A responsabilidade dos que ficam
Nós nos tornamos uma nação de credores que
vive de reclamar direitos sem assumir os nossos deveres; que vive de
cobrar do outro o que nos recusamos a fazer
Bruno Garschagen - O Globo
A fuga de brasileiros para outros países não é novidade. Volta e meia
lemos algo a respeito. Dessa vez foi a “Folha de S. Paulo” a noticiar
que “uma leva de classe média alta e ricos, nos últimos três anos,
encontraram” em Portugal “um Eldorado para fugir da insegurança, do
desencanto com a política e da crise econômica no Brasil”. Entendo as
razões. E não é só rico que foge. Os pobres também fogem para viver num
lugar onde possam trabalhar e prosperar sem correr o risco de morrer ao
sair ou voltar para casa.
O que me deixa incomodado com a fuga, sim, a fuga dos brasileiros
ricos, é que não parecem minimamente preocupados com o presente do
Brasil. Negam a responsabilidade que cada um de nós temos de agir para
melhorar. Quem tem dinheiro acha que ao produzir riqueza, pagar tributos
ou doar para instituições de caridade (quando o fazem), já deu a sua
contribuição. Colaboração esta que uma parte deles neutraliza ao
financiar ideias equivocadas e políticos que ajudam a piorar o país — ou
quando participa de atos criminosos.
Quem financia ou endossa campanha de políticos ou partidos como os
citados na Lava-Jato é cúmplice de bandido. Quem dá dinheiro para
político que defende ideias equivocadas, ideias que arruínam o Brasil
culturalmente, economicamente e politicamente, é igualmente comparsa. E
quem se omite de financiar pessoas e instituições que defendem uma
agenda cultural, política e econômica virtuosa é corresponsável pela
degradação em curso.
Somente os ricos têm esse compromisso? Não. Mas são os que têm meios
para colaborar de forma mais efetiva e de inspirar outras pessoas a
fazê-lo. Sua omissão é duplamente prejudicial porque é compartilhada
pelos que ficam, independente da classe social à qual pertencem.
Há três elementos que devem orientar a vida de cada um de nós que
aqui vivemos e queremos que o país seja fonte de orgulho, não de
lamento. O primeiro é o sentido de dever em relação ao outro e ao que
acontece à nossa volta, o que inclui ajudar os virtuosos, valorizar a
verdade e combater a mentira. O segundo é o senso de responsabilidade em
relação ao país para agir ou reagir com o propósito de melhorar,
reforçando o sentido de dever. O terceiro é o vínculo com a nação e com a
pátria fundamentado nos altos padrões de referências contidos nos
exemplos e nas ideias dos grandes homens que o Brasil já teve,
nomeadamente durante o Império Brasileiro.
Desgraçadamente, os elementos que forjam uma nação virtuosa não fazem
mais parte da nossa imaginação moral nem do nosso senso comum. Nos
tornamos uma nação de credores que vive de reclamar direitos sem assumir
os nossos deveres; que vive de cobrar do outro o que nos recusamos a
fazer.
Quando brasileiros ricos fogem do país, por mais compreensíveis que
sejam as suas razões, o ato não mostra apenas que desistiram da terra
natal, mas que não possuem o sentido de dever, o senso de
responsabilidade e o vínculo com a nação e com a pátria. Eles não estão
fugindo apenas da violência, da crise econômica, da instabilidade
política; fogem, antes de tudo, da responsabilidade que não querem
assumir.
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