João Pereira Coutinho - FSP
As crianças estão sensíveis. Todos sabemos disso. As semanas passam e as
notícias repetem-se: algures, numa universidade qualquer, um pequeno
grupo de selvagens impediu um debate, uma palestra, uma mera conversa
porque o tema é "sensível" e pode incomodar os estudantes.
As nossas universidades não são universidades –centros de aprendizagem, ou seja, de alguma violência intelectual para abrir cabeças usualmente fechadas. São estufas de sensibilidade e ressentimento. Como explicar isso?
Jonathan Haidt, professor da Universidade de Nova York, concedeu uma entrevista ao "The Wall Street Journal" que deveria ser distribuída por aí. Confrontado com o "iliberalismo dos campus", o professor Haidt defende os estudantes. A maioria é pacífica, diz ele. A maioria quer aprender. A maioria não tem problemas com ideias heterodoxas.
O problema, acrescenta, é a minoria: uma minoria intolerante e agressiva que –atenção, atenção– se comporta como as antigas seitas religiosas.
Para esses crentes, as universidades devem ser "espaços sagrados" onde
as "vítimas", ou as supostas "vítimas" (negros, gays, mulheres etc.),
são deuses reverenciais. Quando alguém ameaça alterar a ordem divina,
chovem críticas, ameaças, vidros quebrados. E coquetéis Molotov. Como se
chegou até aqui?
Jonathan Haidt tem razão quando fala do gradual desaparecimento de vozes conservadoras na academia, um eufemismo para designar a falta de pluralismo no ensino das humanidades. E tem muitíssima razão quando afirma que a esquerda radical é onipresente, defendendo um conceito de "igualdade" que é uma paródia do conceito original.
"Igualdade", hoje, não significa "igualdade de oportunidades" mas "igualdade de resultados". Se esses resultados não aparecem, a culpa é de um "racismo sistêmico" (ou, melhor ainda, de um "preconceito inconsciente") que deve ser combatido por palavras, atos –e silêncios.
"Preconceito inconsciente": qual a diferença entre essa aberração e as possessões demoníacas que eram curadas pela força das chamas? Não responda. A pergunta é retórica.
Uma pergunta, porém, que não é retórica é tentar saber como foi que a esquerda radical se tornou tão "religiosa", no sentido bastardo da palavra.
Jonathan Haidt não responde. Com a devida vênia, respondo eu: porque os extremismos políticos sempre foram religiosos. O escritor francês Raymond Aron, em livro que a Três Estrelas já publicou ("O Ópio dos Intelectuais"), dedicou ao tema algumas linhas sublimes.
Defendia Aron que os fenômenos totalitários do século 20, em especial o comunismo e o nazismo, eram "religiões seculares". Elas nasceram com o declínio e a destruição da fé tradicional, procurando mimetizar alguns dos seus traços fundamentais.
Ambas são ideologias que prometem um "reino de salvação" –seja o reino do proletariado ou o reino da raça ariana. E ambas congregam os "fiéis" para espectáculos públicos de adoração carismática.
Todos sabemos como as "religiões seculares" terminaram: não com a salvação terrena, mas com cadáveres terrenos. O nazismo consumiu-se nas chamas de 1945. O comunismo sobreviveu a 1945 e só foi esmagado pelo Muro em 1989. Cuba ou a Coreia do Norte são apenas piadas de mau gosto.
Só que os homens, "animais religiosos" por definição, não aguentam o vazio espiritual que vem com a queda das utopias. E não é por acaso que o chamado "pensamento politicamente correto", na sua versão atual, se tenha espalhado pela "intelligentsia" acadêmica ou midiática nos últimos 25 anos.
Os órfãos de Moscou não sobrevivem sem uma fé. E uma fé não sobrevive sem santos e pecadores. Os santos são as minorias várias que ocupam hoje o lugar do antigo proletariado. Os pecadores são todos aqueles que sofrem de "preconceito inconsciente", uma nova versão da "falsa consciência" que Marx e Lênin deixaram aos seus herdeiros.
Muitas universidades, sobretudo no mundo anglo-saxônico (as restantes são apenas cópias do produto original), tornaram-se o último bastião dos derrotados. Incapazes de implantar "cá fora" os seus projetos de dominação social e econômica, resta aos intelectuais viciados no ópio das ideologias manipular o que se passa "lá dentro": jovens com cabeças simplórias que são apenas marionetes de uma história que os transcende.
As nossas universidades não são universidades –centros de aprendizagem, ou seja, de alguma violência intelectual para abrir cabeças usualmente fechadas. São estufas de sensibilidade e ressentimento. Como explicar isso?
Jonathan Haidt, professor da Universidade de Nova York, concedeu uma entrevista ao "The Wall Street Journal" que deveria ser distribuída por aí. Confrontado com o "iliberalismo dos campus", o professor Haidt defende os estudantes. A maioria é pacífica, diz ele. A maioria quer aprender. A maioria não tem problemas com ideias heterodoxas.
O problema, acrescenta, é a minoria: uma minoria intolerante e agressiva que –atenção, atenção– se comporta como as antigas seitas religiosas.
Angelo Abu/Folhapress | ||
Jonathan Haidt tem razão quando fala do gradual desaparecimento de vozes conservadoras na academia, um eufemismo para designar a falta de pluralismo no ensino das humanidades. E tem muitíssima razão quando afirma que a esquerda radical é onipresente, defendendo um conceito de "igualdade" que é uma paródia do conceito original.
"Igualdade", hoje, não significa "igualdade de oportunidades" mas "igualdade de resultados". Se esses resultados não aparecem, a culpa é de um "racismo sistêmico" (ou, melhor ainda, de um "preconceito inconsciente") que deve ser combatido por palavras, atos –e silêncios.
"Preconceito inconsciente": qual a diferença entre essa aberração e as possessões demoníacas que eram curadas pela força das chamas? Não responda. A pergunta é retórica.
Uma pergunta, porém, que não é retórica é tentar saber como foi que a esquerda radical se tornou tão "religiosa", no sentido bastardo da palavra.
Jonathan Haidt não responde. Com a devida vênia, respondo eu: porque os extremismos políticos sempre foram religiosos. O escritor francês Raymond Aron, em livro que a Três Estrelas já publicou ("O Ópio dos Intelectuais"), dedicou ao tema algumas linhas sublimes.
Defendia Aron que os fenômenos totalitários do século 20, em especial o comunismo e o nazismo, eram "religiões seculares". Elas nasceram com o declínio e a destruição da fé tradicional, procurando mimetizar alguns dos seus traços fundamentais.
Ambas são ideologias que prometem um "reino de salvação" –seja o reino do proletariado ou o reino da raça ariana. E ambas congregam os "fiéis" para espectáculos públicos de adoração carismática.
Todos sabemos como as "religiões seculares" terminaram: não com a salvação terrena, mas com cadáveres terrenos. O nazismo consumiu-se nas chamas de 1945. O comunismo sobreviveu a 1945 e só foi esmagado pelo Muro em 1989. Cuba ou a Coreia do Norte são apenas piadas de mau gosto.
Só que os homens, "animais religiosos" por definição, não aguentam o vazio espiritual que vem com a queda das utopias. E não é por acaso que o chamado "pensamento politicamente correto", na sua versão atual, se tenha espalhado pela "intelligentsia" acadêmica ou midiática nos últimos 25 anos.
Os órfãos de Moscou não sobrevivem sem uma fé. E uma fé não sobrevive sem santos e pecadores. Os santos são as minorias várias que ocupam hoje o lugar do antigo proletariado. Os pecadores são todos aqueles que sofrem de "preconceito inconsciente", uma nova versão da "falsa consciência" que Marx e Lênin deixaram aos seus herdeiros.
Muitas universidades, sobretudo no mundo anglo-saxônico (as restantes são apenas cópias do produto original), tornaram-se o último bastião dos derrotados. Incapazes de implantar "cá fora" os seus projetos de dominação social e econômica, resta aos intelectuais viciados no ópio das ideologias manipular o que se passa "lá dentro": jovens com cabeças simplórias que são apenas marionetes de uma história que os transcende.
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