Crise dos presídios não invalida redução da maioridade
Argumento de que há superpopulação carcerária
no sistema prisional do país só atende a quem volta as costas para o
preocupante aumento da violência de jovens delinquentes
O Globo
Os números da população carcerária do país (607,7 mil presos, com um
déficit de 231 mil vagas) divulgados pelo Ministério da Justiça
ratificam uma evidência: a política penitenciária está falida. Este é o
mais expressivo sinal dos indicadores. No entanto, em vez de discutir
seriamente a questão em si, o governo federal transformou a superlotação
das prisões em bandeira contra a redução, no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), do limite da imputabilidade penal de jovens
delinquentes.
Celas superlotadas e proteção da sociedade contra a explosiva
criminalidade juvenil são coisas distintas. Misturá-las só atende a
quem, por hipocrisia, volta as costas para a realidade que é o
preocupante aumento do número de adolescentes que, em assaltos e outros
crimes, praticam nas ruas atos de violência extrema.
É no âmbito da execução penal, terreno do gerenciamento da aplicação
da lei nas penitenciárias, que a questão dos presídios precisa ser
discutida — e com urgência. O Brasil tem uma população carcerária que
excede o número de vagas porque, primeiro, prende mal, e, segundo,
comete um erro primário: não investe para valer na construção de novas
unidades prisionais.
São conhecidas, ainda, denúncias do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) dando conta da existência, no universo das cadeias do país, de
presos que, tendo cumprido suas sentenças, ainda permanecem detidos,
reflexo de uma burocracia ineficiente; outros, e em bom número, são
mantidos em celas de presídios ou delegacias mesmo sem julgamento; e há
ainda aqueles que, em vez de ocuparem vagas nas cadeias, poderiam
ajustar contas com a Justiça cumprindo penas alternativas, como ações
educativas ou sociais — caso, principalmente, de usuários de drogas ou
condenados por tráfico eventual.
Mas,
ainda que se adotassem medidas de racionalização da política
carcerária, permaneceria a questão dos mandados de prisão não
executados, e que, se fossem cumpridos, agravariam ainda mais o problema
do déficit. Por isso, independentemente de o poder público cuidar dessa
questão, é inescapável que, se há carência de vagas, é preciso
construir mais presídios. Nisso também há falhas: mesmo diante da
demanda, o governo federal só aplicou, entre 2011 e este ano, 16,7% dos
recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) destinados a obras no
sistema.
Em aberto há muito tempo, são questões tratadas com leniência. A
admissão do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de que a
divulgação desses indicadores é uma forma de pressão contra a redução da
maioridade penal põe na mesa de discussão da revisão do ECA uma carta
diversionista: contra a superlotação, em vez de melhorias no sistema
penitenciário, prega-se o perigoso princípio de prender menos. Não
resolve o problema da crise dos presídios, tampouco o do incremento da
violência juvenil. Deixa-se tudo como está, ao preço do aumento dos
riscos para a segurança da sociedade.
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