O juiz Scalia nunca bateu boca
Elio Gaspari - FSP
O ministro Gilmar Mendes
não gosta que se façam comparações entre a Corte Suprema americana e o
STF. Mesmo assim, até para ele seria recomendável a leitura de um livro
que acaba de sair nos Estados Unidos e está na rede por R$ 68,39.
Trata-se de "Scalia Speaks" ("Scalia Fala - Reflexões sobre a Lei, a Fé e uma Vida Bem Vivida").
Ojuiz
Scalia ficou 29 anos na Suprema Corte, até sua morte, em 2016, e
marcou-a como poucos. Conservador irredutível e católico fervoroso (teve
nove filhos), sorvia com gosto os ódios
que despertava.
Divergindo e polemizando, sempre enriquecia os debates. Nunca se meteu em bate-bocas no tribunal. A sorrir, levou a vida.
O livro, com 51 textos curtos de Scalia, foi organizado por um de seus
filhos e um ex-assistente. A primeira alegria está no prefácio, escrito
pela sua colega Ruth Bader Ginsburg. Eles tiveram todos os motivos
políticos e ideológicos para se detestar. Tornaram-se bons amigos porque
gostavam de inteligência, leis, óperas e boa comida. (Algum admirador
de Gilmar Mendes poderá achar que ele é um Scalia brasileiro, mas nenhum
admirador
de Scalia concordará com isso.)
Mencione-se um item da agenda progressista e lá estava Scalia, contra:
aborto, casamento de pessoas do mesmo sexo, financiamento público para
as artes, ativismo judicial. Num caso relacionado com a criação
artística, no qual um escultor fez um "Cristo Mijado", imerso em urina,
ele lembrou que a impropriedade estivera no uso do dinheiro público,
pois não se pensou em colocar na cadeia "esse Da Vinci dos tempos
modernos". Defendeu como poucos a liberdade de expressão.
Scalia refez a cabeça dos tribunais americanos, combatendo a ideia de
que a Constituição é algo vivo. A Constituição é aquilo que nela está
escrito. O que não está não é dela. (É imprópria qualquer
comparação com o texto móvel da Carta brasileira.)
Ele diferenciou-se de todos os antecessores pela clareza de seus
raciocínios e pela maestria na escrita. Scalia confessou que sofria para
escrever e no livro ensina que um bom texto precisa de "tempo e suor".
Lendo-o, percebe-se o suor nas suas pesquisas.
"Scalia Speaks" inclui a palestra que ele fez em 2009, na Universidade
de Brasília, intitulada "Os Mulás do Ocidente, os Juízes como Árbitros
Morais".
Nela, Scalia atacou uma decisão da Corte de Direitos Humanos da União
Europeia que condenou uma lei inglesa que considerava indecentes
relações homossexuais envolvendo mais de duas pessoas. Segundo a Corte,
devia-se respeitar a privacidade dos interessados.
Scalia foi em cima: "O tribunal não especificou quantas pessoas deveriam
participar até que o evento deixasse de ser 'privado'. Talvez esse
número esteja entre cinco e o da multidão necessária para
encher o Coliseu."
Ele não tinha nada contra orgias dos outros, o que não queria é que juízes se metessem a regular questões como essas.
Quando Scalia passou pelo Brasil, os Lava Jatos serviam para lavar carros, por isso deve-se transcrever o fecho de sua palestra:
"Eu não gosto da influência da política no processo de indicações de
juízes no meu país. Mas, francamente, eu o prefiro à alternativa, que é o
governo por uma aristocracia judicial".
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