaterais elas têm, se os tiverem (fases 2 e 3).
Em janeiro, no máximo, se possível mais cedo, a eficácia das duas vacinas mais promissoras deve ser testada em milhares de voluntários na Libéria e Serra Leoa. Se as vacinas funcionarem bem, o plano pedirá que as companhias farmacêuticas produzam centenas de milhares de doses no início de junho, que estarão então disponíveis para serem administradas.
Os experimentos para testar medicamentos devem proceder no mesmo ritmo. Em dezembro, os Médicos Sem Fronteiras estão planejando lançar estudos com três medicamentos diferentes em seus centros de tratamento.
Quase metade dos 120 voluntários no estudo de Lausanne já receberam injeções da vacina cAd3-ZEBOV. O soro é baseado em um vírus de resfriado comum que afeta os chimpanzés, mas não os seres humanos, ao qual foi acrescentada uma proteína do ebola. Espera-se que o adenovírus resultante faça o sistema imunológico humano reagir ao vírus ebola.

Voluntários

O produto está sendo desenvolvido pela gigante farmacêutica britânica GlaxoSmithKline (GSK) e é visto como uma das duas vacinas mais promissoras. Além de Lausanne, ela também está sendo testada em Oxford, no Mali, e nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) em Bethesda, Maryland, onde os primeiros resultados bem sucedidos foram anunciados esta semana. Durante esta fase inicial de testes clínicos, as equipes vêm compartilhando dados com frequência para determinar, entre outras coisas, as dosagens corretas.
Brian Shepard, voluntário em Bethesda, disse que a pior parte foi tirar o curativo do braço, embora ele tenha tido uma febre baixa no dia seguinte à vacinação, mas que logo passou. Shepard também é cientista da NIH e se voluntariou para o teste por curiosidade, da mesma forma que a maioria das outras pessoas. Os voluntários também recebem uma pequena quantia.
Marylyn Addo também não teve problemas para encontrar voluntários para seus testes. Assim que foi anunciado que o Hospital Universitário Hamburg-Eppendorf conduziria um estudo, começaram a chegar e-mails de possíveis participantes. Ao mesmo tempo que seus colegas em Genebra, Gabão e Quênia, a equipe de Hamburgo começou a testar a segunda candidata a vacina contra o ebola, rVSV-ZEBOV, desenvolvida pela Agência de Saúde Pública do Canadá em Winnipeg. É uma vacina viva que contém um vírus encontrado em animais de fazenda, modificado geneticamente.
"Não há qualquer risco de que alguém seja infectado com ebola através da vacinação", assegura Addo, com seus cachos pretos presos para cima e um caderno branco na mesa à sua frente. A capa do caderno diz "Tudo ficará bem no final". Quanto tempo ainda será necessário para que a epidemia de ebola seja contida? Addo tem a cautela de reduzir as expectativas. "Não podemos assumir necessariamente que a vacina terá um efeito dramático no desenvolvimento futuro da atual epidemia."
Genton concorda. "É mais provável que a epidemia seja contida antes que a vacina esteja pronta para o uso", diz ele. "Entretanto, se o vírus se espalhar para outros países vizinhos, as vacinações ainda podem desempenhar um papel decisivo."
Os resultados iniciais dos testes em andamento têm sido promissores. Os Institutos Nacionais de Saúde em Maryland anunciaram esta semana que conseguiram produzir uma resposta imunológica em um teste com 20 adultos sem nenhum efeito colateral grave observado. Testes maiores estão agora em andamento.
A GlaxoSmithKline está ansiosa para começar os testes em larga escala na Libéria e Serra Leoa em meados de janeiro. Ripley Ballou, chefe do programa de ebola da companhia, disse que por causa da instabilidade nos dois países, serão feitos dois estudos. "Dados os desafios de logística e as incertezas em torno da epidemia, decidimos que precisávamos de uma segunda estratégia", disse ele. "Sentimos que seria muito frustrante chegar ao fim desta epidemia sem saber se qualquer uma dessas vacinas funciona."

Em busca de dinheiro

Entre as preocupações menores está o fato de que a vacina atualmente precisa ficar refrigerada a 80 graus Celsius negativos o tempo todo, o que pode ser um problema em campo. Mas, diz Ballou, "temos alguns dados de que, uma vez que a vacina é colocada nas seringas, pode ser armazenada em uma temperatura não tão baixa." A própria vacinação também apresenta alguns problemas. Pode ser difícil acompanhar de perto os participantes do estudo por várias semanas, como é exigido, principalmente se eles vivem em cidades grandes e movimentadas como Monróvia.
O financiamento futuro também precisa ser resolvido. "É claro que é uma questão importantíssima", diz Seth Berkley, CEO da Gavi, a Vaccine Alliance em Genebra. Ainda não há acordo, diz ele, sobre quem pagará pela produção em massa da vacina para que ela seja administrada na África.
O trabalho de Gavi é financiado tanto por bolsas do governo e doações privadas; seu objetivo é garantir que os países pobres sejam capazes de pagar por vacinas que salvem vidas, contra o sarampo ou a pólio, por exemplo. Agora, está estendendo seu alcance ao ebola. "Estamos no momento negociando com doadores e com a indústria farmacêutica", diz Berkley.
Um estudo controlado por placebo foi planejado para a Libéria, chamando voluntários para receberem aleatoriamente injeções uma das duas candidatas a vacina ou um placebo. Os resultados serão então comparados no final do período do estudo. Se tudo correr bem, diz Ballou, "levará apenas oito a doze semanas para provar a eficiência".
O projeto do estudo segue princípios científicos estabelecidos, mas alguns questionam se eles devem ser aplicados no caso do ebola. Para os Médicos Sem Fronteiras, que estão concentrados em testar medicamentos em vez de vacinas, é inconcebível que os pacientes nos centros de tratamento da organização recebem placebos.
"Nossos funcionários de saúde não aceitarão isso", diz Annick Antierens, que coordena os estudos de ebola para os Médicos Sem Fronteiras. "Imagine o que isso significaria: dar comprimidos de açúcar para alguém que está lutando contra a morte e com vômitos excruciantes. Eu recusaria isso."

Ganhar na loteria

As preocupações dos médicos são compreensíveis, e é por isso que a organização optou por um modelo de estudo diferente que, entretanto, tem a desvantagem de não fornecer resultados inequívocos.
"Atualmente cerca de metade dos pacientes em nossos centros de tratamento sobrevivem. Se administrarmos o medicamento, e dois entre três pacientes sobreviverem, ficaremos muito felizes, e consideraremos isso um sinal de sucesso. O medicamento então passará por mais testes em um estudo consideravelmente maior", explica Antierens. "Se quatro em cada cinco pacientes que receberem o mediamente sobreviverem, isso será como ganhar na loteria, e então expandiríamos rapidamente o estudo para outros centros."
Os Médicos Sem Fronteiras pretendem testar os medicamentos antivirais brincidofovir e favipiravir, além de tratamentos que utilizam o soro de pacientes que sobreviveram, cujo sangue contêm anticorpos ao Ebola. A organização selecionou cuidadosamente três tratamentos: "queremos usar medicamentos que tenham um efeito direto sobre o vírus e possam ser disponibilizados rapidamente em grandes quantidades", diz Antierens.
Mas não são só os especialistas renomados da medicina tradicional que estão aproveitando a oportunidade. Para os especialistas em homeopatia da Alemanha, a epidemia também é uma oportunidade para conseguir provar seus métodos ainda não comprovados. De acordo com a organização homeopática internacional, a Liga Medicorum Homoeopathica Internationalis, uma delegação de médicos homeopatas foi despachada para as regiões mais afetadas da Libéria para testar 110 remédios homeopáticos em potência tripla a quádrupla", escreveu Ortrud Lindemaann, chefe da delegação, em um e-mail direto de Monróvia. "Somos chamados para ajudar as pessoas na Libéria com remédios homeopáticos em sua luta contra o ebola."
Funcionários do governo na Libéria, contudo, não compartilharam do entusiasmo dos médicos alemães e proibiram os especialistas em homeopatia de tratar pacientes de ebola. Mas os homeopatas não se desencorajaram. Apoiadores de sua missão já estão considerando enviar outra equipe de homeopatas para a África Ocidental. 
Tradutor: Eloise de Vylder

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