Público e privado
Não há como não se lembrar de Ronald Reagan: o governo não é a solução, é o problema
Carlos Alberto Sardenberg - O Globo
Não existe produção de
prótese ortopédica no Brasil. Pode-se importar, mas é caro. Uma prótese
de membro inferior, por exemplo, sai por uns R$ 4 mil, boa parte disso
em impostos. Uma enorme dificuldade, cuja solução já existe. Dois jovens
brasileiros, Lucas Strasburg e Eduardo Trierweileir, de Novo Hamburgo
(RS), inventaram o Revo Foot, prótese de perna e pé, feita de plástico
reciclado, invento premiado em feira mundial, e que deve custar em torno
de R$ 200, antes dos impostos, claro. Mas não conseguiram ir além do
protótipo: não há no Brasil um sistema de certificação para permitir a
produção comercial.
Voemos do Sul para o município de Ibimirim
(PE), mais exatamente para o Sítio Frutuoso, onde o agricultor José
Gabriel Bezerra tem uma próspera lavoura de milho, melancia e feijão,
num ambiente de seca e perdas. A propriedade é irrigada. Sabem como? Um
poço que ele construiu com seu próprio dinheiro, cansado de esperar
pelas prometidas obras públicas.
A primeira história apareceu no
programa do “Jornal da CBN” “Young Professional”, em entrevista a Milton
Jung. A segunda veio numa extraordinária reportagem de Letícia Lins e
Cleide Carvalho, no GLOBO do último dia 18.
Os jovens gaúchos
desenvolvem sua ideia há mais de seis anos, com objetivos claramente
sociais: produzir algo nacional, bom e barato Era inicialmente um
trabalho de fim de curso, da Escola Técnica Liberato, pública. E uma
ousadia: trocar fibra de carbono por plástico reciclado? Parecia piada.
Pois chegaram a uma prótese testada e retestada em diversos laboratórios
universitários e privados. Experimentaram em um parente — prótese do pé
esquerdo — que está muito satisfeito. Batizaram de Revo Foot e tiraram o
segundo lugar num concurso do Massachussets Institute Of Technology
para inovadores globais com menos de 35 anos.
Toca produzir a
coisa no Brasil, claro. Não pode. Precisa certificar. OK, como faz? Não
faz. Os órgãos públicos não têm normas, muito menos máquinas para testar
essas próteses. Sabem o que Lucas e Eduardo resolveram fazer? Estão
tentando produzir a primeira máquina brasileira de certificação de
próteses, junto com normas e demais mecanismos.
É louvável a garra dos rapazes, mas está na cara que essa não é mais função deles. É do governo, do setor publico. Devia ser…
A
história do agricultor de Ibimirim tem o mesmo conteúdo. Ele tocava lá
seu sítio, sempre batalhando com a falta de água. Ouviu muitas promessas
e anúncios de instalação de poços e cisternas. Como mostra a reportagem
do GLOBO, até que muitos poços foram perfurados. Mas falta a energia
elétrica para bombear a água. No outro, falta a canalização para
distribuir. Mais adiante, a população local não pode utilizar a água,
pois é levada para áreas mais populosas.
Sabe de uma coisa? —
pensou José Gabriel Bezerra. “A gente tem de resolver.” Mudou-se para
São Paulo, arrumou emprego na construção civil, juntou R$ 30 mil, voltou
para Ibimirim e aplicou tudo num poço de 150 metros. Resolvido.
Mas,
cuidado. O governo finalmente construiu ali na região cinco adutoras
profundas. O agricultor tem medo que essas puxem a água do seu poço. Era
só o que faltava. Frase exemplar de Bezerra: “Gastei tudo o que tinha
para não depender do governo. Mas tenho medo que, com as adutoras, a
água da gente acabe.”
Não há como não se lembrar de Ronald Reagan: o governo não é a solução, é o problema.
E
o problema maior é que não dá para se livrar do governo. A esquerda
costuma acusar os liberais de querer destruir o Estado. Mesmo, porém,
que sonhem com isso, os liberais sabem que o Estado e seus impostos são
inevitáveis.
Vai daí, eis uma agenda bem brasileira, adequada
para um ano de eleições presidenciais. O Brasil só vai voltar a crescer
com mais investimentos privados e públicos.
Para que floresçam os
privados, é preciso que o governo, primeiro, não atrapalhe as
iniciativas de gente como os jovens de Novo Hamburgo. E, segundo, dar o
necessário suporte a negócios como o do agricultor do sertão.
Primeiro
ponto, portanto, é abrir espaço e criar boas condições para o
investimento privado. Isso requer ação política, mudança de legislação,
incluindo privatizações.
O segundo ponto é dar eficiência e produtividade às ações do Estado. E foco em educação, saúde e segurança.
Para
o resto, é melhor fazer a concessão de obras e serviços para o
investidor privado. Quando isso não for possível, o governo deve
trabalhar com os parâmetros de produtividade do setor privado.
Tem muito lugar em que é assim, inclusive no Brasil, como a boa escola técnica Liberato.
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