O amplo modelo fluminense de corrupção
Os desmandos no estado compõem o quadro da
crise, mas o imprescindível combate à corrupção não reequilibra, por si
só, as finanças do Rio de Janeiro
O Globo
Numa perspectiva mais ampla, a política fluminense atingiu na quarta-feira
seu ponto mais baixo em 57 anos, desde que a Capital foi transferida
para Brasília, num processo de degradação regional que se acelerou com a
fusão, a partir da qual passou a haver o convívio próximo dos cariocas
com os usos e costumes mais provincianos da política do Estado do Rio.
É sugestivo que, ao fim do dia, quando foi à rua a Operação Quinto
do Ouro, estivessem presos cinco dos sete conselheiros do Tribunal de
Contas do Estado (TCE), entre eles seu presidente, Aloysio Neves, e
tivessem sido levados à força para depor o presidente da Assembleia
Legislativa (Alerj), Jorge Picciani (PMDB); o presidente da Federação
das Empresas de Ônibus (Fetranspor), Lélis Teixeira; o subsecretário de
Comunicação do Palácio Guanabara, Marcelo Santos Amorim, e o
proprietário da Masan, Marco Antonio de Lucca, fornecedora de alimentos
para o estado. Os detidos foram fazer companhia ao ex-governador Sérgio
Cabral e grupo.
O resultado das diligências de quarta é proporcional à importância
do delator, Jonas Lopes, presidente do TCE durante muito tempo, e que
fechou um acordo com o MP de colaboração premiada.
Não há registro, numa unidade importante da Federação, de que uma
investigação sobre corrupção haja atingido tantas peças de um grupo
político no poder. Podem até ser todos absolvidos, mas este é um
arrastão inédito. Também nunca se viu um esquema de corrupção regional
tão amplo a ponto de contaminar praticamente todo o Tribunal de Contas,
órgão auxiliar do Legislativo na fiscalização do uso do dinheiro do
contribuinte pelo Executivo. Sem escapar a própria Assembleia (Alerj),
por enquanto representada pelo seu presidente e líder máximo Jorge
Picciani (PMDB), também chefe de clã, com filhos na política, um deles
ministro de Temer — Leonardo, dos Esportes.
A Quinto do Ouro, referência ao imposto de 20% com que a Coroa
tributava o minério da colônia, investiga, entre outros assuntos,
propinas pagas a conselheiros, sob controle de Picciani, a partir da
liberação de recursos de um fundo do tribunal para ressarcir dívidas do
estado com fornecedores de alimentação a presos e adolescentes
internados. Há ainda denúncias sendo apuradas de comissões para não
haver fiscalização em certas obras, além de desvios de dinheiro do
RioCard, no transporte público.
O cardápio de desmandos é farto. Essas revelações da Quinto do Ouro
são produto da usina de corrupção montada pelo ex-governador Sérgio
Cabral, cujo desmantelamento estaria longe do fim.
O Rio de Janeiro enfrenta típica tempestade perfeita, em que o
Legislativo perde credibilidade, já escassa no governo de Luiz Fernando
Pezão. Mas não existe alternativa fora do enfrentamento dos problemas
pelos políticos que sobreviverem à razia. A situação das finanças
fluminenses é ruinosa, e, sem que os políticos trabalhem para fazer os
ajustes necessários, não haverá melhoras. Inexiste uma solução
milagrosa, indolor, vinda de Brasília. A corrupção fluminense, ampla,
sistêmica e estrutural é parte da crise. Mas o imprescindível combate a
ela não recuperará, por si só, a estabilidade financeira do estado.
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