Doria contribui para o debate político com um discurso que inova por se aliar à ação
O prefeito de São Paulo (SP), João Doria,
cumprimenta público durante a primeira noite do desfile das escolas de
samba no Sambódromo do Anhembi - 24/02/2017 (Heitor Feitosa/VEJA.com)
Às vésperas das esvaziadas manifestações do dia 26, o procurador Deltan Dallagnol, do Ministério Público Federal, disse que a sociedade não poderia se acomodar; desculpe, não é que a sociedade tenha se acomodado, mas os brasileiros de bem temos sido expostos a revelações bombásticas diárias, até dos mesmos fatos, há mais de dois anos, com anúncios sucessivos do fim do mundo, que criam uma expectativa de resolução sempre adiada e tal frustração nos deixa, bem, frustrados. Por pequenas ou grandes razões, mas repetidas e cansativas numa superestimulação que já mais anestesia do que revolta.
O juiz Marcelo Bretas, conhecido pelo rigor, liberou Adriana Ancelmo para prisão domiciliar, mas sem telefone fixo, internet e celular. Está pensando o quê? Quem manda ser ladrona e afundar um estado inteiro? E se reclamar, ficará também sem sobremesa. Bretas seguiu a lei, mas soam escarnecedoras as restrições, pois sabemos que elas não alcançam mulheres não usuárias de Van Cleef & Arpels (acho Harry Winston menos novo-rico) e não vigoram nem nas cadeias, que dirá no domicílio da Lurdinha. Detalhes como esses, na percepção dos brasileiros comuns que não somos analistas e/ou jornalistas, contribuem para esse fastio reforçado por grandes incógnitas como o fato de Renan Calheiros, o fiel comparsa dos petistas ignorado por Rodrigo Janot na caça a Eduardo Cunha, continuar livre para reinar do alto de seus 11 (perdi a conta?) inquéritos.
Ainda, a Lava Jato condenou bandidos poderosos, mas o chefe deles continua chafurdando na liberdade e contando com a sobrevida política que o clima de ninguém-presta dá àquele que jaz numa cova moral da qual jamais se levantaria se o Ministério Público não fizesse política como Lula excretou num ataque a Dallagnol: “O que aquele moleque conhece de política?”. Dallagnol não é moleque, e sim um procurador com currículo brilhante, mas o MPF fez política quando se prostrou no Congresso forçando a aprovação daquelas dispensáveis 10 medidas e quando anunciou a convicção de que Lula é o chefe do petrolão sem anunciar a prisão dele. Sempre que o MPF leva a coisa para a arena política, o comandante máximo da organização criminosa sorri. A bandidagem será pega pelo Código Penal, não pela ação política do MPF que não deveria ser político. Aliás, de quantas das 10 medidas a instituição precisou para as conquistas fabulosas da Lava Jato além de nenhuma? Nenhuma, bastaram as leis existentes.
Sob o signo do ninguém-presta-na-política, a celeridade do cotidiano talvez explique cogitar João Doria para presidente no, apesar de tudo, longínquo 2018. Claro que ele tem qualidades, não só na gestão em si da complexa São Paulo, mas também na postura antipetista: sem medo de sujar o suéter, mas poupando o ex-prefeito, o tucano bate em Lula como gente grande e em todo o nefasto legado petista com a linguagem e o timing certeiros, num sinal positivo de que já não se fazem mais tucanos como antigamente.
Ando “facinha” e qualquer candidato que venha com a conversa de Estado menor (o que sempre reduz as oportunidades de corrupção) + eficiente (mera obrigação) = país modernizado, leva meu voto para presidente e tenho, sim, simpatia por Doria, com algumas reservas; também me agradam Ronaldo Caiado e a senadora do PP-RS (o PP!) Ana Amélia. O deputado e a senadora têm maior bagagem, enquanto Dória ainda precisa mostrar mais serviço. De todo modo, parece que sem que o prefeito ou o PSDB planejassem, João Doria realiza o sonho sonhado pelo PT com o imprestável Fernando Haddad: abrir caminho para o Palácio do Planalto. Haddad era, no mínimo, o investimento (em mais de um sentido) do PT para o Palácio dos Bandeirantes, inatingível na história do partido no estado de São Paulo.
É prematura a empolgação em torno do nome de Doria, embora compreensível, e tomara que se sustente, mas ele já contribuiu para o debate com um discurso que inova por se aliar à ação. É da falta de governantes assim que o país que presta se ressente; Temer que aproxima suas ações do discurso segundo o qual valer-se-ia justamente da impopularidade, mas com o contrastante apoio do Congresso, para fazer as reformas de que o Brasil precisa dramaticamente, tem, ao contrário de Doria, a popularidade esmagada.
O que me parece injusto porque a base disso são os frutos maduros do primitivismo da gestão petista que ainda tem algumas safras futuro a dentro, enquanto ainda são menos do que broto as ações saneadoras da gestão Temer. Mas não tem jeito, isso é percepção, também construída pela escolha do atual governo em se calar quanto ao desastre que encontrou ao assumir.
Contudo, Temer é livre para ser impopular já que não é candidato a nada, em vez disso, deve à nação trabalhar pelas reformas. Fui às ruas a favor do impeachment porque estávamos submetidos a um gangsterismo de Estado, a um golpe permanente descrito nos depoimentos dos comparsas do PT e a nação que presta gostaria de ver na cadeia o criador e a criatura que o sustentaram, mas a LJ, que ajuda a nos livramos de delinquentes que fazem da política um abrigo para gozar a vida e atrasar a nossa, não resolve tudo: sem as reformas, o país não alcançará o novo que tanto anseia, não se livrará dessa vida emprestada. Ora, a reforma da previdência é a alternativa à quebra do sistema; a política, com voto distrital e financiamento privado de campanha, pode abrandar a crise de representatividade e trazer racionalidade ao sistema eleitoral; a reforma trabalhista iniciada com a lei da terceirização é a defesa do direito mais precioso – o de trabalhar.
As reformas são o único caminho para deixarmos de levar essa vida emprestada de manuais caducos que combinam getulismo caquético, esquerdismos de espertalhões maricas com a vida ganha, privilégios atrasados do estúpido capitalismo Estado-dependente, antiliberalismo rombudo, coitadismo-passivo-agressivo e salvacionismo pueril, tudo nos atando entre o passado e a repetição dele fantasiada de presente.
Nossa carência de futuro prefere antecipar candidatos para 2018 a olhar no olho do que temos hoje para o rascunho do que virá: um país tão maltratado que encomenda o futuro a um prefeito que governa há apenas 90 dias.
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