Gorbachev e sua fundação reivindicam seu legado reformista no momento em que Moscou volta a se fechar sobre si mesma
Pilar Bonet - El País
Odd Andersen/AFP
Mikhail Gorbachev, ex-líder soviético, participa de evento na Alemanha, em novembro de 2014
A perestroika, a orientação reformista liderada por Mikhail Gorbachev na União Soviética há 30 anos, não é uma etapa arquivada, mas uma tarefa inconclusa, uma das várias tentativas falidas ao longo da história de superar o modelo político autoritário. Cedo ou tarde, a Rússia será "obrigada a examinar a experiência da perestroika, suas ideias e seus valores" em nome de sua própria modernização e desenvolvimento.
Esta é uma das teses do relatório que um grupo de especialistas russos
elaborou sob a direção de Mikhail Gorbachev, ex-líder da União Soviética
(1985-1991), e Alexei Kudrin, ex-ministro das Finanças da Rússia
(2000-2011). O documento, "1985-2015: Os valores da perestroika no
contexto da Rússia atual", foi apresentado em 28 de maio na Fundação
Gorbachev. Participaram seus autores e o próprio Kudrin, mas não
Gorbachev, que se manteve a par do debate na clínica moscovita onde está
internado por problemas de saúde. O artífice da perestroika tem 84
anos.
O termo "perestroika" foi cunhado em maio de 1985 em Leningrado (hoje São Petersburgo), destino da primeira viagem de Gorbachev como secretário-geral do Partido Comunista Soviético. O novo líder surpreendeu seus concidadãos ao conversar com eles em plena rua. Todos, disse-lhes, incluindo ele, deveriam "transformar-se", quer dizer, fazer a perestroika.
O ex-líder soviético se considera um socialista. Kudrin, por sua vez, é um liberal que deixou o governo por causa de seus atritos com o atual primeiro-ministro, Dmitri Medvedev. A redação do relatório, sob o patrocínio comum da Fundação Gorbachev e do Comitê de Iniciativas Cidadãs dirigido por Kudrin, indica que as duas entidades, à margem de suas discrepâncias ideológicas, encontraram um terreno comum na busca de "uma estratégia moderna para a Rússia e seu futuro". Nos últimos dois séculos, houve muitas tentativas, desde Alexandre 2º até Gorbachev, passando por Nikita Kruschev.
A perestroika nada hoje contra a corrente. Em 1985, começaram a cair os tabus e a aparecer germes do que seria a "glasnost" (transparência informativa). Hoje o processo é inverso. Na quinta-feira (28), enquanto os especialistas discutiam a perestroika, sites na internet informavam sobre o decreto do presidente Vladimir Putin que transforma em segredo de Estado os dados sobre baixas militares em tempo de paz, o que se interpreta como uma tentativa de silenciar os números de mortos russos na Ucrânia. Também foram silenciados na URSS os números de mortos do contingente militar soviético no Afeganistão (1979-1989), até que, com Gorbachev, os meios de comunicação puderam falar sobre os sofrimentos e os túmulos dos soldados.
"Os reformadores cometeram erros", reconhece o documento, "mas lutaram pela renovação da vida política e social (...), pela construção de um Estado de direito, a superação do legado do totalitarismo stalinista, o confronto com o mundo exterior e o fim da Guerra Fria." Os reformadores admitem que não tinham previsto a desintegração da URSS.
Do ponto de vista da "luta geopolítica pela liderança mundial", a aceitação da unificação da Alemanha, a retirada de tropas dos países do Pacto de Varsóvia e a renúncia à ingerência no Afeganistão eram vistas como um abandono de posições. Mas, "do ponto de vista da prioridade dos valores humanos universais", era uma "política absolutamente nova, moderna, realista e racional".
"A Rússia chegou ao século 21 com os mesmos problemas com que iniciou o ciclo de transformações em meados dos anos 1980. Isto significa que é inevitável uma nova etapa de profundas reformas democráticas." Essas reformas serão estimuladas pelos mesmos problemas que provocaram a perestroika, a saber: "ineficácia e atraso do modelo político, atraso econômico e tecnológico, relações arcaicas entre Estado e sociedade e aumento em níveis perigosos do confronto internacional".
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
O termo "perestroika" foi cunhado em maio de 1985 em Leningrado (hoje São Petersburgo), destino da primeira viagem de Gorbachev como secretário-geral do Partido Comunista Soviético. O novo líder surpreendeu seus concidadãos ao conversar com eles em plena rua. Todos, disse-lhes, incluindo ele, deveriam "transformar-se", quer dizer, fazer a perestroika.
O ex-líder soviético se considera um socialista. Kudrin, por sua vez, é um liberal que deixou o governo por causa de seus atritos com o atual primeiro-ministro, Dmitri Medvedev. A redação do relatório, sob o patrocínio comum da Fundação Gorbachev e do Comitê de Iniciativas Cidadãs dirigido por Kudrin, indica que as duas entidades, à margem de suas discrepâncias ideológicas, encontraram um terreno comum na busca de "uma estratégia moderna para a Rússia e seu futuro". Nos últimos dois séculos, houve muitas tentativas, desde Alexandre 2º até Gorbachev, passando por Nikita Kruschev.
A perestroika nada hoje contra a corrente. Em 1985, começaram a cair os tabus e a aparecer germes do que seria a "glasnost" (transparência informativa). Hoje o processo é inverso. Na quinta-feira (28), enquanto os especialistas discutiam a perestroika, sites na internet informavam sobre o decreto do presidente Vladimir Putin que transforma em segredo de Estado os dados sobre baixas militares em tempo de paz, o que se interpreta como uma tentativa de silenciar os números de mortos russos na Ucrânia. Também foram silenciados na URSS os números de mortos do contingente militar soviético no Afeganistão (1979-1989), até que, com Gorbachev, os meios de comunicação puderam falar sobre os sofrimentos e os túmulos dos soldados.
"Os reformadores cometeram erros", reconhece o documento, "mas lutaram pela renovação da vida política e social (...), pela construção de um Estado de direito, a superação do legado do totalitarismo stalinista, o confronto com o mundo exterior e o fim da Guerra Fria." Os reformadores admitem que não tinham previsto a desintegração da URSS.
Do ponto de vista da "luta geopolítica pela liderança mundial", a aceitação da unificação da Alemanha, a retirada de tropas dos países do Pacto de Varsóvia e a renúncia à ingerência no Afeganistão eram vistas como um abandono de posições. Mas, "do ponto de vista da prioridade dos valores humanos universais", era uma "política absolutamente nova, moderna, realista e racional".
Sobrevivência dos problemas
A perestroika reduziu "radicalmente" o perigo de um conflito nuclear, o que "liberou enormes recursos que poderiam ser utilizados para o desenvolvimento econômico, social e cultural do país". Aquele enfoque "contrasta com o que se vê hoje". Segundo o relatório, a Rússia tem "um regime político personalista, com instituições instáveis" em função das necessidades da classe no poder. O modelo "paternalista autoritário", baseado nas rendas do petróleo, está em crise. Se continuar assim, a Rússia irá para "o isolamento que, na época da globalização, se transformará em um atraso crônico"."A Rússia chegou ao século 21 com os mesmos problemas com que iniciou o ciclo de transformações em meados dos anos 1980. Isto significa que é inevitável uma nova etapa de profundas reformas democráticas." Essas reformas serão estimuladas pelos mesmos problemas que provocaram a perestroika, a saber: "ineficácia e atraso do modelo político, atraso econômico e tecnológico, relações arcaicas entre Estado e sociedade e aumento em níveis perigosos do confronto internacional".
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Nenhum comentário:
Postar um comentário