Sucessão de Janot transcende Temer
O Ministério Público Federal não é o TSE, e
tampouco o perfil da procuradora indicada, Raquel Dodge, atende a
interesses contrários ao combate à corrupção
O Globo
Com o aguçamento da crise política, na esteira da decisão do presidente
Michel Temer de lutar para se manter no cargo a qualquer preço, o
maniqueísmo tende a contaminar a atmosfera e a estimular visões
conspiratórias.
Opositora do estilo de Rodrigo Janot na condução da
Procuradoria-Geral da República, PGR, Raquel Dodge, sua substituta
indicada pelo presidente, não pode, porém, ser vista como obstáculo ao
combate à corrupção, mais especificamente à Lava-Jato.
Isso, mesmo que todos os movimentos do Planalto estejam sendo
defensivos e de tentativas de interferir onde for, em defesa do
presidente, já denunciado pela própria PGR ao Supremo, que remeteu a
acusação, como estabelece o rito legal, à Câmara dos Deputados.
O Palácio agiu desta forma em duas indicações para preencher vagas de
ministro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com Admar Gonzaga e
Tarcisio Vieira, decisivos para a chapa Dilma-Temer não ser punida com
cassação, pela recepção de dinheiro sujo na campanha de 2014. Assim,
Temer pôde ficar no cargo. Agora, trata-se da guerra deflagrada a partir
desta primeira denúncia da PGR. Esperam-se mais duas.
O Ministério Público Federal não é o TSE. O próprio processo de
escolha da procuradora para substituir Janot concede uma legitimidade à
opção de Temer diferente daquelas indicações para o tribunal.
Nos governos petistas, o Planalto sempre escolheu o primeiro da
lista tríplice do MP, saída de eleição entre os procuradores. Raquel
Dodge foi a segunda colocada, mas nada obriga o presidente da República a
seguir a ordem da votação.
Também era evidente que Temer não optaria pelo mais votado, Nicolao
Dino (621 votos, contra 587 de Raquel), que, na condição de
subprocurador-geral Eleitoral, recomendou, no julgamento do TSE, a
cassação do presidente. Além do mais, Dino é irmão do governador do
Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), adversário, no estado, do ex-presidente
José Sarney, apoiador de Temer.
A história profissional da procuradora também não estimula visões
conspiratórias. Muito atuante na área criminal, tem como características
o embasamento técnico e o estilo de trabalhar em grupo. No currículo, a
Operação Pandora, aquela que prendeu o então governador de Brasília,
José Roberto Arruda, protagonista de vídeos com cenas de corrupção
explícita. Raquel Dodge também participou do combate ao trabalho
escravo, quando autuou o ex-deputado Inocêncio de Oliveira.
A definição do substituto de Rodrigo Janot, alvo preferencial do
Planalto, era considerada chave para o futuro da Lava-Jato. A ver. É
provável que políticos que se sentem desconfortáveis com o avanço da
luta contra a corrupção, muitos do PMDB, partido do presidente,
depositassem esperanças na indicação que o presidente faria. Talvez
venham a se frustrar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário