Corrupção e política contaminam carne brasileira
Já está na hora de o país ter um sistema de
inspeção sanitária adequado às rigorosas exigências dos compradores e
livres de interferências partidárias
O Globo
A decisão dos Estados Unidos de suspenderem temporariamente as
importações de carne fresca do Brasil, anunciada no dia 22, é mais um
alerta para o governo brasileiro sobre os estragos que um sistema falho
de inspeção, aliado à corrupção e ao loteamento político, podem fazer às
exportações. Autoridades dos EUA determinaram o embargo alegando
“preocupações recorrentes sobre a segurança dos produtos destinados ao
mercado americano”. De janeiro a maio, o Brasil exportou US$ 49 milhões
em carne bovina fresca para os EUA, um de nossos dez principais
compradores.
A notícia por si só é indigesta, mas o que mais preocupa neste
momento é o chamado efeito cascata. O próprio ministro da Agricultura,
Blairo Maggi, admitiu que a decisão dos EUA pode ser seguida por outros
países se o Brasil demorar a reverter o bloqueio. “Os Estados Unidos são
guias para muitos países”.
Na verdade, a imagem da carne brasileira já tinha sido abalada pela
Operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março,
que detectou um esquema criminoso em que frigoríficos pagavam propinas a
fiscais do Ministério da Agricultura para liberar produtos à margem da
lei. Com base nas investigações, em fins de abril o juiz Marcos Josegrei
da Silva, da 14ª Vara Federal de Curitiba, aceitou denúncia contra 59
pessoas, acusadas pelo MPF por crimes como adulteração de produtos
alimentícios e emprego de substâncias não permitidas, corrupção ativa,
corrupção passiva, prevaricação e organização criminosa.
Para o mercado externo, a espalhafatosa operação, apresentada como a
maior já feita pela PF, caiu como uma bomba. Não demorou para que pelo
menos dez países suspendessem as importações. Alarmado com o iminente
prejuízo, o governo correu para dizer que o foco não era o Sistema de
Inspeção Federal (SIF), mas um esquema de corrupção envolvendo fiscais e
frigoríficos. De fato. Mas, quando uma empresa corrompe um funcionário
do Ministério da Agricultura para liberar um produto clandestinamente,
seja qual for o motivo, é sinal de que a qualidade da carne já foi para o
brejo. E os compradores sabem disso.
Mas a corrupção é só um dos ingredientes que contaminam a carne
brasileira. Outro é a ingerência política num setor que deveria ser
essencialmente técnico. Hoje, cerca de 70 por cento dos superintendentes
federais nos estados são escolhidos por indicação política. Numa das
delações de Joesley Batista, dono do Grupo JBS, à Operação Lava-Jato,
ele relata um encontro com Eduardo Cunha, no Ministério da Agricultura,
para conversas nada republicanas, e afirma que o ministério é todo
loteado: “Cada postozinho é um deputado, um senador que indicou”.
Já está na hora de o país ter um sistema de inspeção sanitária
adequado às rigorosas exigências dos compradores e livre de
interferências políticas. O Brasil levou anos para conquistar mercados
num setor em que a concorrência é fortíssima. Não pode perdê-los a cada
estouro da boiada.
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