Inflação como herança maldita
O Estado de S.Paulo
Os preços continuam subindo rapidamente e
corroendo os salários, novas pressões devem surgir e será preciso manter
por um bom tempo uma forte política de ajuste - se o governo, é claro,
abandonar a tolerância à espiral inflacionária. Os últimos números da
inflação mais que justificam o aperto recém-anunciado pelo Banco Central
(BC), um aumento da taxa básica de juros de 11,25% para 11,75%. O
indicador oficial dos preços no varejo subiu 0,51% no mês passado e
6,56% em 12 meses. A tolerância do governo manteve a alta de preços bem
acima da meta de 4,5% nos últimos cinco anos. Neste ano, até novembro,
chegou a 5,58% a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA), referência para a política anti-inflacionária.
Se
a taxa do mês passado se repetir em dezembro, o aumento acumulado em
2014 chegará a 6,12%. Mas há previsões, no mercado, de números bem mais
próximos do limite de tolerância, de 6,5%. As estimativas para 2015
ainda apontam resultados na vizinhança dessa marca.
Manter
o índice anual abaixo de 6,5% tem sido a principal preocupação do
governo. A meta oficial é de 4,5%, mas, na retórica da presidente Dilma
Rousseff, pode ser qualquer ponto até o limite de tolerância. O uso
corrente da expressão "teto da meta" - erro cometido até por analistas
de instituições importantes - acaba avalizando a fala presidencial e
dando um ar de seriedade a uma embromação.
Autoridades
continuam negando responsabilidade pela disparada dos preços. É muito
mais confortável apontar causas independentes da ação - e dos erros -
governamentais. A seca é uma justificativa quase perfeita, por seu
impactos, tanto reais quanto supostos, no custo da comida. É uma saída
fácil, porque o item "alimentação e bebidas" tem o maior peso na
composição do IPCA. Com alta de 7,83% em 12 meses, esse item teve um
impacto de 1,92 ponto na formação dos 6,56% acumulados no período.
Mas
outros itens, com peso menor no resultado geral, subiram mais que
alimentação e bebidas: habitação, 8,82%; despesas pessoais, 8,63%; e
educação, 8,43%. Esses três componentes, somados, produziram uma
inflação de 2,36%, maior que a dos alimentos. Enfim, excluindo-se comida
e bebida, sobra uma alta de preços de 4,64%, acima da meta e muito
maior que a da maior parte dos emergentes.
Não há como
negar: a inflação brasileira resulta basicamente de uma combinação de
erros políticos e de atos irresponsáveis do governo, como o excesso de
gastos públicos e o estímulo imprudente ao consumo (bem maior que à
produção). Além disso, a política educacional demagógica e mal orientada
explica em boa parte os desajustes no mercado de trabalho, onde
continua escassa a oferta de mão de obra com algum grau, embora modesto,
de qualificação. Somando-se ainda os custos crescentes da logística e
estará dada a maior parte das condições para um desarranjo persistente
dos preços.
Com ou sem seca, com preços em alta ou em
queda no mercado internacional de commodities, a inflação brasileira tem
permanecido há muito tempo longe da meta e muito acima dos padrões
internacionais. Excluída a Argentina, a inflação média do Grupo dos 20
(G-20) ficou em 2,5% nos 12 meses até outubro, último dado disponível. A
do Brasil chegou a 6,59%.
Como o ajuste das contas
públicas, na melhor hipótese, ainda vai demorar, a política de juros
altos continuará sendo, por um bom tempo, o principal instrumento de
controle da demanda e, portanto, do repasse dos aumentos de preços.
Os
dirigentes do BC terão de continuar muito atentos a esse risco,
especialmente porque os preços por atacado voltaram a subir. Em quatro
dos cinco meses de maio a setembro esses preços caíram, segundo a
Fundação Getúlio Vargas, mas já avançam com firmeza. Subiram 0,73% em
outubro e 1,44% em novembro. Foram puxados em novembro pelos produtos
agropecuários (2,92%), mas o encarecimento dos industriais também foi
sensível (0,89%). E ainda vem pela frente o reajuste de preços contidos
politicamente e também daqueles indexados. Se tentar contemporizar, a
presidente começará muito mal o segundo mandato.
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