Pedro Ladeira/Folhapress | ||
O senador e presidente do PMDB, Romero Jucá, durante entrevista em seu gabinete |
Em depoimentos ao Ministério Público, ex-executivos da Odebrecht
afirmaram que, de 2005 a 2015, a empresa pagou propina, fez
contribuições oficiais ou doou por meio de caixa dois para tentar
influenciar o destino de pelo menos 20 atos do Legislativo e do
Executivo, em sua maioria a edição e a aprovação de medidas provisórias.
Os últimos acertos relatados pela empresa ocorreram quando a Operação Lava Jato já estava em andamento –trata-se da medida provisória 677 de 2015, que prorrogou contratos de energia de grandes indústrias no Nordeste.
Claudio Melo Filho, ex-diretor da empresa, diz que contribuições para o governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB), na campanha de 2014, eram, em parte, "contrapartida para o forte apoio [de seu pai, o senador Renan Calheiros] à renovação dos contratos de energia, que culminou na edição" do texto.
Ele relata ter tido reunião na residência oficial da presidência do Senado durante o trâmite da medida provisória "para reforçar a importância do tema para a empresa".
O exame dos depoimentos mostra que o trabalho do grupo se voltava principalmente para influenciar a elaboração de normas ligadas à tributação e à renegociação de dívidas com o governo.
Os movimentos da companhia eram articulados por uma dobradinha: Marcelo Odebrecht mantinha interlocução com o Executivo, e Melo Filho, com o Congresso.
Os principais contatos do grupo no período eram os ex-ministros da Fazenda Guido Mantega e Antonio Palocci.
Melo Filho tinha como seu maior interlocutor o senador Romero Jucá (PMDB-RR), a quem tratava como "resolvedor da República no Congresso". Ele diz ter pago, ao longo desse período, R$ 22 milhões ao peemedebista, que seriam divididos com Renan e com seu sucessor, Eunício Oliveira (PMDB-CE).
Em geral, os textos eram previamente discutidos por Odebrecht com integrantes do governo e, depois, Melo Filho atuava para ajustá-los e aprová-los no Congresso.
"Você aprovava uma coisa no Ministério da Fazenda e aí ia pro Congresso. Quando o pessoal no Congresso percebia que tinha interesse das empresas por trás, você sempre tinha que assumir um compromisso", disse Odebrecht aos investigadores.
Em pelo menos um dos depoimentos, ele usa a palavra "comprar" para descrever a ação da empreiteira em relação à aprovação das normas.
A narrativa da medida provisória 613 de 2013 funciona como espécie de manual da atuação da Odebrecht.
O texto, que criou o Reiq –programa que desonerou a compra de matérias primas por indústrias químicas, atendendo a interesses da Braskem–, foi acompanhado pelo grupo desde o início.
Em parte por causa dele, Odebrecht diz ter autorizado a inclusão de um crédito de R$ 100 milhões na planilha "Pós-Itália", que controlava os créditos de propina a que Mantega tinha direito em nome do PT e do governo.
Pulando do Executivo para o Legislativo, Melo Filho diz que, durante a tramitação, Jucá solicitou "apoio financeiro atrelado à aprovação do texto". O pagamento de R$ 7 milhões teria sido dividido com Renan e Eunício.
Na Câmara, Melo Filho relata que pagou "contribuições financeiras", entre outros, ao atual presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem a companhia pediu para acompanhar a tramitação.
OUTRO LADO
Em manifestações sobre a lista de inquéritos determinados pelo ministro Edson Fachin, Jucá sustenta que sempre atuou "dentro da legislação" e que teve suas contas eleitorais aprovadas. Renan disse que acredita que "os inquéritos serão arquivados por falta de provas".
Eunício afirma que a Justiça vai "apurar e distinguir mentiras e versões alternativas da verdade". Maia diz que "o processo vai comprovar que são falsas as citações". A defesa de Mantega já disse que as acusações são inverossímeis.
Normas em que Odebrecht diz ter exercido influência
Tipo: MP (Medida Provisória)
Nº 252/255
Ano: 2005
Assunto: Conhecidas como MP do Bem, pretendiam reduzir tributos sobre importação de nafta
Tipo: MP
Nº 449
Ano: 2008
Assunto: Ficou conhecida como 'MP das Dívidas'; alterava condições de parcelamento de débitos tributários
Tipo: MP
Nº 460
Ano: 2009
Assunto: Por meio de emenda, criou regime especial para pagamento de dívidas de IPI
Tipo: MP
Nº 462
Ano: 2009
Assunto: Outra das medidas que tentaram instituir parcelamento de IPI
Tipo: MP
Nº 470
Ano: 2009
Assunto: Chamada de "Refis da crise", também teve atuação da Odebrecht para facilitar o pagamento de dívidas de IPI
Tipo: MP
Nº 472
Ano: 2009
Assunto: Instituiu incentivos para a indústria petrolífera
Tipo: MP
Nº 544
Ano: 2011
Assunto: Criou regime de incentivo à indústria da defesa; companhia pediu alteração em classificação de produtos
Tipo: MP
Nº 563
Ano: 2012
Assunto: Alterou alíquota de contribuição previdenciária sobre folha de pagamento devida por empresas
Tipo: MP
Nº 579
Ano: 2012
Assunto: Emenda do relator Renan Calheiros estendeu prazo de fornecimento de energia barata a empresas no Nordeste
Tipo: MP
Nº 613
Ano: 2013
Assunto: Editada após conversa de Marcelo e Mantega, concedeu incentivos tributários à indústria química por meio do Reiq
Tipo: MP
Nº 627
Ano: 2013
Assunto: Alterou tributação sobre lucro de empresas brasileiras no exterior; texto foi mudado a pedido de Marcelo Odebrecht
Tipo: MP
Nº 651
Ano: 2014
Assunto: Parte do "Pacote de bondades", alterou regras do mercado financeiro; Jucá apresentou quatro emendas a pedido
Tipo: MP
Nº 656
Ano: 2014
Assunto: Emenda de Jucá prorrogou contratos de fornecimento de energia a grandes consumidores; texto foi vetado por Dilma
Tipo: MP
Nº 677
Ano: 2015
Assunto: Depois do veto, novo texto foi editado para prorrogar esses contratos
Tipo: MP
Nº 703
Ano: 2015
Assunto: A partir de pedido de Emilio Odebrecht, texto criou modelo para os acordos de leniência de empresas
Tipo: Resolução do Senado
Nº 72
Ano: 2010
Assunto: Texto encerrou a "Guerra dos Portos", acabando com incentivos que alguns Estados concediam a importados
Tipo: Projeto de lei
Nº 32
Ano: 2007
Assunto: Projeto alterava lei de licitações; empresa atuou para apresentar emendas, mas texto acabou arquivado em 2014
Tipo: Projeto de lei
Nº 6
Ano: 2009
Assunto: Texto estruturou o sistema brasileiro de defesa da concorrência
Tipo: Decreto
Nº 6683
Ano: 2008
Assunto: A pedido da empresa, texto isentou a produção residual de gasolina da cobrança da Cide-Combustíveis
Os últimos acertos relatados pela empresa ocorreram quando a Operação Lava Jato já estava em andamento –trata-se da medida provisória 677 de 2015, que prorrogou contratos de energia de grandes indústrias no Nordeste.
Claudio Melo Filho, ex-diretor da empresa, diz que contribuições para o governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB), na campanha de 2014, eram, em parte, "contrapartida para o forte apoio [de seu pai, o senador Renan Calheiros] à renovação dos contratos de energia, que culminou na edição" do texto.
Ele relata ter tido reunião na residência oficial da presidência do Senado durante o trâmite da medida provisória "para reforçar a importância do tema para a empresa".
O exame dos depoimentos mostra que o trabalho do grupo se voltava principalmente para influenciar a elaboração de normas ligadas à tributação e à renegociação de dívidas com o governo.
Os movimentos da companhia eram articulados por uma dobradinha: Marcelo Odebrecht mantinha interlocução com o Executivo, e Melo Filho, com o Congresso.
Os principais contatos do grupo no período eram os ex-ministros da Fazenda Guido Mantega e Antonio Palocci.
Melo Filho tinha como seu maior interlocutor o senador Romero Jucá (PMDB-RR), a quem tratava como "resolvedor da República no Congresso". Ele diz ter pago, ao longo desse período, R$ 22 milhões ao peemedebista, que seriam divididos com Renan e com seu sucessor, Eunício Oliveira (PMDB-CE).
Em geral, os textos eram previamente discutidos por Odebrecht com integrantes do governo e, depois, Melo Filho atuava para ajustá-los e aprová-los no Congresso.
"Você aprovava uma coisa no Ministério da Fazenda e aí ia pro Congresso. Quando o pessoal no Congresso percebia que tinha interesse das empresas por trás, você sempre tinha que assumir um compromisso", disse Odebrecht aos investigadores.
Em pelo menos um dos depoimentos, ele usa a palavra "comprar" para descrever a ação da empreiteira em relação à aprovação das normas.
A narrativa da medida provisória 613 de 2013 funciona como espécie de manual da atuação da Odebrecht.
O texto, que criou o Reiq –programa que desonerou a compra de matérias primas por indústrias químicas, atendendo a interesses da Braskem–, foi acompanhado pelo grupo desde o início.
Em parte por causa dele, Odebrecht diz ter autorizado a inclusão de um crédito de R$ 100 milhões na planilha "Pós-Itália", que controlava os créditos de propina a que Mantega tinha direito em nome do PT e do governo.
Pulando do Executivo para o Legislativo, Melo Filho diz que, durante a tramitação, Jucá solicitou "apoio financeiro atrelado à aprovação do texto". O pagamento de R$ 7 milhões teria sido dividido com Renan e Eunício.
Na Câmara, Melo Filho relata que pagou "contribuições financeiras", entre outros, ao atual presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem a companhia pediu para acompanhar a tramitação.
OUTRO LADO
Em manifestações sobre a lista de inquéritos determinados pelo ministro Edson Fachin, Jucá sustenta que sempre atuou "dentro da legislação" e que teve suas contas eleitorais aprovadas. Renan disse que acredita que "os inquéritos serão arquivados por falta de provas".
Eunício afirma que a Justiça vai "apurar e distinguir mentiras e versões alternativas da verdade". Maia diz que "o processo vai comprovar que são falsas as citações". A defesa de Mantega já disse que as acusações são inverossímeis.
*
LETRA VIVANormas em que Odebrecht diz ter exercido influência
Tipo: MP (Medida Provisória)
Nº 252/255
Ano: 2005
Assunto: Conhecidas como MP do Bem, pretendiam reduzir tributos sobre importação de nafta
Tipo: MP
Nº 449
Ano: 2008
Assunto: Ficou conhecida como 'MP das Dívidas'; alterava condições de parcelamento de débitos tributários
Tipo: MP
Nº 460
Ano: 2009
Assunto: Por meio de emenda, criou regime especial para pagamento de dívidas de IPI
Tipo: MP
Nº 462
Ano: 2009
Assunto: Outra das medidas que tentaram instituir parcelamento de IPI
Tipo: MP
Nº 470
Ano: 2009
Assunto: Chamada de "Refis da crise", também teve atuação da Odebrecht para facilitar o pagamento de dívidas de IPI
Tipo: MP
Nº 472
Ano: 2009
Assunto: Instituiu incentivos para a indústria petrolífera
Tipo: MP
Nº 544
Ano: 2011
Assunto: Criou regime de incentivo à indústria da defesa; companhia pediu alteração em classificação de produtos
Tipo: MP
Nº 563
Ano: 2012
Assunto: Alterou alíquota de contribuição previdenciária sobre folha de pagamento devida por empresas
Tipo: MP
Nº 579
Ano: 2012
Assunto: Emenda do relator Renan Calheiros estendeu prazo de fornecimento de energia barata a empresas no Nordeste
Tipo: MP
Nº 613
Ano: 2013
Assunto: Editada após conversa de Marcelo e Mantega, concedeu incentivos tributários à indústria química por meio do Reiq
Tipo: MP
Nº 627
Ano: 2013
Assunto: Alterou tributação sobre lucro de empresas brasileiras no exterior; texto foi mudado a pedido de Marcelo Odebrecht
Tipo: MP
Nº 651
Ano: 2014
Assunto: Parte do "Pacote de bondades", alterou regras do mercado financeiro; Jucá apresentou quatro emendas a pedido
Tipo: MP
Nº 656
Ano: 2014
Assunto: Emenda de Jucá prorrogou contratos de fornecimento de energia a grandes consumidores; texto foi vetado por Dilma
Tipo: MP
Nº 677
Ano: 2015
Assunto: Depois do veto, novo texto foi editado para prorrogar esses contratos
Tipo: MP
Nº 703
Ano: 2015
Assunto: A partir de pedido de Emilio Odebrecht, texto criou modelo para os acordos de leniência de empresas
Tipo: Resolução do Senado
Nº 72
Ano: 2010
Assunto: Texto encerrou a "Guerra dos Portos", acabando com incentivos que alguns Estados concediam a importados
Tipo: Projeto de lei
Nº 32
Ano: 2007
Assunto: Projeto alterava lei de licitações; empresa atuou para apresentar emendas, mas texto acabou arquivado em 2014
Tipo: Projeto de lei
Nº 6
Ano: 2009
Assunto: Texto estruturou o sistema brasileiro de defesa da concorrência
Tipo: Decreto
Nº 6683
Ano: 2008
Assunto: A pedido da empresa, texto isentou a produção residual de gasolina da cobrança da Cide-Combustíveis
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