Bolsonaro arrebata direita jovem e nordestina com ideologia 'pá, pá, pá'
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER/MARCUS LEONI - FSP
"MITO! MITO! MITO!"
Os gritos ricocheteiam no saguão do aeroporto de Natal (RN). Vêm de
centenas, talvez milhares de pessoas. Na maioria, jovens. Muitos são
universitários que votaram pela primeira vez quatro anos atrás, e em
Dilma Rousseff. Hoje dizem carregar duas coisas: um fardo (já ter eleito
o PT) e um herói em seus braços.
A multidão o levanta no ar e, com uma bandeira do Brasil estendida no
fundo, entrega-lhe balões verde-amarelos para estourar. O homem que
tanto cativa essa juventude nordestina é Jair Bolsonaro.
A cena que a Folha acompanhou no último dia 8, ao viajar de
Brasília à capital potiguar com o deputado do Partido Social Cristão,
não é um ponto fora da curva. "Bolsonaro é recepcionado no Recife como
popstar", cravou o "Diário de Pernambuco" já em 2015.
Dois meses atrás, a mídia piauiense registrou o alvoroço que se seguiu
ao pouso do parlamentar em Teresina, onde uma jornalista local foi
repelida aos berros de "mortadela!" e "Cinthia Lixo!" pelos militantes
pró-Bolsonaro.
A estes foi dado o apelido de "BolsoMinions", referência às criaturas amarelas que gostam de ajudar vilões na animação "Meu Malvado Favorito".
Eles se veem de outra forma: uma nova e orgulhosa direita que se cansou
"do discursozinho metido a besta da esquerda que prefere os marginais às
verdadeiras vítimas", nas palavras do "ex-marxista" Adriano, 17, e
agora quer um presidente "que fala o que muita gente no fundo pensa",
diz a estudante de direito Marina Medeiros, 22.
Bolsonaro foi a Natal a convite da União Nordestina de Produtores de
Cana. A matéria-prima da viagem, contudo, foi outra: política. Em evento
num hotel, é instado a apresentar sua visão para o país. Dança com as
palavras para não se assumir candidato à Presidência (a lei eleitoral
proíbe propaganda antecipada).
"Tenho certeza de que ano que vem vou vestir a faixa..." Pausa
dramática. "... do Botafogo campeão". É o time do coração do paulista de
Campinas radicado no Rio. É também um subterfúgio para tangenciar uma
ambição tratada abertamente nos bastidores.
Bolsonaro quer ser presidente do Brasil e acredita que a maré está a seu favor. Tem usado a cota parlamentar, que reembolsa despesas do mandato, para viagens afins à de Natal. A Câmara veta "gastos de caráter eleitoral".
O deputado pede que a reportagem confira se o translado foi debitado de
sua verba, o que foi impossível fazer, pois as contas do mês de junho
ainda estão em aberto.
"E se eu estiver gastando, vai estar sendo muito bem gasto este dinheiro
da Câmara, pois estou em condições de discutir com muita humildade
questões nacionais", diz, acrescentando que na quinta-feira em que se
deslocou ao Nordeste "não teve sessão em Brasília".
O que o sistema da Câmara mostra: de janeiro a meados de junho de 2017,
Bolsonaro pediu reembolsos que somam R$ 76.173,98. No período, foi o
487º menos "gastão" entre 542 deputados (o cálculo é maior do que os 513
membros da Casa pois considera aqueles que já deixaram o cargo e os
suplentes que assumiram).
ESTRELA
Em pesquisa Datafolha de abril,
pontuou 14% e 15% (em cenários com diferentes candidatos), empatado com
Marina Silva e só atrás de Lula. É no Nordeste que tem seu pior
desempenho regional (10%).
Mas é preciso levar em conta que estamos no bastião lulista por
excelência, diz o estudante de direito Alef Souza, 22. Ele conta que
votou em Levy Fidelix no último pleito e em Dilma em 2010. "Nem sempre
fui de direita." Agora que é, ganha cusparada na rua (aconteceu quando
usava um bottom escrito "a direita vive").
Aluno de universidade federal, Alef acha que os colegas esquerdistas
praticam um "comunismo de fachada", já que "só frequentam lugares da
alta sociedade" potiguar. Fora a "libertinagem" que aborrece o filho de
militar. "A esquerda se droga, transa com animal, com gente do mesmo
sexo."
Marina, a que gosta da falta de papas na língua de Bolsonaro, reclama de
preconceito que parte justamente de quem acusa de radicalismo seu
candidato. Não gosta da ideia de ter que gostar de Lula só por ser de
onde é. "Falam que sou uma nordestina burra por pensar diferente."
"Sempre falo: lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive fora de
feminismo", afirma Marina, que se afeiçoou por uma das propostas de
Bolsonaro –castração química para estupradores.
Ela aponta um garoto carregando uma faixa ("eu sou gay e Bolsonaro me
representa") para argumentar que uma minoria pode, por que não?, ser
conservadora.
No Facebook, Marina recentemente postou uma fala falsamente atribuída a
Hitler: "Nós somos socialistas, nós somos inimigos do sistema econômico
capitalista" (era na verdade de outro líder nazista).
O fato de Bolsonaro exaltar a ditadura militar não a perturba. Nem a ela
nem a Adriel, 16, fã de Michael Jackson, Enéas Carneiro e do deputado.
"Meus avós pegaram o regime do começo ao fim. Geral torturado? Dizem que
não viam isso. E que naquele tempo se podia andar na rua sem medo de
ser assaltado. Tem outro ponto também: ninguém fala que guerrilheiro
também fez coisa errada."
'BOLSONARISMO'
Na palestra, o convidado desfia seu corolário conservador de praxe.
Defende "um general que tivesse comandado colégio militar" no Ministério
da Educação.
Chama quatro mulheres à frente e lhes dá duas alternativas: se
pressentissem "maldade" num homem, prefeririam dizer (imita voz
feminina) "olha aqui a lei do feminicídio!" ou "sacar uma pistola e 'pá,
pá, pá'". A segunda opção é unânime.
"Ninguém vai combater a violência abraçando a lagoa Rodrigo de Freitas
ou soltando bolhinha de sabão com fumaça de maconha", afirma, sob olhos
vigilantes de seguranças com camisas que traziam o rosto do parlamentar e
as palavras "honra, moral, ética". Eles foram contratados pelo grupo
direitista Radar-RN, que em seu site se diz "em luta permanente contra a
CORRUPÇÃO e os MAUS COSTUMES".
Já para o final, diz que, "se um dia for candidato, não vai ser
ditadura". Depois compara a Comissão da Verdade, que teve sete
integrantes para investigar crimes do regime militar, como tortura, a
uma "cafetina que quer escrever sua biografia, escala sete prostitutas
e, no fim, é canonizada". O público aplaude e, vez ou outra, irrompe em
gritos de "a nossa bandeira jamais será vermelha!".
Bolsonaro sempre ostentou seu orgulho pela farda. À Folha, ainda
no embarque em Brasília, diz que o serviço militar é bom porque, entre
outras razões, ensina recrutas a usar "sr. e sra." e a ter higiene –é
pela falta dela "que mil jovens têm seus pênis amputados por ano",
lamenta, citando a Sociedade Brasileira de Urologia.
Ainda no aeroporto da capital federal, o deputado é tratado como
sensação. Mais de 50 pessoas pedem uma selfie. "De vez em quando tem uns
'xingões'", alerta. Não teve.
Só um rapaz o critica pelo voto a favor de legalizar a vaquejada,
antro de maus-tratos para entidades pró-direitos dos animais. "Mas
disse que esse tipo de boi tem até massagista. Até eu queria ser esse
boi!" O interlocutor cedeu.
Um senhor de barba grisalha se aproxima. "Sai pra lá, Karl Marx!",
brinca com Carlos Alberto Gomes, 63. Reencontraram-se por acaso, quatro
décadas após se formarem cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras.
Na época, não tinha essa de Bolsonaro, diz Gomes. "Ele era um atleta
sem comparação. A gente só o chamava de K-valão."
Já em Natal, o militar de reserva que chama seus cinco filhos pelo
número ("01, 02, 03, 04, 05!") conta que às vezes se pergunta: "O que
estou fazendo é coragem ou loucura? Prefiro dizer que é patriotismo".
Seus seguidores voltam com o coro de "MITO! MITO!". Alguns usam uma
camisa onde se lê: "Melhor Jair se Acostumando".
PÁ, PÁ, PÁ
A palestra pode ter sido promovida por plantadores de cana, mas Jair Bolsonaro não adocica seu discurso.
O deputado desfia seu corolário conservador de praxe. Defende um general
no Ministério da Educação. Dá às mulheres à frente duas alternativas:
se pressentissem "maldade" num homem, prefeririam dizer (imita voz
feminina) "olha aqui a lei do feminicídio!" ou "sacar uma pistola e 'pá,
pá, pá'".
"Ninguém vai combater a violência abraçando a lagoa Rodrigo de Freitas
ou soltando bolhinha de sabão com fumaça de maconha", afirma, sob olhos
vigilantes de seguranças com camisas que traziam o rosto do parlamentar e
as palavras "honra, moral, ética". Eles foram contratados pelo grupo
direitista Radar-RN, que em seu site se diz "em luta permanente contra a
CORRUPÇÃO e os MAUS COSTUMES".
"Se um dia for candidato, não vai ser ditadura", diz. Depois compara a
Comissão da Verdade, com sete integrantes que investigaram crimes da era
militar, como tortura, a uma "cafetina que, para escrever biografia,
escala sete prostitutas e, no fim, é canonizada".
Bolsonaro sempre ostentou seu orgulho pela farda. Ainda no embarque, diz
que o serviço militar é bom porque ensina recrutas a usar "sr. e sra." e
a ter higiene –é pela falta dela "que mil jovens têm seus pênis
amputados por ano", lamenta, citando a Sociedade Brasileira de Urologia.
Ainda no aeroporto brasiliense, o deputado é tratado como sensação. Mais
de 50 pessoas param para tirar uma foto. "Às vezes tem uns 'xingões'",
alerta. Não teve. Só um rapaz o critica pelo voto a favor da vaquejada,
antro de maus-tratos segundo entidades pró-direitos animais. "Mas disse
que esses bois têm até massagista. Até eu queria ser o boi!" O
interlocutor cedeu.
Um senhor de barba grisalha se aproxima. "Sai pra lá, Karl Marx!",
brinca com Carlos Alberto Gomes, 63. Reencontraram-se por acaso, quatro
décadas após se formarem cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras.
Na época, não tinha essa de Bolsonaro, diz Gomes. "Ele era um atleta
sem comparação. A gente só o chamava de K-valão."
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