Meirelles e Maggi vão ao paraíso (fiscal), lugar para muito poucos
Clóvis Rossi - FSP
Vamos acreditar que o ministro Henrique Meirelles seja de fato inocente, como alega, no novo dossiê sobre pilhas de dinheiro enviados para paraísos fiscais - os chamados "Paradise Papers".
Estendamos a presunção de inocência ao outro ministro que surgiu na lista, o da Agricultura, Blairo Maggi.
Vale idêntico raciocínio para pesos pesados do setor privado, igualmente
detectados no novo dossiê, caso de Jorge Paulo Lemann, o homem mais
rico do Brasil, e seus parceiros na InBev, Carlos Alberto da Veiga
Sicupira e Marcel Herrmann Telles, conforme relato desta segunda-feira (6) do "Poder360", o site que cobre o poder como poucos.
Ainda assim, ambos os ministros –e todos os demais envolvidos na nova
leva de documentos revelados pelo valioso Consórcio Internacional de
Jornalistas Investigativos– participam de um sistema que é uma imensa
falha tectônica no capitalismo.
Não cometeram crimes, pelo menos até onde se sabe, ao contrário das
suspeitas que pairaram sobre o dossiê anterior (os "Panama Papers").
Aliás, a comparação entre os dois lotes de revelações está perfeitamente
estabelecida no editorial de Jérôme Fenoglio, diretor de "Le Monde", para a edição desta segunda:
"Em 2016, os dados dos 'Panama Papers' permitiram sondar os rios
subterrâneos de dinheiro sujo, nos quais se misturam as águas turvas da
evasão fiscal e os fluxos negros dos rendimento do crime. Desta vez, é
toda uma outra cartografia que desenham as montagens financeiras dos
empregados da Appleby [escritório especializado em abrir empresas em
paraísos fiscais]: é [a cartografia] das numerosas falhas do sistema
fiscal internacional, exploradas por esses advogados de alto voo para
permitir a uma ínfima minoria de ultrarricos e de multinacionais escapar
às taxas e aos impostos, sempre permanecendo nos limites da lei".
Não há crime, mas aplica-se, especialmente no caso do ministro Henrique
Meirelles, o antigo lugar comum de que à mulher de César, não basta ser
honesta; tem também que parecer honesta.
Participar de qualquer esquema em paraíso fiscal –ainda que honestamente e declarando o investido à Receita, como fez Meirelles
é dar combustível a um mecanismo sinistro: um estudo do economista
Gabriel Zucman citado pelo "Financial Times" em 2016 demonstra que
haveria cerca de US$ 7,6 trilhões (R$ 25 trilhões) estocados em paraísos
fiscais. Equivalem a 8% da riqueza mundial. Ou a 4,2 "brasis"
escondidos do fisco em contas opacas.
Se paraísos fiscais fossem, além de legais, também saudáveis, não
haveria um esforço permanente do G20, o clubão das 20 maiores economias,
para colocar limites a eles, desde a sua primeira cúpula, a de 2008.
Detalhe relevante: como presidente do Banco Central de Lula, Meirelles participou de meia dúzia dessas cúpulas.
O G20 não é uma assembleia de comunistas ou de anarquistas. É o guardião
das essências do capitalismo –tanto que em uma das cúpulas, o então
presidente francês, Nicolas Sarkozy, disse que um dos principais
objetivos dela era "moralizar o capitalismo", em referência específica
ao cerco aos paraísos fiscais.
Não seria nada mal se expoentes do capitalismo no Brasil contribuíssem
com esse esforço –de resto muito pouco produtivo, como se vê pela
relação de personalidades citadas nos "Paradise Papers".
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