Cotas subjetivas
FSP
Numa prática que infelizmente avança no país, a Prefeitura de São Paulo está criando comitês
para certificar-se de que os aprovados em concursos públicos
declarando-se pretos ou pardos, para beneficiar-se de cotas raciais, não
estejam cometendo "fraude".
As aspas são necessárias, posto que o único critério inscrito em lei
para diferenciar populações negras, pardas e brancas é a autodeclaração,
como estabelece o Estatuto da Igualdade Racial.
Ora, se é legalmente negro/pardo o indivíduo que diz sê-lo, resulta
impossível, por simples lógica, falar em qualquer tipo de logro.
A inexistência de critérios objetivos para definir quem pode pleitear as
cotas torna espinhosa a incumbência de tais comitês, dando margem a
questionamentos sobre a legitimidade de suas decisões.
Nenhuma lei elenca pré-requisitos para estabelecer que alguém é branco,
pardo ou negro, pela simples razão de que não há base científica para
tanto.
A ausência de parâmetros obriga os colegiados que avaliam os candidatos a
deliberar com base em pareceres impressionistas —subjetivos, portanto.
Ficou célebre o caso dos gêmeos que se inscreveram numa universidade
pelo sistema de cotas, sendo um aceito como pardo, e o outro, não.
Embora o Supremo Tribunal Federal não tenha considerado a classificação
por bancas inconstitucional, é difícil conciliar a falta de critérios
objetivos de catalogação com o imperativo de que as autoridades atuem
sempre de forma impessoal e busquem sustentação racional para suas
decisões.
A frouxidão nos mecanismos de classificação racial não é algo a ser solucionado em breve pela hermenêutica nem pela ciência.
É perfeitamente possível, de todo modo, perseguir os objetivos de ação afirmativa sem cair nas armadilhas da categorização.
Para tanto, basta abandonar o fenótipo como pedra de toque das cotas e
substituí-lo pela renda, fácil e objetivamente mensurável.
Dado que o sintoma mais visível do racismo é a segregação econômica, a
população negra ou parda a ser beneficiada estaria coberta pelas cotas
sociais. A maior diferença reside no fato de que os pobres que calhem de
ser brancos também fariam jus ao benefício —o que, convenha-se, não
chega a configurar um empecilho.
Até pelo contrário. Será tarefa árdua produzir algum bom argumento moral
que sustente que pobres que não sejam negros ou pardos devam ser
excluídos de ações de promoção social financiadas pelo poder público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário