O voo do besouro
CELSO MING - O Estado de S.Paulo
Como o pesadão besouro, tão pesadão, o Brasil tem dificuldades para voar. Mas a temporada trouxe novos limitadores de voo.
Na semana passada, 15 associações do setor elétrico advertiram o
governo para a situação delicada do suprimento de energia. A seca
esvaziou os reservatórios (veja gráficos) e há ponderadas dúvidas sobre a
real capacidade de as usinas térmicas darem conta do recado. É por
essas razões que certos analistas chegam a aplaudir o baixo crescimento:
imaginem o problemão se, em vez de 1,5% ao ano, a economia estivesse
rodando a 3% ou 4%, como pretendia o governo.
As dúvidas crescentes sobre a capacidade de geração de quilowatts
trazem de volta a velha discussão dos economistas sobre o potencial de
crescimento da economia. Mas este não é o único fator a cercear
cruelmente a capacidade de produção no País.
Um dos mais lembrados é o baixo nível do investimento, que não
consegue chegar aos 19% do PIB. Está ligado ao também baixíssimo nível
de poupança do brasileiro, avaliado em apenas 13,9% do PIB, pelas Contas
Nacionais do quarto trimestre de 2013. (Este foi o foco do comentário
desta Coluna no dia 6.)
A inflação à altura dos 6% ao ano é outra barreira. Qual não seria a
inflação dos preços livres, de 7,3% em 2013, se o PIB estivesse
avançando os tais 3% ou 4% ao ano? E quanto mais o governo teria de
represar os preços administrados para conter a escalada? Seria
inevitável, também, que o Banco Central puxasse os juros ainda mais para
cima para provocar a convergência para a meta de 4,5% ao ano. E não
convém parar por aí. O aprofundamento do represamento dos preços
administrados (especialmente o dos combustíveis e os da energia
elétrica) agravaria as distorções por ele provocados. Seria inevitável,
por exemplo, transferência ainda maior de recursos do Tesouro para as
concessionárias de energia de modo a cobrir a diferença de custos dos
combustíveis queimados nas termoelétricas. E se aprofundariam os
desarranjos no setor do açúcar e do álcool.
Outro limitador do crescimento econômico é o mercado de trabalho. A
escassez de mão de obra, especialmente da qualificada, não é apenas
fator de alta de custos do sistema produtivo, como ainda quinta-feira o
Banco Central advertiu na Ata do Copom. É variável cerceadora, que
comparece cada vez mais às novas equações do investimento.
E há o gargalo de dólares. O forte aumento de importação de derivados
de petróleo para dar conta do consumo e do funcionamento das usinas
térmicas já pressiona a balança comercial, como mostraram as
estatísticas dos dois primeiros meses do ano. O rombo em Conta Corrente
fechou em 2012 a 2,4% do PIB, saltou para 3,7% do PIB em 2013 e ainda
não parou de aumentar. Este é mais um sintoma de que o consumo avança a
níveis excessivos.
Finalmente, a inexorável questão fiscal. O Tesouro não é mais a fonte
inesgotável de recursos. Não pode mais operar políticas contracíclicas,
como catapultas do crescimento econômico.
Ou seja, crescer mais do que está crescendo parece hoje mais problema do que solução para este besouro.
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