segunda-feira, 1 de junho de 2015

Sunitas que fogem do Estado Islâmico encontram poucas portas abertas no Iraque
Tim Arango - NYT
Ahmad al-Rubaye/AFP
Combatentes sunitas iraquianos que lutam ao lado das forças de segurança do governo entram em confronto jihadistas nos arredores da refinaria de petróleo de Baiju, a 200 km ao norte de Bagdá, no Iraque, na última segunda-feira (25) Combatentes sunitas iraquianos que lutam ao lado das forças de segurança do governo entram em confronto jihadistas nos arredores da refinaria de petróleo de Baiju, a 200 km ao norte de Bagdá, no Iraque, na última segunda-feira (25)
De um lado da ponte frágil que atravessa um trecho estreito do rio Eufrates em Amiriyah Falluja, estavam famílias em pânico, fugindo das forças do Estado Islâmico, na esperança de deixar a província de Anbar e chegar à segurança de Bagdá.
Do outro lado estavam oficiais do exército iraquiano e milicianos xiitas, sob ordens de manter a ponte fechada por causa de temores de que militantes pudessem atravessar entre os civis desalojados.
"É como se o outro lado fosse a Europa e aqui fosse a Ásia", disse Ehab Talib, 27, que estava esperando para encontrar parentes que fugiam do conflito em Anbar, região dominada pelos sunitas e cuja capital, Ramadi, caiu recentemente para o Estado Islâmico.
Com novas ondas de civis fugindo da violência em Anbar, o número de iraquianos desalojados, quase 3 milhões, agora já é maior do que durante o auge da sangrenta luta sectária que se seguiu à invasão dos EUA, quando milhões de iraquianos fugiram para a Síria. Esta porta está fechada por causa da própria guerra civil do país. E agora as portas estão se fechando também no Iraque, piorando as tensões sectárias à medida que as autoridades xiitas limitam as áreas onde os sunitas em fuga podem buscar a segurança.
"Somos todos iraquianos", disse Marwan Abdul, assistente de um médico, do lado de fora de uma clínica móvel. "Isso não aconteceria em nenhum outro país."
A violência desencadeada pelos militantes sunitas do Estado Islâmico, também conhecido como EIIL ou EI, atingiu os sunitas de forma desproporcional. Quase 85% dos iraquianos em fuga são sunitas, e eles normalmente buscam segurança em áreas dominadas pelos xiitas, inclusive em Bagdá, onde, assim como na ponte de Amiriyah Fallujah, costumam ser tratados como uma ameaça à segurança em vez de concidadãos em sofrimento.
Ao buscar financiamento com doadores, funcionários da ONU enfatizam que conter a crise não é apenas um imperativo moral, mas também algo crucial para promover a reconciliação e estabelecer as condições para a estabilidade a longo prazo, caso o Estado Islâmico seja derrotado.
Ao invés de aproveitar a crise como uma oportunidade para conquistar os sunitas –-uma minoria no Iraque-– para o lado do governo, as autoridades xiitas de Bagdá têm agido de uma maneira que agravou a divisão sectária do país, dizem os críticos, correndo o risco de segregar especialmente os homens sunitas mais jovens, restringindo seus movimentos dentro do país.
Nos dias que a ponte está aberta, por exemplo, nem todos podem ir para áreas seguras. Para chegar a Bagdá, os civis de Anbar precisam ter um conhecido na capital que possa ir buscá-los e levá-los para a cidade, como Talib estava tentando fazer. Alguns moradores de Bagdá têm explorado esse sistema, cobrando até US$ 700 dos desalojados por alguém que possa ir buscá-los, de acordo com a organização de ajuda Comitê de Resgate Internacional. O grupo alertou esta semana que as verificações de segurança rigorosas e o estrangulamento dos postos de controle perto de Bagdá estão obrigando as pessoas a voltarem para áreas de conflito.
Mesmo na região curda do norte, que há muito tempo serve de refúgio para civis que fogem da turbulência do Iraque, as autoridades relutam em aceitar um grande número de árabes, agravando as divisões étnicas do país e aumentando a sensação de que a própria coesão do Iraque está se desfazendo.
Agências de ajuda humanitária, já sobrecarregados com a crise dos refugiados na Síria, dizem que estão ficando sem dinheiro para lidar com os crescentes problemas do Iraque. Uma doação de US$ 500 milhões da Arábia Saudita para a ONU no ano passado acabou no final de março, e outros recursos estão diminuindo rapidamente. A ONU diz que precisa de mais US$ 500 milhões para o Iraque para chegar até o fim deste ano, e planeja lançar um novo plano de resposta e um apelo por doações em um evento em Bruxelas em 4 de junho.
"Estamos sem dinheiro", disse Lise Grande, funcionária da ONU encarregada dos esforços humanitários no Iraque.
A situação também complicou ainda mais o desafio de conciliar xiitas e sunitas no Iraque em meio aos esforços para derrotar o Estado Islâmico.
Funcionários do governo do Iraque disseram que as preocupações quanto a uma ameaça de segurança por parte das pessoas desalojadas internamente são legítimas, porque o Estado islâmico está profundamente enraizado em Anbar e conta com algum apoio dos cidadãos locais. Alguns funcionários até culparam os moradores de Anbar por uma onda recente de ataques com carros-bomba.
Valerie Amos, subsecretária-geral da ONU para assuntos humanitários, detalhou numa declaração recente ao Conselho de Segurança uma lista terrível das circunstâncias enfrentadas pelos civis nas áreas ocupadas pelo Estado Islâmico, entre elas a escravidão sexual e o recrutamento forçado de crianças para se tornarem militantes.
"A perspectiva humanitária no Iraque continua extremamente preocupante", disse ela. "O número de pessoas que necessitam de assistência aumentou sete vezes em pouco menos de um ano. Este número pode aumentar ainda mais até o fim do ano, à medida que o conflito continua e que o medo da retaliação sectária se espalha por novas áreas."
Amos também criticou a resposta do governo à crise, afirmando que "as restrições à liberdade de movimentação dos civis por parte das forças de segurança e grupos armados estão aumentando, dificultando que os civis fujam do conflito e entrem em territórios mais seguros ou voltem para casa depois que as áreas são retomadas."
As autoridades estão se preparando para que a crise piore ainda mais à medida que o governo iraquiano, milícias aliadas e a coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos se preparam para ofensivas contra o Estado Islâmico em Anbar e depois em Mosul, no norte do país. Funcionários da ONU acreditam que mais 1 milhão de civis podem ser desalojados pelas operações em Anbar e outros lugares, antes mesmo que comece a campanha em Mosul.
"Durante as próximas campanhas militares haverá consequências humanitárias enormes, e talvez até mesmo um desastre", disse Grande. "Como podemos nos preparar para isso?"
Tradutor: Eloise De Vylder 

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