O fechamento da consciência brasileira
Filipe G. Martins - MSM
Infelizmente, a frônese aristotélica parece não existir na esfera
pública brasileira: normalmente, ou se adota a postura engessada de um
true believer ou se adota um pragmatismo oportunista e completamente
destituído de considerações de ordem moral.
O problema é que, por um lado, valores que predeterminam
inflexivelmente as ações e as escolhas não são valores, mas sim
fetiches, e, por outro, que o tal do pragmatismo oportunista amortece as
sensibilidades, conduz à total atomização do comportamento e acarreta
na dissolução dos padrões morais mais elementares, resultando num
cinismo que trata com normalidade e indiferença as atitudes e as
opiniões mais desprezíveis e repugnantes.
Nos dois casos, a raiz do problema é a inépcia, a falta de prudência,
a completa ausência de sabedoria prática. O true believer nunca é capaz
de analisar um fato concreto objetivamente e, diante de qualquer
evento, parte para discussões abstratas e formalistas sobre os ideais,
os princípios, as normas e os direitos, sem jamais buscar entender
efetivamente o que aconteceu (ou está acontecendo) e o que está de fato
em jogo; sua ambição é sempre a de transformar a realidade, jamais a de
compreendê-la. O adepto do pragmatismo oportunista, por sua vez, nunca é
realmente pragmático, já que, incapaz de atinar com a forma geral dos
fenômenos e de compreender a relevância dos valores morais e das
mentalidades, acaba aprisionado numa ilusão de poder que sempre se
desmancha no ar.
No Brasil de hoje, a maioria das pessoas se encaixa em um desses dois
grupos. O utopismo irresponsável, ante-sala da mente revolucionária,
explica a revolta contra a realidade dos que desejam transformar um
mundo que não compreendem: cabe aí toda uma gama de pessoas, indo dos
idiotas úteis aos intelectuais orgânicos e aos ideólogos de alguma
proposta abstrata de mundo melhor. O falso realismo, expressão do
hedonismo materialista e da carnalidade, explica a mediocridade dos
carreiristas e dos dinheirtas: cabe aí toda uma gama de pessoas, indo
dos que colocam a subsistência no topo das suas preocupações aos
mafiosos que acreditam poder controlar tudo e todos apenas com dinheiro e
influência.
A crise e a miséria que vivemos no momento atual refletem, de alguma
maneira, o fechamento do nosso horizonte de consciência, de modo que
somos falsamente induzidos a acreditar que não há uma terceira opção: ou
escolhemos o utopismo jacobino e destruidor dos true believers; ou
escolhemos o cinismo do pragmatismo oportunista, aceitando a corrupção e
o aparelhamento estatal como situações permanentes e insuperáveis.
É verdade que hoje não temos uma terceira alternativa, mas se formos
capazes de reconhecer o estado atual das coisas, de refletir sobre
nossos erros e de recorrer à nossa inventividade, poderemos encontrá-la
ou mesmo criá-la. Em 2015, essa terceira alternativa existia, ainda que
em germe, nas ruas. Ela foi sacrificada em nome da falsa esperteza e da
mesquinharia, quando a hegemonia da capacidade de iniciativa foi
devolvida à classe política e aos operadores da máquina estatal, que
agora se digladiam em uma luta fratricida que tem tudo para acabar da
pior maneira possível para nós, seja lá qual for o seu desfecho.
O Brasil chegou a uma situação insustentável. Aqueles que não são
parte do conflito levaram um xeque-mate dos que são. A permanência do
Temer no governo é imoral e politicamente ruim, sua saída também. A
perspectiva de eleições indiretas não é nada animadora, a perspectiva de
eleições diretas menos ainda. A manutenção da propinocracia é
insustentável, a total destruição do esquema, por sua vez, criaria um
vácuo extremamente perigoso. Não há soluções e os problemas se
multiplicam dia após dia. Sem o resgate do que se perdeu em 2015 (e,
mais ainda, do que está perdido há algumas décadas), esse ciclo vai
continuar se repetindo por muitos e muitos anos e as principais vítimas
serão as pessoas comuns, com sonhos e aspirações comuns, que desejam
tocar a sua vida sem se preocupar excessivamente com a política e com a
politicagem. É deprimente, mas esta é a situação em que nos encontramos.
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