Raghu Karnad - TINYT
Anupam Nath/AP
Menina indiana procura materiais reutilizáveis em lixão em Gauhati, na Índia
A colina cinzenta de Bhalswa, no norte da cidade, primeiro se torna visível da plataforma elevada da última estação do metrô da linha norte. Daquela distância, ela parece uma formação natural, uma espécie de mesa deprimente com pipas pretas voando sobre ela. Apenas com a aproximação é que é possível ver que se trata de uma colina de lixo: comprimido e deteriorado na base. mas no alto, repleto de fitas cinzas de polietileno e pixelado com embalagens brilhantes.
De certo modo, é uma
visão do futuro: a etapa final da economia de consumo da Índia, que está
produzindo lixo em uma taxa com a qual não estamos equipados para
lidar. Déli sozinha despeja pelo menos 7 mil toneladas cúbicas de lixo
por dia. Os quatro aterros sanitários que se erguem em torno da capital,
dos quais Bhalswa é um, chegam à altura de prédios de 10 andares.
Logo após Narendra Modi ter sido eleito primeiro-ministro no ano passado, ele sinalizou que o saneamento seria uma prioridade –-a prioridade-– de seu programa social. Em outubro, Modi lançou a campanha Swachh Bharat Abhiyan, uma série de políticas e apelos públicos visando criar uma "Índia Limpa" ao final de seu mandato. Foi ordenado o apoio das empresas para redução da defecação a céu aberto, enquanto o público em geral foi encarregado de reciclar e erradicar o lixo. Em abril, Modi pediu em uma reunião de ministros de Estado que ajudassem a gerar "riqueza a partir do lixo".
Após fazer seu anúncio em outubro, Modi varreu pessoalmente algumas folhas e lixo. Ele então nomeou nove figuras públicas para fazerem o mesmo, e pediu a cada uma delas que nomeasse outras nove –-provocando uma breve reação em cadeia de conscientização e manuseio desajeitado de vassoura. Ele prometeu gastar duas horas por semana limpando seus arredores, um compromisso que repercutiu pelos corredores do governo e pelos pátios escolares por todo o país.
Passados 10 meses, as lixeiras de rua e bairros permanecem tão vazias como sempre e é a campanha de Modi que parece ter sido descartada. O primeiro-ministro não é mais visto varrendo, e sem seu exemplo, os demais também não. Um esforço nacional por voluntários de classe média resultou em um grande espetáculo inaugural. Mas era improvável que durasse mais que a atenção ao seu hashtag na rede social.
Enquanto isso, os milhões de indianos que diariamente realizam a tarefa de coletar, separar e reduzir o lixo da Índia foram deixados de lado pela campanha do governo. Esses são os pobres urbanos cujo sustento depende da recuperação e venda de qualquer coisa com valor residual. Eles são tratados como catadores ou trapeiros: palavras que descrevem seu desespero, mas não seu valor.
Na verdade, eles são os principais recicladores da Índia e a força de trabalho ideal para a agenda de Modi. Estima-se que cheguem a 350 mil apenas em Déli. O trabalho deles já abranda nossa crise do lixo, e se ingressassem oficialmente na cadeia municipal de gestão do lixo, a Índia poderia realmente se tornar mais limpa.
Em Bhalswa, os lados da colina estão rampados, produzindo uma rota até o topo para os caminhões de lixo. Em uma visita em maio, o platô, com 16 mil a 20 mil metros quadrados, estava repleto de atividade. Centenas de pessoas estavam trabalhando. Havia vacas, dezenas delas, se alimentando de cascas de frutas. Um odor acre tomava conta do local. Nomes de marcas –-Oreo, Haldirams, Tampaz-– se destacavam do lixo compactado sob os pés.
Mustafa, um sexagenário com barba grisalha e boné, estava afastado da atividade principal. Ele conhece seu lixo. "Vê esta fibra de coco?" ele disse, pegando um tufo em uma pilha. "Isso pode ser usado para encher colchonetes baratos, que saem por apenas poucas centenas de rupias."
Mustafa puxou um pano de uma fardo aos seus pés. "Este trapo é misturado à pasta de papel para jornais." Plástico de baixa qualidade é reduzido a grânulos, que são usados na produção de baldes e mangueiras. Gravetos e galhos dos parques e jardins de Déli são revendidos como lenha.
Com o guia certo, a cena no topo do aterro de Bhalswa deixa de parecer o apocalipse e passa a parecer vagamente como uma aldeia em época de colheita. Na área mais movimentada, onde caminhões despejam o lixo, mulheres com enxadas e picaretas abrem e reviram as pilhas. Havia um padrão de cooperação na forma como os recicláveis eram embalados e transportados.
Este lixo já foi revirado à procura de recicláveis duas ou três vezes. Mesmo assim, no alto da rampa, os fardos e pilhas de material recuperado se acumulavam. Ficou claro que o trabalho dos catadores é impressionantemente produtivo. "Se este trabalho no lixo deixasse de ocorrer", disse Mustafa, "milhares de moinhos, milhares de fábricas parariam. Todos funcionam a base de lixo".
É claro, Bhalswa é um local terrível para ganhar a vida. O lixo chega não separado, de modo que os trabalhadores reviram uma lama orgânica decomposta e dejetos insalubres, incluindo fraldas sujas e lixo médico. Eles cortam suas mãos com lâminas, cacos de vidro e farpas. Mas se o trabalho no lixo é uma atividade repulsiva e perigosa, isso se deve principalmente às condições impostas e ao estigma associado.
Ele é cada vez mais proibido pelas municipalidades, que preferem contratar empresas e o descarte mecânico, ainda mais desde o início da campanha de Modi. O foco da campanha em resultados cosméticos resulta em minar o trabalho dos indianos que, ao ganharem a vida com nosso lixo, reduzem os custos reais de nosso consumo.
Qualquer plano para cidades indianas mais limpas –-em vez de apenas mais bonitas-– terá que envolver os catadores de lixo, não excluí-los. Projetos-piloto em Déli, Pune e em outros locais encontraram formas de integrá-los no processo municipal e tornar a ocupação mais higiênica, mais produtiva e melhor para o meio ambiente.
Um problema central do trabalho é que ele acontece nos locais destinados ao lixo, não para pessoas que separam o lixo. O Sefai Sena, ou Exército de Limpeza, é um grupo registrado de catadores de Nova Déli que administra as instalações onde os trabalhadores podem espalhar, separar, lavar e embalar os recicláveis, em vez de andar em meio a lixo até o queixo e o separar no caminho. Os terrenos para seus barracões foram concedidos por agências diferentes: a ferrovia, por exemplo, montou um para processamento do lixo da Estação Nova Déli. Para possibilitar isso em uma escala maior, os planos de desenvolvimento urbano precisam destinar espaço para reciclagem descentralizada, assim como fazem para outras empresas de utilidade pública.
Em Pune, a coletividade de catadores de lixo SWaCH lidera no estabelecimento de acesso formal ao lixo municipal. Como outros grupos de catadores de lixo, este busca tornar universal a coleta de lixo de porta em porta, e ser remunerada como um serviço profissional, em vez de receber esmolas patéticas. A prefeitura agora fornece a esses trabalhadores cobertura de saúde e registro legal para protegê-los de assédio policial.
Os sindicatos de catadores de lixo contataram as associações de moradores para formalizar a forma como o lixo é recolhido, assim como grandes empresas manufatureiras, para quem podem vender o material reciclado. Até o momento o governo tem se mostrado indiferente. Mas se Modi fala sério sobre criar riqueza a partir do lixo da Índia, há uma força de trabalho aguardando por ele.
Indianos realizam ritual religioso na água
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Logo após Narendra Modi ter sido eleito primeiro-ministro no ano passado, ele sinalizou que o saneamento seria uma prioridade –-a prioridade-– de seu programa social. Em outubro, Modi lançou a campanha Swachh Bharat Abhiyan, uma série de políticas e apelos públicos visando criar uma "Índia Limpa" ao final de seu mandato. Foi ordenado o apoio das empresas para redução da defecação a céu aberto, enquanto o público em geral foi encarregado de reciclar e erradicar o lixo. Em abril, Modi pediu em uma reunião de ministros de Estado que ajudassem a gerar "riqueza a partir do lixo".
Após fazer seu anúncio em outubro, Modi varreu pessoalmente algumas folhas e lixo. Ele então nomeou nove figuras públicas para fazerem o mesmo, e pediu a cada uma delas que nomeasse outras nove –-provocando uma breve reação em cadeia de conscientização e manuseio desajeitado de vassoura. Ele prometeu gastar duas horas por semana limpando seus arredores, um compromisso que repercutiu pelos corredores do governo e pelos pátios escolares por todo o país.
Passados 10 meses, as lixeiras de rua e bairros permanecem tão vazias como sempre e é a campanha de Modi que parece ter sido descartada. O primeiro-ministro não é mais visto varrendo, e sem seu exemplo, os demais também não. Um esforço nacional por voluntários de classe média resultou em um grande espetáculo inaugural. Mas era improvável que durasse mais que a atenção ao seu hashtag na rede social.
Enquanto isso, os milhões de indianos que diariamente realizam a tarefa de coletar, separar e reduzir o lixo da Índia foram deixados de lado pela campanha do governo. Esses são os pobres urbanos cujo sustento depende da recuperação e venda de qualquer coisa com valor residual. Eles são tratados como catadores ou trapeiros: palavras que descrevem seu desespero, mas não seu valor.
Na verdade, eles são os principais recicladores da Índia e a força de trabalho ideal para a agenda de Modi. Estima-se que cheguem a 350 mil apenas em Déli. O trabalho deles já abranda nossa crise do lixo, e se ingressassem oficialmente na cadeia municipal de gestão do lixo, a Índia poderia realmente se tornar mais limpa.
Em Bhalswa, os lados da colina estão rampados, produzindo uma rota até o topo para os caminhões de lixo. Em uma visita em maio, o platô, com 16 mil a 20 mil metros quadrados, estava repleto de atividade. Centenas de pessoas estavam trabalhando. Havia vacas, dezenas delas, se alimentando de cascas de frutas. Um odor acre tomava conta do local. Nomes de marcas –-Oreo, Haldirams, Tampaz-– se destacavam do lixo compactado sob os pés.
Mustafa, um sexagenário com barba grisalha e boné, estava afastado da atividade principal. Ele conhece seu lixo. "Vê esta fibra de coco?" ele disse, pegando um tufo em uma pilha. "Isso pode ser usado para encher colchonetes baratos, que saem por apenas poucas centenas de rupias."
Mustafa puxou um pano de uma fardo aos seus pés. "Este trapo é misturado à pasta de papel para jornais." Plástico de baixa qualidade é reduzido a grânulos, que são usados na produção de baldes e mangueiras. Gravetos e galhos dos parques e jardins de Déli são revendidos como lenha.
Com o guia certo, a cena no topo do aterro de Bhalswa deixa de parecer o apocalipse e passa a parecer vagamente como uma aldeia em época de colheita. Na área mais movimentada, onde caminhões despejam o lixo, mulheres com enxadas e picaretas abrem e reviram as pilhas. Havia um padrão de cooperação na forma como os recicláveis eram embalados e transportados.
Este lixo já foi revirado à procura de recicláveis duas ou três vezes. Mesmo assim, no alto da rampa, os fardos e pilhas de material recuperado se acumulavam. Ficou claro que o trabalho dos catadores é impressionantemente produtivo. "Se este trabalho no lixo deixasse de ocorrer", disse Mustafa, "milhares de moinhos, milhares de fábricas parariam. Todos funcionam a base de lixo".
É claro, Bhalswa é um local terrível para ganhar a vida. O lixo chega não separado, de modo que os trabalhadores reviram uma lama orgânica decomposta e dejetos insalubres, incluindo fraldas sujas e lixo médico. Eles cortam suas mãos com lâminas, cacos de vidro e farpas. Mas se o trabalho no lixo é uma atividade repulsiva e perigosa, isso se deve principalmente às condições impostas e ao estigma associado.
Ele é cada vez mais proibido pelas municipalidades, que preferem contratar empresas e o descarte mecânico, ainda mais desde o início da campanha de Modi. O foco da campanha em resultados cosméticos resulta em minar o trabalho dos indianos que, ao ganharem a vida com nosso lixo, reduzem os custos reais de nosso consumo.
Qualquer plano para cidades indianas mais limpas –-em vez de apenas mais bonitas-– terá que envolver os catadores de lixo, não excluí-los. Projetos-piloto em Déli, Pune e em outros locais encontraram formas de integrá-los no processo municipal e tornar a ocupação mais higiênica, mais produtiva e melhor para o meio ambiente.
Um problema central do trabalho é que ele acontece nos locais destinados ao lixo, não para pessoas que separam o lixo. O Sefai Sena, ou Exército de Limpeza, é um grupo registrado de catadores de Nova Déli que administra as instalações onde os trabalhadores podem espalhar, separar, lavar e embalar os recicláveis, em vez de andar em meio a lixo até o queixo e o separar no caminho. Os terrenos para seus barracões foram concedidos por agências diferentes: a ferrovia, por exemplo, montou um para processamento do lixo da Estação Nova Déli. Para possibilitar isso em uma escala maior, os planos de desenvolvimento urbano precisam destinar espaço para reciclagem descentralizada, assim como fazem para outras empresas de utilidade pública.
Em Pune, a coletividade de catadores de lixo SWaCH lidera no estabelecimento de acesso formal ao lixo municipal. Como outros grupos de catadores de lixo, este busca tornar universal a coleta de lixo de porta em porta, e ser remunerada como um serviço profissional, em vez de receber esmolas patéticas. A prefeitura agora fornece a esses trabalhadores cobertura de saúde e registro legal para protegê-los de assédio policial.
Os sindicatos de catadores de lixo contataram as associações de moradores para formalizar a forma como o lixo é recolhido, assim como grandes empresas manufatureiras, para quem podem vender o material reciclado. Até o momento o governo tem se mostrado indiferente. Mas se Modi fala sério sobre criar riqueza a partir do lixo da Índia, há uma força de trabalho aguardando por ele.
Indianos realizam ritual religioso na água
30.out.2014
- Devotos hindus rezam na água do Mar da Arábia em celebração ao deus
sol Surya durante festival religioso "Chatt Puja, em Mumbai, Índia Danish Siddiqui/ Reuters
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