Philippe Ridet - Le Monde
Nadia Shira Cohen/The New York Times
Ignazio Marino, prefeito de Roma, em seu gabinete
Virou um novo gênero fotográfico na Cidade Eterna: imortalizar sacos de lixo empilhados em um canto de rua, já vasculhados pelas gaivotas; ou um grande buraco na calçada; ou matinhos crescendo entre os paralelepípedos; ou um canteiro de obras abandonado; ou uma fila de espera no aeroporto de Fiumicino que teve um terminal parcialmente devastado por um incêndio; ou uma praça pública amarelada pelo verão; ou ainda um trem de subúrbio ou um ônibus lotado, se possível sem ar condicionado e que chegou com uma hora de atraso. O jornal de esquerda "La Repubblica", depois de convidar seus leitores a enviarem seus registros sobre o "degrado di Roma" (a degradação de Roma), recebeu 300 fotos em um final de semana.
Desde o bairro de Bravetta, na zona oeste da cidade, até o de Centocelle, a leste, a capital italiana é só desolação. Enquanto sua rival Milão se embeleza como efeito da Exposição Universal, Roma e suas instituições parecem incapazes de administrar o dia a dia de uma cidade de 3 milhões de habitantes que se espalham por uma área de 1.200 quilômetros quadrados, ou dez vezes o tamanho de Paris. É de se perguntar se ela conseguirá receber o Ano Santo decretado pelo papa Francisco a partir de 8 de dezembro, uma vez que o último evento desse tipo, o Jubileu do Ano de 2000, atraiu 30 milhões de peregrinos. Poderão ser criados 5 mil empregos para a ocasião, e 10 bilhões de euros são esperados de retorno... se tudo correr bem.
Seria o caso de um caos organizado, um descuido crônico, ou uma
indiferença generalizada? A reputação da cidade, que já não é das
melhores, hoje está quase aniquilada. Alguns exemplos aleatórios
colhidos nos últimos dias incluem: um vagão de uma das duas linhas de
metrô que rodou de portas abertas, e quando os passageiros tentaram soar
o alarme, este se revelou quebrado; centenas de turistas que se
depararam com as portas fechadas do Coliseu, o monumento mais visitado
da Itália, porque parte dos funcionários estavam reunidos em uma
assembleia sindical; um condutor da linha Roma-Ostia que esteve muito
próximo de ser linchado pelos passageiros furiosos, por causa de mais um
atraso na linha que leva até a praia. No caso, o trem foi apedrejado.
O culpado, todos conhecem. Seu nome? Ignazio Marino, o prefeito. Eleito em junho de 2013, através do Partido Democrata (centro-esquerda), esse austero cirurgião de 60 anos, especialista em transplantes, queria salvar a cidade do declínio, mas aparentemente ele foi carregado junto com ele. O azar foi que um ano depois de se instalar no Capitólio estourou o escândalo da "Mafia Capitale", a revelação de uma rede tentacular de criminosos, políticos e funcionários públicos que levavam sua parte nos contratos públicos de transportes, coleta de lixo e espaços verdes, todos os setores que hoje se encontram afetados. Dezenas de milhões de euros foram desperdiçados durante o mandato de seu antecessor, o que é muito para uma administração cuja dívida estrutural chega a quase 10 bilhões de euros.
"Infiltrações mafiosas"
Ao querer fazer uma faxina, o prefeito arrumou muitos inimigos, que vão desde os motoristas de táxi, cujo número ele quis aumentar, até os donos de restaurantes, cujos terraços ele quis diminuir, passando pelos vendedores ambulantes de bebidas, que ele quis expulsar dos principais pontos turísticos. Todos esses são poderosos lobbies, com bastante representatividade política, aos quais agora se juntam os funcionários da ATAC, a companhia municipal de transportes, cujos horários o prefeito decidiu controlar.
Segundo a imprensa, os 13 mil funcionários da companhia (o mesmo que a companhia aérea Etihad-Alitalia) trabalhariam em média 700 horas por ano, contra 1.200 em Milão. Haveria menos fiscais (300) do que diretores. E as oficinas de reparos só funcionam pela manhã... Resultado: o déficit da ATAC chega a 140 milhões de euros, 40% dos passageiros usam os transportes coletivos sem pagar passagem, e muitos ônibus estão quebrados.
O Ministério do Interior deverá em breve se pronunciar sobre a necessidade de colocar a cidade sob autoridade do governo central, após terem surgido suspeitas de "infiltrações mafiosas", e cresce a dúvida sobre a capacidade do prefeito de enfrentar a crise. Oito de seus assessores deixaram suas funções desde que ele tomou posse. A última, Silvia Scozzese, assessora de Finanças, deixou o cargo antes do fim de semana. As personalidades cogitadas para substituir as lacunas não estão com muita pressa de assumir os cargos, reticentes em ter de enfrentar a realidade de uma cidade exaurida.
Mas não importa o que ele faça, Ignazio Marino agora se tornou motivo de riso dos romanos, que, desde a época de César, sempre zombaram de suas elites. Ao ameaçar privatizar a companhia de transportes de Roma, ele provocou a seguinte reflexão irônica de um de seus antecessores, Francesco Rutelli: "Somente um emir sob o efeito de anfetaminas poderia comprar a ATAC."
Já o primeiro-ministro e secretário do Partido Democrata, Matteo Renzi, não se decide. Um dia ele apoia Ignazio Marino, outro ele o fragiliza. "Ou o prefeito se mostra capaz, ou ele volta para casa", disse ele em confidências reproduzidas "pela imprensa". "Roma não foi feita em um dia", respondeu-lhe Marino. Corre a ideia de levar o prefeito à renúncia e convocar novas eleições, só que no atual estado das pesquisas, isso equivaleria a entregar as chaves da cidade para o populista Movimento 5 Estrelas.
Um artigo publicado no dia 23 de julho na primeira página da edição internacional do "The New York Times" feriu o orgulho dos romanos. "Um novo declínio de Roma?", questionava o jornal americano. No domingo (26), o ator Alessandro Gassman, filho do célebre Vittorio, postou no Twitter a popular hashtag: "#iosonoroma" ("eu sou Roma"), convidando os moradores da cidade a pegarem em uma vassoura para limpar as ruas e recuperar seu orgulho perdido. Sem saber o que fazer para melhorar sua popularidade, Ignazio Marino apoiou a iniciativa. Irônicos e mordazes, alguns romanos questionam: "Já pagamos por esse serviço. Será que também vamos precisar dirigir os ônibus?"
O culpado, todos conhecem. Seu nome? Ignazio Marino, o prefeito. Eleito em junho de 2013, através do Partido Democrata (centro-esquerda), esse austero cirurgião de 60 anos, especialista em transplantes, queria salvar a cidade do declínio, mas aparentemente ele foi carregado junto com ele. O azar foi que um ano depois de se instalar no Capitólio estourou o escândalo da "Mafia Capitale", a revelação de uma rede tentacular de criminosos, políticos e funcionários públicos que levavam sua parte nos contratos públicos de transportes, coleta de lixo e espaços verdes, todos os setores que hoje se encontram afetados. Dezenas de milhões de euros foram desperdiçados durante o mandato de seu antecessor, o que é muito para uma administração cuja dívida estrutural chega a quase 10 bilhões de euros.
"Infiltrações mafiosas"
Ao querer fazer uma faxina, o prefeito arrumou muitos inimigos, que vão desde os motoristas de táxi, cujo número ele quis aumentar, até os donos de restaurantes, cujos terraços ele quis diminuir, passando pelos vendedores ambulantes de bebidas, que ele quis expulsar dos principais pontos turísticos. Todos esses são poderosos lobbies, com bastante representatividade política, aos quais agora se juntam os funcionários da ATAC, a companhia municipal de transportes, cujos horários o prefeito decidiu controlar.
Segundo a imprensa, os 13 mil funcionários da companhia (o mesmo que a companhia aérea Etihad-Alitalia) trabalhariam em média 700 horas por ano, contra 1.200 em Milão. Haveria menos fiscais (300) do que diretores. E as oficinas de reparos só funcionam pela manhã... Resultado: o déficit da ATAC chega a 140 milhões de euros, 40% dos passageiros usam os transportes coletivos sem pagar passagem, e muitos ônibus estão quebrados.
O Ministério do Interior deverá em breve se pronunciar sobre a necessidade de colocar a cidade sob autoridade do governo central, após terem surgido suspeitas de "infiltrações mafiosas", e cresce a dúvida sobre a capacidade do prefeito de enfrentar a crise. Oito de seus assessores deixaram suas funções desde que ele tomou posse. A última, Silvia Scozzese, assessora de Finanças, deixou o cargo antes do fim de semana. As personalidades cogitadas para substituir as lacunas não estão com muita pressa de assumir os cargos, reticentes em ter de enfrentar a realidade de uma cidade exaurida.
Mas não importa o que ele faça, Ignazio Marino agora se tornou motivo de riso dos romanos, que, desde a época de César, sempre zombaram de suas elites. Ao ameaçar privatizar a companhia de transportes de Roma, ele provocou a seguinte reflexão irônica de um de seus antecessores, Francesco Rutelli: "Somente um emir sob o efeito de anfetaminas poderia comprar a ATAC."
Já o primeiro-ministro e secretário do Partido Democrata, Matteo Renzi, não se decide. Um dia ele apoia Ignazio Marino, outro ele o fragiliza. "Ou o prefeito se mostra capaz, ou ele volta para casa", disse ele em confidências reproduzidas "pela imprensa". "Roma não foi feita em um dia", respondeu-lhe Marino. Corre a ideia de levar o prefeito à renúncia e convocar novas eleições, só que no atual estado das pesquisas, isso equivaleria a entregar as chaves da cidade para o populista Movimento 5 Estrelas.
Um artigo publicado no dia 23 de julho na primeira página da edição internacional do "The New York Times" feriu o orgulho dos romanos. "Um novo declínio de Roma?", questionava o jornal americano. No domingo (26), o ator Alessandro Gassman, filho do célebre Vittorio, postou no Twitter a popular hashtag: "#iosonoroma" ("eu sou Roma"), convidando os moradores da cidade a pegarem em uma vassoura para limpar as ruas e recuperar seu orgulho perdido. Sem saber o que fazer para melhorar sua popularidade, Ignazio Marino apoiou a iniciativa. Irônicos e mordazes, alguns romanos questionam: "Já pagamos por esse serviço. Será que também vamos precisar dirigir os ônibus?"
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