Ministro nega que tenha cobrado propina por meio de doações para a campanha de Dilma, em 2014
Cardozo (Justiça) afirma que Ricardo Pessoa
pode perder benefício de delação, caso mentira fique provada; Ministro
da Secom diz que está 'indignado' com acusações, e pede para ser ouvido
em investigação
Cristiane Jungblut - O Globo
O ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da
República, Edinho Silva, negou, em entrevista coletiva, no início da
tarde deste sábado, que tenha pressionado o empresário Ricardo Pessoa,
da UTC, para pagar propina, por meio de doações eleitorais registradas
na Justiça Eleitoral, em troca da manutenção de contratos da empresa com
a Petrobras. E disse que, caso sejam verdadeiras as declarações
atribuídas a Pessoa, no âmbito da colaboração com o Ministério Público
Federal, pedirá a anulação da delação premiada.
-
Me causa indignação que meu nome tenha sido envolvido numa delação
premiada. Me causa indiganação o vazamento seletivo da delação. Me causa
indignação a tese de criminalização seletiva das doações da nossa
campanha (de Dilma, em 2014), enquanto outros partidos também receberam
doações - disse Edinho, que completou: - O que eu garanto é que agi
dentro da legalidade. O que ele pactuou foram doações legais. Não tenho
nada a esconder de ninguém.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que o benefício da
delação premiada pode ser suspenso pela Justiça caso fique comprovado
que o depoimento dado não seja verdadeiro. Cardozo disse que pessoa quer
"obter benefícios" ao entrar na delação premiada e que pode, inclusive,
mentir sobre tudo. Ele disse que os ministros Aloísio Mercadante (Casa
Civil) e Edinho Silva (Comunicação) pedirão acesso ao depoimento.
-
Temos que entender o contexto em que uma delação premiada é feita: é um
contexto em que a pessoa quer obter benefícios. Ela pode dizer toda
verdade, pode mentir em tudo, pode dizer a verdade e parcialmente
mentira, pode ser seletiva também nas informações que presta. Isso tem
que ser apurado e investigado. São muito ruins esses vazamentos por um
aspecto: não sabemos o que está lá e se há outros fatos narrados que
poderiam ter sido divulgados também - disse ele.
Cardozo disse que a presidente Dilma Rousseff está "absolutamente
tranquila" e que o governo quer agilidade na apuração dos fatos.
- A presidente está absolutamente tranquila. O governo e todas as
pessoas que são atingidas por uma delação têm interesse claro que a
invesitgação vá a fundo e o mais rápido possível. Porque não há nada
pior do que haver uma acusação que você nem sabe se ela real, não tem
como se defender. Então, essa situação de pendência, em que honra de
pessoas é antigida, é realmente muito perversa. Então, quanto mais
rápida for a investigação, mas aprofundada também para que a verdade
venha à tona, é melhor para aqueles que sabem que efetivamente são
inocentes.
Para Cardozo, a reunião com Dilma nesta manhã foi "informativa".
Edinho Silva afirmou que é o responsável por todas as doações da
campanha da presidente Dilma Rousseff, na campanha de 2014. E negou que
seja demissionário, apesar de salientar que o cargo é da presidente da
República.
- A presidente me deu autonomia para tomar as medidas necessárias em
relação à minha honra. Causa estranheza que o vazamento tenha ocorrido e
tenha sido feito de forma seletiva. Ela (Dilma) sabe que eu cumpri o
que ela me pediu para fazer: arrecadar com lisura e legalidade.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também defendeu Edinho
Silva, acusado por Pessoa de negociar doações de R$ 7,5 milhões para a
campanha de Dilma, supostamente em troca da manutenção dos contratos com
a estatal.
- A presidente sempre orientou para arrecadar estritamente dentro da
lei. Se alguém fala o contrário, que demonstre. Tudo que eu sei, o
ministro Edinho cumpriu o que foi orientado pela presidente da República
- afirmou o ministro da Justiça.
Edinho Silva ainda sustentou que os diálogos que manteve com Ricardo
Pessoa não tiveram contratos com a Petrobras como parte de seu conteúdo.
Ele já havia reconhecido que teve três reuniões com Ricardo Pessoa, no
período de campanha.
- Eu, como coordenador financeiro da campanha, dialoguei com dezenas
de empresários brasileiros, como também fez todo o tesoureiro das demais
campanhas (de outros partidos). Nenhum empresário fez qualquer
afirmação que insinuasse que meus diálogos não tivessem ocorrido dentro
da legalidade, com lisura e transparência.
Questionado se a presidente Dilma Rousseff está convencida dos
argumentos dados por Edinho Silva e por Aloízio Mercadante (Casa Civil),
em resposta às acusações de Pessoa, o ministro da Justiça respondeu:
- A presidente Dilma está absolutamente tranquila com as
justificativas dos ministros citados na delação premiada de Ricardo
Pessoa. Isso deve ser apurado e investigado. Os minsitros narraram com
muita clareza os fatos descritos. O governo tem interesse que a
investigação vá a fundo. Essa situação de pendência é muito perversa.
Quando mais rápida e aprofundada for a investigação, melhor - sustentou
Cardozo.
REUNIÃO DE EMERGÊNCIA
A presidente Dilma
Rousseff atrasou o embarque para os Estados Unidos, previsto para as 9h,
e convocou ministros para uma nova reunião nesta manhã de sábado com o
objetivo de avaliar o impacto do conteúdo da delação premiada do
empresário Ricardo Pessoa, da UTC. A reunião da presidente com os
ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Aloízio Mercadante (Casa
Civil) e Edinho Silva (Secom) terminou por volta de 10h20.
A presidente já embarcou para os EUA, em meio ao clima de apreensão
provocado pelas denúncias. O Planalto deve se pronunciar oficialmente
ainda neste sábado sobre a delação do empreiteiro, que teve seu acordo
de colaboração com o Ministério Público Federal homologado pelo Supremo
Tribunal Federal (STF).
Esta foi a segunda reunião de Dilma sobre o assunto em menos de 24
horas. O ministro Edinho Silva, que iria viajar a São Paulo na noite de
sexta-feira, foi obrigado a ficar em Brasília e também participou do
encontro. Mercadante não embarcou para os Estados Unidos e poderá ficar
fora da comitiva presidencial para administrar a crise provocada pela
delação.
Dilma deixou o Palácio da Alvorada, às 10h20, acompanhada apenas da
filha Paula, em direção à Base Aérea de Brasília, de onde embarcou para
os EUA, em visita na qual terá encontro com o presidente Barack Obama,
entre outros compromissos.
Em conversas pela manhã, na reunião do Palácio da Alvorada,
Mercadante teria se defendido da acusação feita de que recebeu R$250 mil
de recursos do petrolão, alegando que na mesma época o governador
Geraldo Alckmin também teria recebido R$750 mil da mesma empresa.
- Estão vazando partes do depoimento de forma seletiva para
prejudicar a presidente Dilma, mas as doações foram legais - disse
Mercadante a interlocutores após a reunião do Alvorada.
A delação premiada de Ricardo Pessoa, dono das construtoras UTC e
Constran e apontando como chefe do “cartel das empreiteiras” que fatiou
os contratos da Petrobras, provocou, ainda na sexta-feira, apreensão no
Palácio do Planalto. Dilma esteve com Cardozo, Mercadante, Edinho Silva
(Comunicação Social), além do assessor especial Giles Azevedo, para
avaliar o impacto da delação sobre o governo.
O QUE DIZ O DELATOR
No depoimento, o
empreiteiro listou como beneficiários de recursos a campanha da
presidente Dilma Rousseff em 2014; a campanha do ex-presidente Lula em
2006; a campanha de Mercadante, ao governo de São Paulo em 2010; e mais
cinco senadores e três deputados federais. O Ministério Público Federal e
a PF agora vão investigar se as doações foram legais ou se houve
irregularidades.
A lista dos que receberam as verbas foi publicada nesta sexta-feira à
noite pelo site da revista “Veja” e confirmada pelo GLOBO junto a duas
fontes com acesso às investigações em curso no Supremo Tribunal Federal
(STF).
No detalhamento do depoimento dado a Procuradoria Geral da República,
publicado pela revista Veja, Pessoa conta como teria abastecido as
contas das campanhas da presidente Dilma Rousseff, em 2014, e do
ex-presidente Lula, em 2006. Os cinco dias de depoimento renderam uma
planilha com 40 anexos de documentos mostrando o caminho do dinheiro do
esquema de desvios da Petrobras. Pessoa teria dito que, em 2014, foi
“abordado de forma bastante elegante” em três encontros com o então
tesoureiro da campanha e hoje ministro da Secom, Edinho Silva. Parte do
dinheiro repassado teria sido feito na conta de um funcionário do
Planalto, Manoel de Araújo Sobrinho.
“O Edinho me disse: você tem obras na Petrobras e tem aditivos, não
pode só contribuir com isso. Tem que contribuir com mais. Estou
precisando”, diz Pessoa no depoimento, segundo a Veja. A partir das
conversas, ele teria providenciado o repasse de R$10 milhões, repassados
ao servidor do Palácio do Planalto, Manoel de Araújo Sobrinho. Pelas
planilhas entregues a PGR, foram feitos dois depósitos de R$2.5 milhões ,
em 5 e 30 de agosto de 2014. Depois desses depósitos, segundo a
revista, o funcionário do Planalto acertou outro repasse de R$5 milhões
para o caixa eleitoral de Dilma. Metade desse valor foi entregue, e a
outra parte seria paga depois da eleição, mas foi preso antes.
SUPOSTA ENTREGA EM DINHEIRO VIVO
No
detalhamento sobre os repasses para a campanha de reeleição de Lula em
2006, quando ele venceu a disputa com Geraldo Alckmin em pleno mensalão,
Pessoa teria dito que acertou com seu tesoureiro, José de Filippi
Júnior um esquema clandestino para entregar, em dinheiro vivo, R$2.4
milhões no comitê do então candidato. O dinheiro teria sido
internalizado de uma conta na Suiça do consórcio Quip, formado pela UTC,
Camargo Correa, Iesa, e Queiroz Galvão, que mantém contratos
milionários com a Petrobras para construção de plataformas.
No relato que teria feito ao procurador Rodrigo Janot, ele , o
executivo da UTC Walmir Pinheiro e um emissário de confiança levavam
pessoalmente o dinheiro ao comitê presidencial de Lula. Para não chamar a
atenção, combinaram em uma choperia uma senha entre o pagador e o
beneficiário. Quando chegava com os pacotes, o emissário dizia a senha
“tulipa”, e só era levado a sala de Fillipi se recebesse de volta a
contra-senha “caneco”. Pessoa, segundo Veja, entregou todas as planilhas
sobre essa movimentação.
Segundo Veja, o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Netto, é citado em
várias partes da delação de Ricardo Pessoa: cobrando propina, recebendo
propina e tratando sobre pagamento de propina. A pedido do ex-diretor de
serviços da Petrobras, Renato Duque, ele passou a tratar diretamente
com Vaccari.
“Bastava a empresa assinar um novo contrato com a Petrobras que o
Vaccari aparecia para lembrar: como fica nosso entendimento político?”.
Segundo a revista, Ricardo Pessoa explicou, em seu depoimento de cinco
dias, que Vaccari não gostava da palavra “propina” e se referia aos
pagamentos como “pixuleco”. Nos encontros, rabiscava valores e os
percentuais no papel e o entregava para o interlocutor .”Vaccari
picotava a anotação e distribuía os pedaços em lixos diferentes”, diz o
depoimento de Pessoa. Mas teria sido tudo filmado.
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