terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Ameaça de corte de ajuda preocupa refugiados sírios de Nova Jersey
Stéphane Lauer - Le Monde
Carlo Allegri /Reuters
A família da refugiada síria Sandy Khabbazeh, que vive em Oakland (Nova Jersey), ficou para trásA família da refugiada síria Sandy Khabbazeh, que vive em Oakland (Nova Jersey), ficou para trás
Eles são somente algumas centenas, mas em poucas semanas todos os olhares americanos se voltaram para eles. Os 2.200 refugiados sírios que chegaram desde 2011 subitamente se tornaram um tema eleitoral em plena campanha presidencial. Os atentados de 13 de novembro em Paris haviam levado 31 governadores a recusarem a instalação de refugiados sírios em seus Estados, e o ataque terrorista de San Bernardino endureceu um pouco mais as posições.
Considerado até então como um moderado em relação às comunidades muçulmanas, o governador de Nova Jersey e aspirante à candidatura republicana, Chris Christie, operou uma nítida mudança de tom. Ele ameaçou cortar os auxílios dos serviços sociais se o FBI não puder garantir que os refugiados não são terroristas.
"Não confio nesse governo para controlar de forma eficaz as pessoas que deveriam vir aos Estados Unidos para assegurar a segurança dos americanos, então não darei a autorização para entrar", ele declarou.
Desde então, as entidades de caridade locais estão em polvorosa. "O governador deixou consideravelmente mais complexa a forma de acolher essas pessoas", disse indignado o reverendo Seth Kaper-Dale da Igreja Reformada de Highland Park, uma pequena comuna à beira do rio Raritan. Há cerca de 15 dias, ele assumiu a chefia de uma associação de auxílio aos refugiados, a Central New Jersey Interfaith Resettlement Coalition.
"Como provar que meu vizinho não é um terrorista, como evitar centenas de câmeras em meu bairro porque um governador republicano decidiu instrumentalizar politicamente a situação?"
Com mais de 160 mil muçulmanos dentre pouco menos de 9 milhões de habitantes, Nova Jersey é o Estado onde há o maior número deles, depois de Michigan. Mohamed Younes, presidente da União Muçulmana Americana, associação sediada em North Jersey, tem dificuldades em esconder sua decepção diante das recentes posições do governador.

"Agradar aos radicais"

"Aquele que ouço hoje não é ele", acredita. Prefeito de origem síria de Prospect Park, Mohamed Khairullah se diz "consternado e enojado" pelas declarações de Chris Christie, "especialmente quando ele disse que não permitiria que nem mesmo um órfão de 5 anos viesse aos Estados Unidos", disse ofendido à rádio NPR.
E ainda: "Em sua busca por agradar aos radicais de direita, ele colocou todos os sírios no mesmo saco do terrorismo."
É o que pensa também Shadi Martini, um refugiado sírio de 43 anos que chegou em 2013 aos Estados Unidos junto com sua mulher e seus dois filhos, de 7 e 15 anos.
"É uma decisão errada. Eu entendo os efeitos daquilo que aconteceu em Paris e em San Bernardino, mas esse tipo de decisão afeta as pessoas erradas. Os sírios não devem ser confundidos com o Estado Islâmico (EI). É preciso explicar quem nós realmente somos."
Ex-administrador hospitalar, Shadi Martini foi contratado há um ano pela associação Multifaith Alliance for Syrian Refugees, onde ele ajuda os recém-chegados.
"Tive muita sorte. Eu me perguntava como íamos sobreviver. Hoje, meus filhos estão adaptados, têm amigos e frequentam a escola. Eu faço um trabalho do qual eu gosto."
E ele não entende quando os políticos apontam falhas na segurança do sistema de acolhimento: "Os refugiados que chegam aos Estados Unidos são controlados por mais de dois anos, é muito seletivo, isso não tem nada a ver com o que acontece na Europa. Tudo isso é alimentado pela campanha eleitoral, não faz sentido nenhum".
O reverendo Seth Kaper-Dale diz ainda que "a maior parte dos sírios que chegam aos Estados Unidos deixaram o país antes que o EI assumisse essa dimensão. Eles primeiramente fugiram do regime de Assad, para em seguida irem aos campos na Turquia ou na Jordânia."

"Acolher 100 mil refugiados"

Hussam al-Roustam, que chegou no dia 16 de junho ao aeroporto de Newark, passou dois anos em dois acampamentos na Jordânia depois de ter fugido dos bombardeios sobre Homs, no início de 2012.
Junto com seus dois filhos de 3 e 1 ano, ele fugiu do inferno sírio antes de chegar a "um acampamento sem eletricidade, sem água corrente e com 300 pessoas para um banheiro".
Em seguida ele foi interrogado durante meses pelo FBI, pelo Departamento de Estado e pelos serviços de imigração para verificar seus antecedentes e detectar eventuais ligações com o jihadismo.
"O processo de entrada nos Estados Unidos é incrivelmente complicado, é o que explica o fato de que tenhamos acolhido tão poucas pessoas desde que estourou a guerra na Síria", explica Seth Kaper-Dale. "Não tenho nenhuma preocupação em relação à segurança do dispositivo."
Sua associação tem pressionado para acolher mais refugiados, sendo que mais de 80 deles desembarcaram em Nova Jersey desde o início do ano. A administração Obama estabeleceu uma meta de 10 mil em 2016, mas para o reverendo "é possível acolher 100 mil deles. Cada comunidade de Nova Jersey deve fazer sua parte", diz.
E esses refugiados ainda precisam tentar recomeçar a vida. "Nova Jersey é um Estado onde o custo de vida é muito alto. É por isso que precisamos estar ainda mais preparados para acolhê-los, uma vez que eles não têm condições de viver aqui", ressalta Seth Kaper-Dale.
Os auxílios federais chegam a US$ 925 (cerca de R$ 4 mil) por refugiado, mas cada um deve pagar sua passagem de avião em parcelas para as autoridades. Associações como a Refugee Resettlement Coalition ou a Church World Service em seguida assumem.
"O escritório de acolhimento de refugiados cobre os dois primeiros meses de aluguel", conta o reverendo. "Mas o mais urgente é encontrar um trabalho e fazer aulas de inglês."
Como lembra o prefeito Mohamed Khairullah: "Milhares de sírios contribuem positivamente para a comunidade de Nova Jersey. Há policiais que são sírios, médicos, professores. Eles contribuem para o Estado."
É o caso de Hussam al-Roustam, que agora trabalha à noite em uma padaria.
"Ainda que o sentimento antimuçulmano cresça", diz Shadi Martini, "ao mesmo tempo vemos muita gente nos apoiando. Em todas as religiões há frutas podres. Nosso dever é mostrar quem somos de verdade."

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