terça-feira, 2 de maio de 2017

A responsabilidade dos que ficam
Nós nos tornamos uma nação de credores que vive de reclamar direitos sem assumir os nossos deveres; que vive de cobrar do outro o que nos recusamos a fazer
 
A fuga de brasileiros para outros países não é novidade. Volta e meia lemos algo a respeito. Dessa vez foi a “Folha de S. Paulo” a noticiar que “uma leva de classe média alta e ricos, nos últimos três anos, encontraram” em Portugal “um Eldorado para fugir da insegurança, do desencanto com a política e da crise econômica no Brasil”. Entendo as razões. E não é só rico que foge. Os pobres também fogem para viver num lugar onde possam trabalhar e prosperar sem correr o risco de morrer ao sair ou voltar para casa.
O que me deixa incomodado com a fuga, sim, a fuga dos brasileiros ricos, é que não parecem minimamente preocupados com o presente do Brasil. Negam a responsabilidade que cada um de nós temos de agir para melhorar. Quem tem dinheiro acha que ao produzir riqueza, pagar tributos ou doar para instituições de caridade (quando o fazem), já deu a sua contribuição. Colaboração esta que uma parte deles neutraliza ao financiar ideias equivocadas e políticos que ajudam a piorar o país — ou quando participa de atos criminosos.
Quem financia ou endossa campanha de políticos ou partidos como os citados na Lava-Jato é cúmplice de bandido. Quem dá dinheiro para político que defende ideias equivocadas, ideias que arruínam o Brasil culturalmente, economicamente e politicamente, é igualmente comparsa. E quem se omite de financiar pessoas e instituições que defendem uma agenda cultural, política e econômica virtuosa é corresponsável pela degradação em curso.
Somente os ricos têm esse compromisso? Não. Mas são os que têm meios para colaborar de forma mais efetiva e de inspirar outras pessoas a fazê-lo. Sua omissão é duplamente prejudicial porque é compartilhada pelos que ficam, independente da classe social à qual pertencem.
Há três elementos que devem orientar a vida de cada um de nós que aqui vivemos e queremos que o país seja fonte de orgulho, não de lamento. O primeiro é o sentido de dever em relação ao outro e ao que acontece à nossa volta, o que inclui ajudar os virtuosos, valorizar a verdade e combater a mentira. O segundo é o senso de responsabilidade em relação ao país para agir ou reagir com o propósito de melhorar, reforçando o sentido de dever. O terceiro é o vínculo com a nação e com a pátria fundamentado nos altos padrões de referências contidos nos exemplos e nas ideias dos grandes homens que o Brasil já teve, nomeadamente durante o Império Brasileiro.
Desgraçadamente, os elementos que forjam uma nação virtuosa não fazem mais parte da nossa imaginação moral nem do nosso senso comum. Nos tornamos uma nação de credores que vive de reclamar direitos sem assumir os nossos deveres; que vive de cobrar do outro o que nos recusamos a fazer.
Quando brasileiros ricos fogem do país, por mais compreensíveis que sejam as suas razões, o ato não mostra apenas que desistiram da terra natal, mas que não possuem o sentido de dever, o senso de responsabilidade e o vínculo com a nação e com a pátria. Eles não estão fugindo apenas da violência, da crise econômica, da instabilidade política; fogem, antes de tudo, da responsabilidade que não querem assumir.

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