Raquel Dodge terá a difícil missão de tirar a Lava Jato da delinquência
Reinaldo Azevedo - FSP
Só existe um caminho seguro para que o Brasil passe a ser um país menos
corrupto, mais eficiente, respeitador do dinheiro público e voltado à
correção de desequilíbrios que conduzem a iniquidades. É o das reformas.
Não me refiro apenas a essas que estão no noticiário: da Previdência,
trabalhista, política. Trato do reformismo em sentido amplo.
A alternativa é o jacobinismo canhestro que emana de fanáticos que hoje
compõem a Lava Jato e que transformaram o necessário combate à corrupção
num fim em si mesmo e numa sequência de atos criminosos.
O moralismo tacanho é, para a direita e os conservadores no geral, o que
a irresponsabilidade fiscal é para a esquerda: sua atração fatal, seu
amor bandido, o seu jeito estúpido de ser. Quando se transforma a caça
aos corruptos num ponto de chegada da vida pública, também se escolhem
os meios da luta política, que haverão de ser necessariamente
policialescos, repressivos, opressivos se preciso.
Ou não vimos Deltan Dallagnol, com suas "faces rosadas e perfil
longilíneo" –como destacou um site que vendia suas palestras–, a
defender as tais 10 medidas contra a corrupção, quatro das quais eram
arreganhadamente fascistoides, sob o silêncio cúmplice da imprensa, o
muxoxo assustado das esquerdas e a gritaria espalhafatosa dos que
apelidei da "direita xucra"?
Rodrigo Janot deixa a Procuradoria-Geral da República em setembro.
Poderia, de fato, estar saindo do cargo como aquele que encetou esforços
inéditos no Ministério Público Federal para enfrentar os desmandos, a
audácia criminosa dos poderosos, a impunidade arrogante dos donos do
poder.
Em vez disso, deixa um rastro de terra arrasada, à feição das expedições
vingadoras. "Velhos, mulheres e crianças foram trucidados sem
julgamento, vilarejos arderam em chamas e nem mesmo os animais foram
poupados." São palavras do historiador francês Alain Gerard ao se
referir a um dos massacres promovidos pela Exército francês em 1794, sob
as ordens da República jacobinista do Terror, contra os camponeses de
Vendéia. Com cem anos de antecedência, a França teve a sua Guerra de
Canudos em escala muito ampliada.
O fanatismo, aqui ou alhures, antes ou agora, não enxerga relevos,
nuances, diferenças. Ao contrário! Os entes reais atrapalham a equação
daqueles que são movidos por entes de razão, por fantasmagorias que se
querem benignas e que só existem em suas mentes perturbadas por ideias
de purificação ou "redenção" –para lembrar uma palavra um tanto
assustadora quando empregada por um ministro do Supremo, como fez Edson
Fachin.
Infelizmente, e as colunas estão em arquivo, as minhas piores
expectativas sobre a Lava Jato se cumpriram. Não estou surpreso que o
Datafolha ache desnecessário –e é mesmo!–, testar o nome de Aécio Neves
(PSDB) para a Presidência, mas que seja Lula, hoje ao menos, o favorito
para o pleito de 2018.
É constrangedor flagrar a direita a fazer contas para ver se dá tempo de
o petista ser condenado em segunda instância e, assim, não concorrer à
eleição. Ou a apelar a Moro, o demiurgo, para que prenda logo o ogro.
Janot é o autor desse desastre. Refiro-me a este senhor que se impôs
como desafio depor o presidente Michel Temer. E o faz atropelando a lei e
o bom senso, com o incentivo cúmplice de parte do Supremo, raramente
tão pusilânime, e de setores da imprensa. A determinação da mediocridade
é um inimigo histórico da civilização. Dias difíceis virão. A desordem
causada pela Lava Jato, também nos terrenos institucional e legal, é
assombrosa.
Há algo de estupidamente errado num processo que, sob o pretexto de
combater a corrupção, faz o país mergulhar numa crise política inédita,
garantindo, ao fim, na prática, a impunidade aos grandes corruptores.
A tarefa de Raquel Dodge
é bem maior do que dar sequência à Lava Jato. Caberá à
procuradora-geral da República tirar a operação do caminho da
delinquência.
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