Janot oferece denúncia contra Temer por corrupção passiva
Ex-deputado Rodrigo Rocha Loures também foi denunciado ao Supremo
André de Souza / Eduardo Bresciani - O Globo
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciou nesta
segunda-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF) o presidente Michel
Temer e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, que já foi seu assessor, por
corrupção passiva. Temer é acusado de ter recebido propina do
frigorífico JBS, usando Rocha Loures como intermediário. Janot solicitou
ainda que o presidente seja condenado a pagar uma indenização por danos morais no valor de R$ 10 milhões. No caso do ex-assessor, que se encontra preso desde 3 de junho, o valor pedido é de R$ 2 milhões. (LEIA AQUI A ÍNTEGRA DA DENÚNCIA)
Para que a denúncia seja aceita — o que transformará o presidente
em réu, afastando-o do cargo — é preciso primeiramente obter o aval de
dois terços dos deputados, ou seja, 342 dos 513. Depois, é necessário
ainda que a maioria dos 11 ministros do STF aceite a denúncia. Janot
pediu também a abertura de um novo inquérito contra Temer e Rocha Loures
para investigá-los por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em
possíveis irregularidades em um decreto presidencial que regula a
exploração de portos.
Segundo Janot, Temer usou Loures para receber R$ 500 mil de
propina paga por Joesley Batista, dono da JBS, que firmou acordo de
delação premiada. O presidente e o empresário se reuniram no Palácio do
Jaburu, onde Temer mora, em 7 de março deste ano. O encontro foi gravado
por Joesley sem conhecimento do presidente. Na reunião, Temer indicou
Rocha Loures como homem de confiança. Posteriormente, foi marcado um
encontro entre o ex-deputado e o executivo da JBS Ricardo Saud, quando o
dinheiro foi repassado.
"Além do efetivo recebimento do montante espúrio mencionado,
Michel Temer aceitou, em unidade de desígnios e por intermédio de
Rodrigo Santos da Rocha Loures, a promessa de vantagem indevida no
montante de R$ 38 milhões. Tais condutas revelam o crime de corrupção
passiva, praticado pelos denunciados”, argumentou Janot, acrescentando:
“As provas trazidas aos autos reforçam a narrativa dos colaboradores de
que em nenhum momento o destinatário final da propina era Rodrigo
Loures. A vantagem indevida, em verdade, destinava-se a Michel Temer, a
quem os colaboradores e o próprio Rodrigo Loures se referem como 'chefe'
ou 'Presidente'”.
“Rodrigo Loures representou os interesses de Michel Temer em
todas as ocasiões em que esteve com representantes do Grupo J&F.
Por meio dele, Michel Temer operacionalizou o recebimento de vantagens
indevidas em troca de favores pelo uso da estrutura e órgãos do Estado”,
afirmou o procurador-geral em outro ponto da denúncia.
"ESQUEMA ESPÚRIO", DIZ JANOT
Janot
também citou um dos trechos das conversas gravadas de Rocha Loures, na
qual ele diz que estavam obstruídos “os canais tradicionais” de propina:
José Yunes e o coronel aposentado da PM paulista João Baptista Lima
Filho, ambos amigos de Temer, corroborando a acusação de que o
presidente foi beneficiado.
"Tais fatos demonstram um esquema espúrio que envolve Michel Temer
e seus comparsas há alguns anos. Nesta ocasião específica, Rodrigo
Loures figurou como representante de Michel Temer, substituindo outros
que serviam como intermediários para recebimentos de propina
pretéritos”, afirmou Janot.
Temer é investigado por corrupção passiva, obstrução de
Justiça e organização criminosa. Mas, nesta primeira denúncia, Janot o
denunciou apenas por corrupção. No caso de obstrução, o procurador-geral
afirmou que é preciso mais tempo para analisar. Ele também solicitou o
compartilhamento das provas com outro inquérito que já investiga
políticos do PMDB por organização criminosa. Mas não houve ainda
solicitação para que Temer seja investigado conjuntamente nesse
processo.
O crime de obstrução de Justiça diz respeito à possível
compra do silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e
de seu operador, Lúcio Bolonha Funaro. Janot entende que são necessários
ainda esclarecimentos adicionais, mas desde logo se manifesta pela
manutenção da prisão preventiva dos dois e da prisão domiciliar de
Roberta Funaro, irmã de Lúcio.
REFERÊNCIA À CENA DE ROCHA LOURES COM MALA
A
acusação tem como base a delação de Joesley Batista. Na conversa que
teve com Temer, o empresário contou que “liquidou pendências” com Cunha e
Funaro; disse estar “segurando” dois juízes e ter comprado um
procurador que o investigava e pediu a Temer a apresentação de um
interlocutor para tratar de assuntos de seu interesse no governo. O
presidente apontou Rocha Loures, a quem definiu como de sua “mais
estrita confiança” e habilitado a falar de tudo.
Quanto ao crime de organização criminosa, Janot destacou um
inquérito já em curso no STF em que deputados do PMDB e pessoas próximas
são investigadas por esse delito. Segundo o procurador-geral, as
apurações do inquérito de Temer mostram que houve continuidade da
atividade da organização, com a possível participação também do próprio
presidente, Rocha Loures, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, o
ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, e o
ex-ministro Geddel Vieira Lima, todos do PMDB.
No caso do decreto dos portos, Janot apontou conversas
gravadas com autorização judicial em que Rocha Loures e o próprio
presidente da República tratam da questão. Janot argumenta que a
investigação poderia ser vinculada a um inquérito já existente no STF,
cujo relator é o ministro Marco Aurélio Mello. Esse inquérito já tinha
sido arquivado por falta de provas.
Para justificar o pedido de pagamento de indenização, Janot diz que Temer “ludibriou os cidadãos brasileiros
e, sobretudo, os eleitores, que escolheram a sua chapa para o cargo
político mais importante do país, confiando mais de 54 milhões de votos
nas últimas eleições”. Destacou também que, em menor dimensão, Rocha
Loures violou a dignidade do cargo de deputado federal.
“A cena do parlamentar correndo pela rua, carregando uma
mala cheia de recursos espúrios, é uma afronta ao cidadão e ao cargo
público que ocupava. Foi subserviente, valendo-se de seu cargo para
servir de executor de práticas espúrias de Michel Temer. Não há dúvida,
portanto, de que o delito perpetrado pelos imputados Michel Temer e
Rodrigo Loures, em comunhão de ação e unidade de desígnios, causou abalo
moral à coletividade, interesse este que não pode ficar sem reparação”,
escreveu Janot.
No documento, o procurador-geral entende que, antes do envio
da denúncia à Câmara, deve ser dado um prazo de 15 dias para que Temer e
Rocha Loures se manifestem. Depois, a Câmara irá analisar se dá
prosseguimento à denúncia. Caso não dê autorização, o caso ficará
suspenso enquanto Temer for presidente. Se a autorização for concedida,
um afastamento de Temer do cargo só ocorreria após o plenário do STF
decidir se recebe ou não a denúncia. Nesse caso, o afastamento seria por
180 dias para que o processo seja concluído. O presidente da Câmara,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), assumiria o posto interinamente.
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