Reinaldo Azevedo - FSP
Duas mortes recentes demonstraram que, a depender do tema, a imprensa, na média, renuncia aos fatos e se deixa conduzir por uma espécie de ente superior, a ditar o que é "politicamente conveniente". Eu passei a empregar essa expressão em lugar de "politicamente correto". Não há nada de incorreto em ser correto. Não dá é para ser covarde ou para sufocar o fato com a ideologia.
A Polícia ainda investiga as condições em que morreu o coronel Paulo
Malhães, o homem que confessou ter torturado presos políticos e
escondido corpos. Pareceu-me, em determinados momentos, que ele lutava
para manter ainda colada ao cérebro a consciência fugidia. Lá estava o
olhar de um mitômano sem presente e sem futuro, só com um passado
terrível, posto na ribalta. Mas vocês sabem como é... A verdade não tem
tempo para certas sutilezas, especialmente quando a história "certa" já
foi contada e se buscam apenas personagens exemplares para encarnar os
papéis do vilão e do mocinho. Malhães morreu, e alguns mistificadores
tonitruaram: "Cuidado com a direita! Ela está de volta! Esmaguemos as
suas muitas cabeças antes que sejamos esmagados". Ou por outra:
defenderam um paredão coletivo e preventivo em nome do bem! São as almas
pias que tentam confundir, entre outras delicadezas, um liberal com um
torturador.
A morte provocou certa histeria na imprensa, que decretou "queima de arquivo". Nessa hipótese, ter-se-ia formado, creio, um bando de velhinhos torturadores –o facínora júnior teria uns 70 e poucos; o sênior, mais de 90– para exterminar "traidores" da causa, ainda que tal designação não coubesse exatamente ao coronel. Afinal, ele afirmou ter praticado, sim, coisas horríveis, mas pôs tudo na conta do dever cumprido. Também não citou nomes.
Por que "os porões reagiriam"? Ainda que os vovozinhos da tortura não executassem pessoalmente a tarefa, teriam de estar notavelmente organizados para, com um braço ágil e operativo, partir para a ação direta. Ora, se estão estruturados o bastante para matar um dos seus, por que não, então, para eliminar alguns dos inimigos de antes? A hipótese era ridícula de saída. E ousei escrever isso desde o primeiro dia, o que me rendeu as simpatias costumeiras dos pistoleiros das palavras.
O exame do corpo constatou que Malhães não morreu sufocado, mas de ataque cardíaco. O caseiro da chácara confessou que organizou o assalto em companhia dos irmãos. Queriam as armas que o coronel colecionava. Os que viram no caso mais uma evidência de que a direita pré-Jango (Deus do Céu!) estava se reorganizando não se deram por vencidos. Como é que os fatos ousam desafiar a interpretação conveniente, aquela que põe no seu devido lugar moral os atores de... 1964?
A regina-casezação da morte do bailarino Douglas Rafael, num contexto que se mostra a cada dia mais complexo, para dizer pouco, serviu de esquenta para a satanização da Polícia, não dos maus policiais. Tenho, sim, críticas severas à política de Segurança Pública de José Mariano Beltrame, mas elas nada têm a ver com a presença da PMs nas favelas. Ignorar, ou deixar de noticiá-lo com clareza, que o narcotráfico transformou o rapaz num totem e que sua morte está servindo de instrumento de luta política do crime organizado corresponde a fazer assessoria de imprensa para a bandidagem. E com direito a muitas lágrimas das celebridades globais, que, como lembrou Ruy Castro nesta Folha, não comparecem ao enterro de policiais assassinados. Ora, ninguém dá bola para pobres reacionários de farda. Eles desafiam a fantasia daquela suposta integração da Cidade Maravilhosa, sem pecado e sem perdão. A proximidade entre asfalto e morro no Rio resulta, às vezes, num cruzamento malsucedido. Cada um transmite ao outro o que tem de pior.
Os que querem "lutar por um mundo melhor" e têm pretensões de reformar a humanidade deveriam abandonar o jornalismo. Fundem ONGs ou partidos à mancheia! Deixem a profissão para os que gostam dos fatos.
A morte provocou certa histeria na imprensa, que decretou "queima de arquivo". Nessa hipótese, ter-se-ia formado, creio, um bando de velhinhos torturadores –o facínora júnior teria uns 70 e poucos; o sênior, mais de 90– para exterminar "traidores" da causa, ainda que tal designação não coubesse exatamente ao coronel. Afinal, ele afirmou ter praticado, sim, coisas horríveis, mas pôs tudo na conta do dever cumprido. Também não citou nomes.
Por que "os porões reagiriam"? Ainda que os vovozinhos da tortura não executassem pessoalmente a tarefa, teriam de estar notavelmente organizados para, com um braço ágil e operativo, partir para a ação direta. Ora, se estão estruturados o bastante para matar um dos seus, por que não, então, para eliminar alguns dos inimigos de antes? A hipótese era ridícula de saída. E ousei escrever isso desde o primeiro dia, o que me rendeu as simpatias costumeiras dos pistoleiros das palavras.
O exame do corpo constatou que Malhães não morreu sufocado, mas de ataque cardíaco. O caseiro da chácara confessou que organizou o assalto em companhia dos irmãos. Queriam as armas que o coronel colecionava. Os que viram no caso mais uma evidência de que a direita pré-Jango (Deus do Céu!) estava se reorganizando não se deram por vencidos. Como é que os fatos ousam desafiar a interpretação conveniente, aquela que põe no seu devido lugar moral os atores de... 1964?
A regina-casezação da morte do bailarino Douglas Rafael, num contexto que se mostra a cada dia mais complexo, para dizer pouco, serviu de esquenta para a satanização da Polícia, não dos maus policiais. Tenho, sim, críticas severas à política de Segurança Pública de José Mariano Beltrame, mas elas nada têm a ver com a presença da PMs nas favelas. Ignorar, ou deixar de noticiá-lo com clareza, que o narcotráfico transformou o rapaz num totem e que sua morte está servindo de instrumento de luta política do crime organizado corresponde a fazer assessoria de imprensa para a bandidagem. E com direito a muitas lágrimas das celebridades globais, que, como lembrou Ruy Castro nesta Folha, não comparecem ao enterro de policiais assassinados. Ora, ninguém dá bola para pobres reacionários de farda. Eles desafiam a fantasia daquela suposta integração da Cidade Maravilhosa, sem pecado e sem perdão. A proximidade entre asfalto e morro no Rio resulta, às vezes, num cruzamento malsucedido. Cada um transmite ao outro o que tem de pior.
Os que querem "lutar por um mundo melhor" e têm pretensões de reformar a humanidade deveriam abandonar o jornalismo. Fundem ONGs ou partidos à mancheia! Deixem a profissão para os que gostam dos fatos.
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