Temer viajou para o exterior e quando voltou a crise estava pior
José Nêumanne - Blog do Augusto Nunes
Russian President Vladimir Putin
speaks with Brazilian President Michel Temer, left, as they attend a
concert of winners of the XIII International Ballet Competition in the
Bolshoi Theater in Moscow, Russia, Tuesday, June 20, 2017. (Alexei
Druzhinin/AP)
Antes de o presidente Michel Temer viajar na semana passada
para Moscou e Oslo, muita gente se lembrou de uma frase famosa do então
senador Fernando Henrique Cardoso a respeito do à época presidente José
Sarney. Sempre que este viajava para o exterior, do posto sem
compromisso, que ocupou por quatro anos, enquanto o eleito, Franco
Montoro, governava o maior Estado da Federação, aquele que foi espírito
santo de orelha de Ulysses Guimarães, multipresidente da Câmara, da
Constituinte, do maior partido da República e de praticamente tudo o
mais, menos da República, se divertia com os périplos do soit-disant
chefe do Executivo. “A crise viajou”. A frase foi lembrada quando Dilma
Rousseff foi à Índia passear sua insignificância de carta quase fora do
baralho. Praticamente de férias a flanar na Ásia, como Nilton César em
seu sucesso instantâneo.
A aposta que a defesa de Temer fazia na adulteração da gravação não tinha possibilidade de alterar coisa nenhuma. Afinal, ninguém que tenha ouvido a gravação, perito ou não, seria inapto a entender que essa eventual adulteração em nadica de nada poderia interferir na falta de justificativa para a conversa na calada da noite, no porão do Palácio do Jaburu, entre o chefe do governo e um bandido notório, como todo mundo já sabia e quem não sabia ficou sabendo por reiteradas informações de Temer, de seus defensores e aliados. Em segundo lugar, porque o estilo espalhafatoso de Ricardo Molina, o perito escolhido pela defesa para garantir, essa invalidade, pôs por terra alguma possibilidade de alguém ter dúvida a respeito.
De qualquer maneira, a divulgação da perícia oficial da polícia pioraria a situação do presidente, estivesse ele em Tietê, Taguatinga ou na Sibéria. Essa seria a única má notícia da qual ele foi poupado antes e depois de seus encontros na plateia do Teatro Bolshoi ou diante dos espelhos do salão do Kremlin quando foi ciceroneado por um dos homens mais poderosos do mundo, o líder russo (que o Itamaraty ainda considera soviético, a levar a sério a nota sobre a visita de nosso comandante-chefe).Temer ficou deliciado com as gentilezas que lhe foram dispensadas pelo líder de uma das maiores potências mundiais. Vladimir Putin, aquele eslavo de cuja amizade o maior líder ocidental, Donald Trump, presidente dos EUA, tanto se orgulha, cedeu a própria poltrona no teatro e lhe fez mesuras inesperadas. Na verdade, em seus relatos entusiásticos sobre a passagem em Moscou, Sua Excelência omitiu alguns dados menos lisonjeiros, que a imprensa registrou. Dos empresários que foram ouvi-lo, só foi notada a presença de um CEO. De fato, comanda uma empresa com negócios no Brasil. Nenhum repórter encontrou um único acordo relevante assinado entre a potência russa e o Brasil em crise agônica. O presidente foi recebido e acompanhado por funcionários de segundo escalão dos serviços diplomáticos russo e norueguês.
Nada houve em Moscou, contudo, que pudesse comparar-se em vexame ao que ocorreria na segunda metade da visita à Noruega. Temer deu uma entrevista coletiva em Oslo, à qual um iniciante, de 23 anos, pautado para perguntar sobre algo que não se dignou a responder – a crise política e os escândalos de corrupção no Brasil –, foi o único repórter norueguês a comparecer. Enquanto isso, em Brasília, o contador Lúcio Bolonha Funaro trouxe vários fatos novos que em nada podiam melhorar seu humor no exterior. Um deles dava conta do testemunho do pagamento de uma propina de R$ 20 milhões ao presidente em pessoa em troca de interferência na gestão do Fundo de Investimentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FI-FGTS). E de mais R$ 20 milhões que ele teria encaminhado para um lugar-tenente do qual o chefe teve de se livrar para evitar mais constrangimentos com a autoridade policial: o baiano que protagonizou uma tentativa de interferência no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan -, que, mesmo malsucedida, terminou com a rumorosa demissão de um diplomata em começo de carreira que ele mesmo havia nomeado, com grande pompa e circunstâncias ministro da Cultura e, portanto, chefe da instituição. O baiano Geddel Vieira Lima e o diplomata Marcelo Caleiro frequentam com tal assiduidade os pensamentos de Sua Excelência que foram citados na conversa do Jaburu com o bamba do abate, Joesley Batista.
Mas o governo norueguês não poupou o ilustre visitante de constrangimentos de outra natureza. No dia em que foi noticiado que o país visitado cortara metade (R$ 196 milhões) da verba de ajuda no combate ao desmatamento da Amazônia, Erna Solberg, premiê no governo da monarquia parlamentarista da Noruega, referiu-se expressamente ao interesse específico que ela e seus compatriotas têm em relação à Operação Lava Jato, que tem povoado os pesadelos presidenciais nos últimos dias. Vexame ainda maior foi saber que José Sarney Filho, o Zequinha, rebento menos dotado intelectualmente do ex-presidente homônimo, negou o corte da verba noticiado pelos meios de comunicação. E Antônio Imbassahy, tucano baiano que ocupou o lugar vago pelo anspeçada e estafeta Geddel na poderosa Secretaria de Governo do alto comando federal, negou qualquer referência que a anfitriã (de verdade, pois o rei Harald V é mera figura decorativa e sem o charme da mais famosa ocupante desse tipo de honraria no mundo, Elizabeth II, da Grã-Bretanha) não tinha pronunciado nenhuma vez as palavras operação, lava e jato. Claro que não o fez. Afinal, a moça falou em norueguês, não em português. Ora, ora!
De volta ao Brasil, depois da aventura única de trazer de uma viagem de uma semana ao exterior um corte de verbas, em vez de novos contratos lucrativos, Temer teve de encarar a realidade de lembrar, durante a agonia lenta, mas, ao que tudo indica, inexorável de seu governo, os Bourbons espanhóis, da mesma casa real a que pertenciam outros chefes de Estado brasileiros. Após a restauração da dinastia Bourbon no trono da Espanha, com a derrota final de Napoleão Bonaparte em Waterloo e a realização do Congresso de Viena, o ministro das Relações Exteriores da França à época, Talleyrand, fez o seguinte comentário a respeito dos parentes espanhóis dos imperadores brasileiros depostos pelas tropas do Marechal Deodoro: “Não aprenderam nada, não esqueceram nada”. Constrangedor para ele e, enquanto ele resistir na nossa Presidência, também para nós.
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