Decisão histórica
Merval Pereira - O Globo
Essa foi a forma encontrada pela maioria dos ministros para garantir
que as delações premiadas não perdessem sua eficácia diante da vontade
expressa de uma minoria, comandada pelo ministro Gilmar Mendes, de que o
colegiado do Supremo pudesse rever os acordos feitos pela
Procuradoria-Geral da República, avaliando o seu mérito, e não a sua
eficácia pura e simplesmente.
Juntaram-se a Gilmar Mendes os ministros Marco Aurélio Mello e
Ricardo Lewandowski, rejeitando o que consideravam uma subserviência do
Supremo à Procuradoria-Geral da República. Para eles, a última palavra
deveria ser sempre do STF.
O ministro Luis Roberto Barroso comandou a tese vitoriosa, que
definiu a prevalência dos acordos fechados pela Procuradoria-Geral, que
são analisados em um primeiro momento pelo relator dos processos sob o
prisma da voluntariedade, espontaneidade e legalidade, e num segundo
momento, pelo colegiado, na hora de dar a sentença, pela eficácia das
denúncias.
Pelo texto aprovado,por sugestão do ministro Alexandre de Moraes e
assumido pelo relator Edson Fachin, somente quando forem encontradas
ilegalidades fixadas no Código de Processo Civil os acordos poderão ser
anulados. De maneira geral, será preciso que a sentença tenha sido fruto
de “prevaricação, concussão ou corrupção do juiz”; “resultar de dolo ou
coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de
simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei”; “violar
manifestamente norma jurídica; “for fundada em prova cuja falsidade
tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na
própria ação rescisória”.
Ou que fatos supervenientes forem descobertos “posteriormente ao
trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não
pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento
favorável”.
Os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello tentaram
que o detalhamento dessa questão não fosse feito na sessão de ontem,
alegando que estavam decidindo em tese, quando fatos concretos
mereceriam análises específicas.
Um advogado levou ao conhecimento do pleno um fato inusitado. Em um
julgamento do Tribunal Regional Federal de São Paulo, o Ministério
Público local atribuiu, em nota de pé de página da denúncia, a
qualificação de “organização criminosa” às empresas JBS, o que
invalidaria a concessão de indulto criminal, de acordo com a legislação
que trata das delações premiadas.
Gilmar Mendes usou esse exemplo para dizer que as homologações
estavam sendo feitas sem a devida análise, no que foi contestado pelo
ministro Luis Fux e pela presidente do Supremo, ministra Carmem Lucia.
O ministro Fux teve mais uma vez papel importante no julgamento, pois
foi ele quem chamou a atenção para a necessidade de definir com clareza
os termos em que os acordos poderiam ser alterados. E a ministra Carmem
Lucia respondeu com gentileza à insinuação de Gilmar Mendes de que ela
homologara as 70 delações premiadas dos executivos da Odebrecht em tempo
recorde, o que indicaria uma análise superficial.
A ministra salientou que ficou 40 dias com os processos, trabalhando
até nos fins de semana e deixando de visitar o pai enfermo, que viria a
falecer, para poder homologar as delações dentro dos parâmetros legais
exigidos.
Embora derrotado, o ministro Gilmar Mendes acha que a partir de agora
as homologações dificilmente serão feitas monocraticamente, e pretende
aproveitar a brecha que vislumbra na decisão para analisar os acordos
para além de sua eficácia.
Será uma tarefa difícil, porém, pois os casos em que isso poderá ser
feito são muito restritos no Código de Processo Civil. Além do mais,
como disse o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, se ficar
provado, por exemplo, que a JBS era não uma empresa que cometeu
ilegalidades, mas uma organização criminosa fundada para cometer crimes,
é evidente que o acordo de delação tem que ser anulado. Ou outros fatos
tipificados no Código de Processo Civil, questão tão óbvia que a
ministra Rosa Weber estranhou estarem discutindo o que já estava escrito
na lei.
Mas não parece fácil transformar uma empresa em uma organização
criminosa, mesmo que tenha montado esquemas sofisticados para cometer
crimes, como as empreiteiras envolvidas nas fraudes da Petrobras ou a
própria JBS.
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