A crise é um Everest
À presidente, resta fazer o que está fazendo: vivendo biblicamente a agonia de cada dia.
Rui Fabiano - O Globo
A um interlocutor recente, que lhe perguntou se não temia nomear alguém
para seu novo ministério e, na sequência, vê-lo preso pela Operação
Lava-Jato, a presidente Dilma Roussef garantiu estar “absolutamente
segura” quanto às suas escolhas.
Da declaração, deduz-se que está informada dos nomes que constam das
delações premiadas em curso, que, em tese, ainda não deveriam ser de seu
conhecimento. Detalhes, claro.
Alguns, como o do ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, já são
conhecidos. Mas esse, independentemente de estar ou não no índex, não
consta dos planos da presidente. A crise energética exige alguém,
digamos, mais especializado e mais ortodoxo com a chamada coisa pública.
Dilma garantiu a esse interlocutor que terá um ministério de primeira
grandeza. Tomara. Em política, querer nem sempre é poder – mesmo quando
se está no poder. Até aqui, o querer da presidente ainda não se mostrou
autossuficiente. Nem seu discurso de candidata, que condenou banqueiros,
capitalistas e exploradores do povo, afinou-se com o de reeleita.
Sabe-se que se empenhou, sem êxito, em levar para o Ministério da
Fazenda um banqueiro, Luiz Carlos Trabuco, do Bradesco. E convidou dois
representantes de entidades patronais – os senadores Kátia Abreu, da
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), e Armando
Monteiro, da Confederação Nacional da Indústria (CNI) – respectivamente
para as pastas da Agricultura e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior.
A presidente sabe que seu partido, o PT, não dispõe de quadros técnicos
para funções que envolvem produção e verba – e com isso não se brinca.
Tem que buscar nomes na seara que, ao tempo das eleições, considera,
ainda que de mentirinha, inimiga.
Nem por isso, deixa de tensionar ainda mais suas relações com a banda
mais radical de seu partido. Não é crível que o MST ou a Funai absorvam,
sem ranger de dentes, a escolha da senadora Kátia Abreu para o
Ministério da Agricultura.
Mas terão que conviver. O agronegócio, afinal, é hoje o setor de ponta
da economia, responsável pelos superávits na balança comercial do país e
por 30% dos empregos formais. Essa não é a única contradição do futuro
governo – mas é emblemática.
De um lado, o governo, via Foro de São Paulo, chancela convênio entre
MST e governo venezuelano, para que este treine aquele (treine para
quê?). De outro, prestigia uma entidade patronal da agricultura para
assumir o comando da política do setor. Terá a seu lado, assim,
invasores e invadidos.
Mas a caixa-preta da Petrobrás, em que pese a segurança transmitida
pela presidente quanto ao desfecho das investigações, continua sendo um
nervo exposto. Há uma fila de mais de dez delações premiadas, que tende a
aumentar.
Já se fala em fornecer senha aos que postulam a delação, tendo em vista
o tamanho da fila. Ninguém quer virar Marcos Valério, que, quando se
decidiu por delatar os comparsas, já não era mais necessário. Pegou cana
dura, de quase 20 anos.
É preferível cumpri-la em casa, mesmo com coleira eletrônica na perna,
sem direito a saídas noturnas. Diante disso, e da disposição do TCU de
considerar inidôneas as empreiteiras enquadradas – o que as baniria das
obras públicas por pelo menos cinco anos -, não se sabe o que dirão os
delatores dessas empresas no confessionário judicial que os aguarda.
O anúncio da equipe econômica, que se aguarda para as próximas horas,
pode momentaneamente tranquilizar o mercado. Mas as investigações em
curso e as que se prenunciam, como desdobramento, em outras estatais –
Eletrobras, BNDES e fundos de pensão, por exemplo – mantêm acesa a chama
da instabilidade.
À presidente, resta fazer o que está fazendo: vivendo biblicamente a
agonia de cada dia. Sobreviveu ao de ontem; sobreviverá ao de hoje – e
assim por diante. Se olhar o abismo em toda a sua dimensão, talvez
desista. O jeito é olhar para cima e continuar sua escalada. A crise.
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