terça-feira, 2 de junho de 2015

Será que a China fechará suas portas?
Ira Belkin e Jerome Chan - TINYT
Saurabh Das/AP
O presidente chinês, Xi Jinping
O presidente chinês, Xi Jinping
O slogan dos Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim, foi "Pequim Recebe Você". Agora, sete anos depois, um projeto de lei visando as instituições estrangeiras –-incluindo universidades, museus, entidades atléticas e culturais, associações profissionais e todas as organizações sem fins lucrativos estabelecidas fora da China continental-– deixa claro que Pequim se tornou menos receptiva.
O projeto de lei de gestão de ONGs estrangeiras, divulgado no mês passado, faz parte de um pacote de legislação que inclui leis rígidas de segurança nacional e antiterrorismo. Com esse pacote amplo e abrangente de estatutos, o presidente Xi Jinping, que claramente sente que o governo do Partido Comunista está vulnerável a ideias do mundo exterior, busca ser o líder mais duro desde Mao Tsé-tung.
Se o projeto de lei das ONGs for aprovado, os intercâmbios culturais, educacionais e técnicos internacionais, que se tornaram comuns e essenciais para o incrível desenvolvimento da China, poderão ser suspensos.
Segundo a proposta, organizações sem fins lucrativos baseadas no exterior precisariam ser analisadas pelas forças de segurança chinesas antes de realizarem atividades na China. A lei não define "atividade", de modo que as agências teriam liberdade para decidir se impedem ou não os planos de uma organização na China –-além de não pedir por uma revisão independente de suas decisões.
As raízes do projeto de lei remontam pelo menos dois anos, quando o Partido Comunista circulou um memorando interno intitulado "Documento Nº 9", alertando sobre os riscos dos valores ocidentais e aconselhando seus quadros a serem vigilantes contra sete ideias em particular, conhecidas como as "sete ideias que não devem ser mencionadas".
A lista de ideias que não se devem ser mencionadas exibe uma desconfiança das influências externas que contrasta enormemente com a noção de uma China moderna desenvolvendo um prestígio de poder "soft" ao redor do mundo. Entre os assuntos proibidos estão: democracia constitucional ocidental, valores universais, sociedade civil, neoliberalismo, mídia ocidental, "negação histórica" e questionamento de slogans chineses, como "socialismo com características chinesas".
O Documento Nº 9 afirma que "forças ocidentais anti-China e 'dissidentes' domésticos também realizam incessantemente atividades de infiltração na esfera ideológica de nosso país, e desafiam nossa ideologia dominante", e que as "embaixadas, órgãos de imprensa e organizações não-governamentais ocidentais agem dentro de nossas fronteiras sob todos os tipos de nomes para disseminar os valores ocidentais, e promover as chamadas forças antigoverno".
O projeto de lei define as ONGs de forma ampla, para cobrir qualquer "organização social" não governamental, sem fins lucrativos, baseada fora da China continental, inclusive aquelas em Hong Kong, Macau e Taiwan. Talvez a lei possa ser usada apenas seletivamente contra as organizações vistas como ameaças críveis à segurança política, mas todas as organizações cobertas operariam sob a ameaça constante de serem fechadas ou penalizadas.
Até mesmo uma única palestra por um professor de Harvard, uma exposição de arte pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, um ato de caridade ou um programa de ajuda humanitária da Cruz Vermelha, uma competição atlética, uma apresentação de banda marcial colegial, ou mesmo uma bolsa de estudos oferecida a um estudante chinês, poderiam ser enquadradas na lei –-desde que o evento seja realizado dentro da China por uma organização sem fins lucrativos estrangeira ou em seu nome.
O próprio processo de registro é desajeitado, de modo que muitas organizações provavelmente desistirão de atividades na China ou se perderão no labirinto burocrático. Aquelas que tiverem sucesso em registrar um escritório local, ou em obter permissão para atividades temporárias, estarão sujeitas a revistas policiais em seus escritórios, computadores e registros financeiros.
Uma das partes mais assustadoras do projeto de lei, o Artigo 59, visa atividades fora das fronteiras da China. Qualquer uma das seguintes ações vagamente definidas, se atribuída não apenas a um representante dentro da China, mas também a uma organização estrangeira no exterior, seria uma violação: subversão do poder do Estado, debilitação da harmonia étnica, disseminação de rumores, ou "outras situações que coloquem em risco a segurança do Estado ou prejudique o interesse nacional ou o interesse público da sociedade".
Em outras palavras, se um grupo de estudantes em um campus americano protestar contra o tratamento dado pelo governo chinês aos tibetanos, a universidade poderia ser impedida de realizar atividades na China, e seus representantes na China poderiam ser detidos e processados.
Os estrangeiros ainda não sabem quão rígida ou ampla seria a fiscalização do cumprimento da lei, mas diz muito o fato de que a polícia será responsável por isso, não o Ministério dos Assuntos Civis, que regula as organizações domésticas. A mensagem é clara: aqueles que buscarem acesso à China devem estar atentos às posições do partido.
Pequim já retaliou contra governos que receberam o Dalai Lama ou que permitiram a concessão de prêmios a defensores de reforma política na China. Órgãos de notícias já foram bloqueados, comunicações eletrônicas já foram restringidas e vistos de entrada e trabalho já foram negados a jornalistas com base no conteúdo de suas reportagens. Agora a atenção está se voltando para as organizações sem fins lucrativos estrangeiras.
O papel de entidades estrangeiras no auxílio ao progresso econômico e social da China nos últimos 35 anos é inquestionável. Foi a política de reforma e abertura pós-Revolução Cultural, defendida por Deng Xiaoping, que abriu o caminho para as realizações da China por meio de maior integração econômica, social e cultural com o mundo.
Ainda há tempo para os líderes chineses revisarem o projeto de lei. O Congresso Nacional do Povo abriu a proposta a comentários públicos. Se o projeto de lei refletir os pontos de vista de apenas uma facção dentro do partido, como muitos acreditam, as respostas do público, incluindo estrangeiros, poderão ser influentes. As pessoas que desejam que a China continue em seu caminho de engajamento pacífico devem se apresentar e ser ouvidas. O período de comentários para o projeto de lei termina em 4 de junho.
Os autores do projeto de lei não entendem o quanto a China se beneficiou com sua abertura. Tudo o que veem são "agentes estrangeiros" sinistros instigando mudanças. Seria um erro para a China, e uma infelicidade para o restante do mundo, se sua liderança cedesse aos seus elementos mais radicais e dissesse ao mundo que, apesar do investimento estrangeiro ser bem-vindo na China, as ideias estrangeiras não são.
Trabalhadores e estudantes protestam por democracia direta em Hong Kong
26.dez.2014 - Manifestantes pró-democracia protestaram nesta sexta-feira (26) contra a prisão de 37 ativistas que lutam para conseguir maiores liberdades democráticas no centro de Hong Kong, na China Jerome Favre/ EFE
Tradutor: George El Khouri Andolfato 

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