Que lições podemos tirar da crise da Ucrânia?
Natalie Nougayrède - Le Monde
Que lições podemos tirar até esse momento da impressionante crise na
Ucrânia, que por tanto tempo foi o "fantasma da Europa", para usar uma
expressão do ex-dissidente Leonid Plyushch?
1. A diplomacia
russa é um tremendo rolo compressor que avança incessantemente, no
estilo Gromyko dos anos 1970, na direção de objetivos com grande
persistência. Moscou quer a criação de uma ordem pan-europeia revisada,
afastando os americanos. Isso não vem nem de ontem nem de Putin, mas sim
da visão que já era tida pela URSS no tempo dos acordos de Helsinque de
1975. Todos se lembram de que o objetivo da Otan era, segundo seu
primeiro secretário-geral, "manter os americanos do lado de dentro, os
russos do lado de fora e os alemães embaixo."
Em 2008, o jovem
presidente russo Dmitri Medvedev havia inaugurado seu mandato propondo
aos ocidentais um acordo de segurança coletiva na Europa saído
diretamente da naftalina da era Brejnev. Esse texto proibia a cada
Estado europeu de se juntar a uma aliança ou entidade internacional caso
essa escolha entrasse em conflito com os interesses de um outro Estado
europeu. O revisionismo opressivo de Vladimir Putin constitui um grande
desafio para os europeus hoje.
2. Com razão ou não, Moscou
sentiu no presidente Obama fraquezas que podem ter incentivado o líder
do Kremlin a empregar o método da força bruta contra o vizinho eslavo.
Para explicar essa percepção, podemos citar o desinteresse pessoal de
Barack Obama pela Europa, o "reset" (retomada da relação bilateral com
Moscou) pouco convincente, e o "redirecionamento" para a Ásia que
marcava uma retirada estratégica americana do Velho Continente
paralelamente aos desengajamentos no Afeganistão e no Iraque. Seriam
oportunidades se abrindo aos olhos de Moscou.
As hesitações de
Obama quanto à Síria, no início de setembro de 2013, que desistiu de
defender sua "linha vermelha" quanto às armas químicas, puderam ser
interpretadas como covardia, episódio rapidamente explorado por Moscou. O
efeito dessas sequências sobre Vladimir Putin teria sido
suficientemente analisado? Seis meses mais tarde, vemos a relação de
forças na Crimeia.
Barack Obama havia guardado de sua experiência como senador do
Congresso americano a imagem de uma Rússia muito diminuída. Sua única
viagem a esse país antes de se tornar presidente fora para visitar
locais de armazenamento de materiais nucleares, e ele voltou chocado de
lá pelo estado de decrepitude das instalações. Para Obama, a Rússia foi
nos últimos anos uma interlocutora difícil em vários assuntos, mas ela
certamente não era considerada uma ameaça.
3. A questão das
prioridades ocidentais, portanto, foi colocada em segundo plano. A
obsessão antiterrorista desde 2001, as poderosas redes de vigilância da
NSA e de seus aliados empregadas contra a Al-Qaeda fizeram perder de
vista ameaças mais "clássicas", e portanto, consideradas coisas do
passado nessa Europa banhada por um espírito kantiano e pelo princípio
da regra normativa.
Foi redescoberta, a duas horas de voo de
Paris, a capacidade de um Estado - a Rússia - de empregar a força contra
a soberania de um outro Estado em nome da proteção de seus cidadãos ou
de russófonos. Após a queda da URSS, e até 1994, a CIA havia avaliado
que existia um risco de conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia, mais
precisamente na Crimeia. Com o tempo, esse cenário passou a parecer
pura ficção. O despertar foi brutal.
Acostumados com a
espionagem russa relançada em todas suas formas, os ocidentais foram
incapazes, em tempos recentes, de compreender exatamente a atitude de
Putin quanto à Ucrânia, ou de antecipar sua obsessão sobre essa questão.
Angela Merkel o teria descrito recentemente como "desconectado da
realidade."
4. A ingenuidade na análise de alguns europeus agora
equivale a um erro estratégico. Em Paris, não faltaram sicofantas do
sistema Putin desde que ele chegou ao poder, em uma mistura de visão
fantasiosa de uma aliança franco-russa romântica e redes de dinheiro e
de negócios, até o domínio militar.
A venda para a Rússia do
Mistral, navio indicado para invadir um território como a Crimeia, é o
exemplo manifesto de uma política míope. Os italianos, com a ENI, e
sobretudo os alemães, com seu poderoso lobby industrial, foram os
arquitetos de uma dependência europeia dos hidrocarbonetos russos.
A Europa também ignorou o passado ao virar com pressa a página da
invasão parcial da Geórgia em 2008, após uma mediação que não resolveu
nenhum dos problemas de fundo. O desprezo de Putin era visível durante
seu discurso recente para a televisão, largado em uma poltrona, com as
pernas afastadas, dando sua visão de um Ocidente decadente. Agora será
preciso definir quais podem ser os instrumentos europeus de uma relação
lúcida e construída junto com uma Rússia cuja impulsividade não pode
mais ser descartada.
5. As turbulências às quais temos assistido
lembram que a democratização do espaço europeu não foi completa. A
Ucrânia foi no século 20 uma terra de sangue, concentrando em seu
território os crimes mais terríveis: a fome e as repressões stalinistas
dos anos 1930, e depois o "Holocausto por balas". Em 1986, o desastre
nuclear de Tchernobyl provocou um abalo decisivo do sistema soviético.
Os acontecimentos da Praça da Independência em Kiev, onde dezenas de
pessoas morreram exigindo o fim de um governo cleptocrata e a
aproximação com a União Europeia, podem marcar uma forma de reconquista
democrática da Europa.
Depois de 1945, após as transições da Grécia e da Espanha, após a
cesura de 1989, após a decomposição violenta da Iugoslávia, após as
"revoluções coloridas", a cartografia europeia política está novamente
em movimento. Existem milhares de incertezas, mas conseguir ter a
dimensão dessa tendência é entender o pavor de um Vladimir Putin, que
sabe que nada mais será como antes se a Ucrânia se democratizar de
maneira estável.
A Ucrânia é a etapa crucial na direção de uma
Europa democrática desde o Atlântico até os Montes Urais, uma ameaça ao
coração do sistema putiniano. O acompanhamento desse movimento que o
historiador Francis Fukuyama descreveu com sutileza voltou a se tornar o
grande assunto de todos. A União Europeia tiraria dali motivo para se
reencantar.
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