segunda-feira, 1 de junho de 2015

Estereótipo impede que sejam acolhidos talentosos imigrantes
David Brooks - NYT
José Sena Goulão/EFE
Homem segura cartaz durante manifestação em Lisboa (Portugal) em apoio a imigrantes que cruzam o Mediterrâneo até a Europa Homem segura cartaz durante manifestação em Lisboa (Portugal) em apoio a imigrantes que cruzam o Mediterrâneo até a Europa
Há 800 anos, nobres ingleses forçaram o rei João a assinar a Carta Magna. Isto ainda tem efeitos surpreendentes sobre o mundo de hoje. A Carta Magna ajudou a introduzir o governo com separação de poderes. Ela ajudou a criar as condições nas quais a autoridade centralizada não pudesse controlar totalmente a vida fiscal, política, religiosa e intelectual. Ela ajudou a inaugurar o modelo do Estado anglo-saxão moderno, com sua ênfase na livre circulação de pessoas, ideias e coisas.
O modelo anglo-saxão tem suas vantagens e desvantagens, mas é muito atraente para os povos do mundo inteiro. Hoje, como sempre, os imigrantes buscam as nações de herança política inglesa. Nos Estados Unidos, 46 milhões de pessoas nasceram no exterior, quase uma em cada seis. É, de longe, o país com o maior número de imigrantes.
Canadá, Austrália e Nova Zelândia também são ímãs de imigrantes. A classe política inglesa ficou alvoroçada na semana passada por causa de um relatório do governo que mostrou um aumento de 50% na imigração em 2014 em relação a 2013. O governo tem como meta limitar a imigração a 100 mil pessoas por ano, mas, em 2014, a imigração foi estimada em 318 mil pessoas no país. A Inglaterra tem a comunidade de imigrantes mais diversa do que a de qualquer outro país do mundo.
Algumas dessas pessoas vêm de fora da Europa, mas a grande maioria flui das economias esclerosadas da União Europeia: Itália, Espanha e França. Em comparação com muitos outros países europeus, a Inglaterra é um modelo de geração de empregos.
Por todo o mundo falante de inglês, os imigrantes são atraídos pelas mesmas coisas: economias relativamente fortes, boas universidades, culturas abertas e a língua franca do mundo.
Além disso, a natureza da migração global está evoluindo lentamente. Temos uma imagem dos imigrantes como multidões pobres e amontoadas, ansiando por respirar em liberdade. De acordo com esse estereótipo, os imigrantes são expulsos de sua terra natal pela pobreza e se mudam para outro lugar para competir com os trabalhadores menos qualificados.
Mas os imigrantes não vêm dos países mais pobres. Nações como República Central Africana, República Democrática do Congo e Níger, alguns dos países mais pobres do mundo, têm algumas das taxas mais baixas de emigração. Menos de 3% de sua população vive fora de suas fronteiras. Seus cidadãos não têm recursos para sair.
Na verdade, os imigrantes tendem a vir de países de classe média, e eles migram para países ricos e mais abertos. Você poderia imaginar que, à medida em que o mundo se torna mais classe média, a migração global cairia porque há mais oportunidades no país natal. Na verdade, está acontecendo o contrário. À medida que o mundo em desenvolvimento fica mais classe média, a imigração aumenta porque as conquistas em educação e renda levam a aspirações ainda maiores.
A situação é complexa. Menos de uma década atrás, seis mexicanos imigravam para os Estados Unidos para cada indiano ou chinês. Mas, à medida que o México prosperou, a imigração caiu. Enquanto isso, à medida que Índia e China ficaram mais ricas, o número de indianos e chineses que vivem no exterior dobrou.
Alguns dos imigrantes asiáticos são muito ricos. Segundo o Relatório de Imigração Internacional da China, 27% dos chineses com mais de US$ 16 milhões em bens haviam emigrado para o exterior e outros 47% estavam considerando fazer o mesmo. O site de imóveis Soufun.net fez uma enquete com 5.000 pessoas e descobriu que 41% delas tinham vontade de se mudar para o exterior para ter melhores condições de vida; 35% para ter melhores oportunidades educacionais para os filhos; e 15% para ter melhores condições de aposentadoria.
E estes talentos mal tem sido aproveitados. De acordo com uma pesquisa Gallup de 2012, 22 milhões de chineses queriam se mudar para os Estados Unidos, assim como 10 milhões de indianos, 3 milhões de vietnamitas e um número surpreendente de 5 milhões de japoneses.
Em resumo, talvez tenha chegado a hora de revermos nossos estereótipos sobre a questão da imigração. Mil anos atrás, alguns nobres ingleses anunciaram, sem se dar conta, um modelo político e intelectual descentralizado. Este modelo foi aprofundado ao longo de séculos por pessoas que vão desde Henrique 8º aos fundadores dos Estados Unidos. É um modelo relativamente acolhedor ao talento estrangeiro. Não conquistamos esse modelo; somos herdeiros de sorte.
Enquanto isso, a globalização, com todas as suas tensões e pressões, criou uma grande classe internacional de sonhadores de classe média: universitários formados que não conseguem alcançar suas aspirações em seus países e que enriqueceriam qualquer país que tivesse a sorte de recebê-los.
Neste contexto, a abordagem ousada de Hillary Clinton em relação à imigração, de apoiar um "caminho para a cidadania" para os imigrantes sem documentação que já estão nos Estados Unidos, é claramente a escolha certa. O Partido Republicano é insano se quiser conduzir uma política de imigração no século 21 com base em estereótipos dos anos 80.
Tradução: Eloise De Vylder

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