Corrupção institucionalizada
MERVAL PEREIRA - O Globo
O
que todos supúnhamos está ganhando contornos de verdade: o esquema de
corrupção nas licitações de obras públicas está espalhado por vários
setores no país, e não se restringe apenas à Petrobras.
Com
conhecimento de causa, essa certeza já havia sido dada pelo ex-diretor
da Petrobras Paulo Roberto Costa, que iniciou o processo de delação
premiada nas investigações do escândalo que ficou conhecido como
petrolão.
Em recente sessão da CPI mista do Congresso, Costa
afirmou que o mesmo esquema de corrupção que existe na estatal se repete
em todos os outros contratos públicos do país, incluindo ferrovias,
portos, aeroportos e demais obras.
O próprio juiz Sérgio Moro, do
Paraná, responsável pelas investigações da Operação Lava-Jato, disse
ontem que as evidências já recolhidas indicam que o esquema de fraude em
licitação "vai muito além" da Petrobras. Ele classificou de
"perturbadora" uma tabela apreendida em março com o doleiro Alberto
Youssef, que continha uma lista de cerca de 750 obras públicas de
infraestrutura.
Ali, constavam "a entidade pública contratante, a
proposta, o valor e o cliente do referido operador, sendo este sempre
uma empreiteira", mostrando pelo menos o interesse do doleiro em
prospectar novos negócios ilegais no mesmo setor em que já operava.
O
ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa confirmou para a CPI outro
ponto que já se sabia pelas evidências: para ser indicado para diretoria
de estatal, "em todos os governos, desde Sarney, Itamar, Fernando
Henrique, Lula, Dilma", é preciso ter apoio político.
O interesse
de políticos por indicações para "a diretoria que fura poço" ou para
chefe da Receita Federal no aeroporto de Cumbica ou no Porto de Santos
ou para diretor da Transpetro sempre existiu, e a ilação mais
generalizada na opinião pública é que ninguém se interessa por um cargo
desses à toa, para fazer que o Porto de Santos ou a alfândega funcionem
melhor.
E dá também para imaginar que os governantes aceitavam
que políticos importantes exercessem influência em áreas estratégicas,
como diretorias de estatais, fazendo vista grossa para suas reais
intenções. Eram esquemas políticos de corrupção pontuais, mesmo
tradicionais e que prejudicavam o andamento dos serviços públicos,
subvertendo os valores que deveriam orientá-los.
O desvio de
licitações e a formação de cartéis sempre foram denunciados e vemos
agora em São Paulo, graças a investigações de autoridades suíças, o
desmembramento de um cartel que funcionava até recentemente nos governos
do PSDB, desde Mario Covas.
Vários executivos de empresas
estatais responsáveis pelos transportes públicos, sejam trens ou metrô,
foram indiciados, inclusive os atuais presidente e o diretor de
operações da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), Mário
Bandeira e José Luiz Lavorente. Apesar de o esquema estar em vigor há
muitos anos, não há até o momento nenhuma acusação de que o PSDB
montou-o para financiar suas atividades políticas.
O assunto está
sendo tratado como um esquema de corrupção tradicional, digamos assim, e
o que se deve estranhar é que tenha funcionado durante tanto tempo sem
que três governos tucanos notassem.
Ao contrário, no petrolão (e
já houve a comprovação disso no mensalão) há indicações de que esses
esquemas passaram a ser institucionalizados, e o que era área de
influência deste ou daquele político ou grupo político passou a obedecer
a um esquema mais organizado de financiamento dos partidos políticos.
O
Ministério Público Federal já baseava sua investigação na chance de que
parte do dinheiro cobrado por diretores da Petrobras para firmar
contratos com empreiteiras investigadas pela Lava-Jato pudesse ter sido
repassado a partidos políticos para financiar campanhas.
No
documento que baseou as primeiras prisões de empreiteiros, o MPF
afirmava que as investigações da PF apontam que as doações para
campanhas são "mera estratégia de lavagem de capitais" e que o pagamento
de propina teria sido utilizado pelas empreiteiras para "obtenção de
vantagem indevida".
Esse esquema foi parcialmente confirmado pela
delação premiada do executivo Mendonça Neto, da Toyo Setal, que revelou
que verba desviada de uma obra da Petrobras fora transformada em doação
legal para o PT, por orientação do ex-diretor da Petrobras Renato
Duque, indicado pelo ex-ministro José Dirceu.
A corrupção institucionalizada é um degrau acima na escala da degradação do Estado brasileiro.
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