domingo, 9 de março de 2014

EUA debatem quem, no país, é culpado pela Ucrânia
Peter Baker - NYT
Em Moscou, especialmente nos velhos e não tão bons tempos, a pergunta que era feita quase sempre era kto vinovat: "quem é o culpado?". A capital norte-americana agora se vê envolvida nesse exercício bastante russo desde que as tropas do presidente Vladimir Putin entraram na Ucrânia.
Muitos da direita sustentam que a ofensiva militar de Moscou é culpa do presidente Barack Obama por adotar uma política externa de fraqueza. Alguns da esquerda argumentam que a culpa foi do ex-presidente George W. Bush por invadir o Iraque e abrir um precedente. E por todo o espectro político há acusações de que a culpa é da comunidade de inteligência por não antecipar que a Rússia enviaria tropas para a península da Crimeia. 

O debate sobre quem-perdeu-a-Ucrânia é um eco sinistro do tipo de recriminação comum durante a Guerra Fria, a começar pelas repreensões sobre quem-perdeu-a-China depois que os comunistas tomaram o poder em Pequim em 1949, mas desta vez alimentado pela tecnologia e com o sabor da política do século 21. No Twitter e nos talk shows de TV a cabo, bem como em discursos, colunas e audiências no Congresso, membros dos dois partidos não perderam tempo em tentar colocar a crise no Leste Europeu como responsabilidade de seus oponentes políticos. 
Como presidente, Obama naturalmente absorveu a maior parte das críticas, acusado de ser muito suave em suas interações não só com Putin da Rússia, mas também com a Síria, Irã e outros vilões do cenário mundial. O momento coincidiu com a proposta dele de cortar o Exército para o tamanho anterior ao da 2ª Guerra Mundial, o que deu mais munição para aqueles que defendem o uso da força militar. E alguns fizeram questão de colocar a ex-secretária de Estado Hillary Rodham Clinton no fogo cruzado, reconhecendo sua possível campanha presidencial em 2016.
"Este é o resultado final de uma política externa ineficaz", disse o senador John McCain, republicano do Arizona, ao Comitê de Assuntos Públicos Americano-Israelense.
O senador Mitch McConnel do Kentucky, líder republicano, disse no Senado: "o presidente erodiu a credibilidade norte-americana no mundo".
Mais provocativa, talvez, tenha sido o senador Lindsey Graham, que enfrenta um desafio para as primárias republicanas da direita na Carolina do Sul. Ele traçou a crise na Ucrânia ao ataque de 2012 contra o posto diplomático dos EUA em Benghazi que matou o embaixador da Líbia e três outros norte-americanos.
"Começou com Benghazi", disse Graham no Twitter. "Quando você mata norte-americanos e ninguém paga o preço, você convida a este tipo de agressão".
Ele acrescentou em outro post: "Putin basicamente chegou à conclusão depois de Benghazi, Síria, Egito - tudo em que Obama se envolveu - de que ele é um líder fraco e indeciso."
A Casa Branca retribuiu o fogo. "As críticas dos republicanos contra o presidente Obama desceram de nível hoje quando começaram dizendo que Benghazi é um dos motivos pelo que está acontecendo na Crimeia", escreveu no Twitter Dan Pfeiffer, conselheiro sênior do presidente.
As críticas claramente afetaram o presidente. Sem esperar que perguntassem, ele refutou a ideia de que Putin esteja em vantagem. "Eu também observaria a forma como parte disso tem sido relatada, com a sugestão de que de alguma forma as ações da Rússia foram estrategicamente inteligentes", disse Obama na terça-feira (4). "Na verdade, acho que isso não foi um sinal de força mas sim um reflexo de que os países próximos à Rússia têm profundas suspeitas e preocupações sobre esse tipo de intervenção."
O argumento contra Obama vem sendo construído há anos. Os críticos o acusam de ceder para a Rússia ao recalibrar os planos para a defesa anti-mísseis da Europa e focar demais em tentar reparar as relações com Moscou. Eles apontam para a Síria e a "linha vermelha" que ele alertou o presidente Bashar Assad a não cruzar usando armas químicas bem como para o fracasso de Obama em não dar continuidade ao ataque de retaliação planejado.
Para funcionários da Casa Branca, a narrativa da fraqueza é vazia contra um presidente que inicialmente triplicou o número de tropas no Afeganistão, aumentou o número de ataques de drones no Paquistão, Iêmen e outros lugares, e ordenou o ataque que matou Osama bin Laden. Os defensores de Obama observam que Putin não hesitou em entrar em guerra com a Geórgia quando Bush era presidente.
Mas Bush tampouco emergiu do episódio atual incólume. Alguns liberais disseram que sua invasão do Iraque impossibilitou que os Estados Unidos reclamem de a Rússia invadir outro país.
Em seu programa na MSNBC, Rachel Maddow disse: "há algo de estranho no fato de o governo dos Estados Unidos tentar liderar uma resposta ao ultraje internacional em relação àquela violação quando estamos há apenas poucos anos fora de uma guerra de quase uma década Iraque, que foi uma guerra que, é claro, também foi lançada sob pretextos falsos e fabricados." 

Chris Matthews, outro âncora da MSNBC, ecoou esta opinião. "As mesmas pessoas que tocaram a corneta para invadirmos aquele país, o Iraque, estão tocando agora porque outro país, a Rússia, fez algo um pouco parecido com isso", disse ele. "Bem, a grande diferença é, se é que preciso dizer, as dezenas de milhares de corpos que a turma de Bush-Cheney deixaram em seu rastro."
Os defensores de Bush dizem que é ridículo o fato de os liberais continuarem tentando atribuir as falhas de Obama a seu predecessor mais de cinco anos depois que este deixou o governo.
O debate foi travado na quarta-feira entre o Comitê de Serviços Armados da Câmara. O deputado Howard McKeon, presidente republicano do comitê, disse que a situação na Ucrânia é um argumento contra os cortes militares de Obama. "A crença do presidente de que a onda de guerra está recuando e que podemos reduzir com segurança o poder de força norte-americano em favor do poder suave para garantir nossa segurança nacional está em pleno contraste com a realidade", disse ele.
O deputado Adam Smith de Washington, do alto comitê democrata, rejeitou o argumento: "em 2008, quando tínhamos um orçamento de defesa de bem mais de US$ 700 bilhões e George W. Bush era presidente, Putin não sentiu nenhuma limitação para entrar na Geórgia e essencialmente tomar duas províncias."
Em outra audiência no Senado, McCain voltou seu fogo contra as agências de inteligência do país por não preverem a intervenção russa. "O fato é, senhor, secretário, isso não foi previsto por nossa inteligência, e já é bem sabido", disse, repreendendo o secretário de defesa Chuck Hagel, chamando o episódio de "outro fracasso gigantesco". Hagel argumentou que os Estados Unidos estavam "bem cientes das ameaças".
Alguns republicanos temem que o partido esteja indo longe demais. John Ullyot, ex-assessor do Senado, disse que é falacioso argumentar que a fraqueza de Obama havia encorajado a Rússia. "Putin age em sua esfera quando sente que é necessário agir, independentemente de quem está na Casa Branca", disse Ullyot.
Outros republicanos foram cuidadosos em modular suas críticas para não perder de vista o papel da Rússia. Falando à CNN, o deputado Paul Ryan do Wisconsin, compartilhou a afirmação do partido de que Obama havia "projetado fraqueza" que "é um convite à agressão".
"Mas", acrescentou, "vamos ser muito claros sobre quem é o culpado por isso. Vladimir Putin é o culpado."

Tradutor: Eloise De Vylder

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