Editoria de Arte/Angelo Abu/Folhapress | ||
Confesso: sempre fui precoce em tudo. Exceto nisso que o leitor está pensando. Crise da meia-idade?
Sobrevivi. Tinha 27 ou 28 anos quando aconteceu. Subitamente, senti-me velho. O cabelo não tinha a pujança de outras eras. Havia uma barriga –pequena, terceiro mês de gravidez– a despontar pelos botões da camisa. Brinquedos ridículos, como motos ou carros esportivos, começaram a exercer o seu fascínio. E, aos 28, troquei a namorada de toda a vida por outra cinco anos mais nova.
Isso significa que, hoje, aos 41, estou basicamente na terceira idade. Há uma certa sensação de paz. Biologicamente, tudo funciona (mais ou menos). Mas minhas excitações principais são a sesta e os binóculos. Adoro espreitar o que os vizinhos fazem. Decadente?
Não julgue, leitor. Sobretudo se o leitor tem metade da minha idade. Porque decadente é o estado a que chegou a geração Y, que nasceu no fim do milênio.
Leio matéria no jornal "The New York Times" sobre "a crise do quarto de idade" (juro). Existe sigla inglesa para ela: Fomo, ou seja, "fear of missing out", ou seja, "medo de perder algo".
Conta Alex Williams, o autor, que os Estados Unidos deixaram de ser a "nação Prozac". Hoje, são a "nação Xanax" porque a depressão foi vencida pela ansiedade. A geração X, glosada por Richard Linklater no divino "Slacker" (um dos meus filmes da vida), vivia enterrada na anedonia e na ociosidade. Era inteligente mas indolente. Eu corrijo: era indolente porque inteligente.
A geração seguinte não sofre desse "spleen" abençoado. Sofre de uma angústia transbordante que a cultura pop explora como pode.
Informa Alex Williams que existem shows na Broadway sobre a ansiedade ("Dear Evan Hansen"); revistas dedicadas ao fenômeno (a "Anxy"; fui confirmar e fiquei com dor de cabeça); séries de TV a respeito ("Maniac"); e incontáveis livros nos quais os ansiosos relatam as suas experiências.
Não preciso de tanta informação. Eu costumo caminhar com os olhos abertos. Uma parte da minha vida é passada nas trincheiras, entre a soldadesca mais nova, na universidade ou nas redações.
Confirmo tudo. Têm 22 ou 23 anos. Em teoria, não há melhor idade. Na prática, não há pior.
Escutá-los é estar na presença de vítimas de estresse pós-traumático. Transportam remédios no bolso e, quando o momento chega, apagam-se (com ataques de pânico). Mais: os amigos já nem ligam. Os pais também não. Anos atrás, em Inglaterra, uma colega dizia-me que o filho –17 anos, família afluente, aluno top– conseguia antecipar o ataque, pedir ajuda e só depois desmaiar em paz. Havia orgulho naquela mãe.
Longe de mim parodiar com a saúde mental: piadas autobiográficas, não, obrigado. Além disso, não diabolizo nenhuma medicação e aplaudo os avanços da medicina para diagnosticar e tratar condições severas. Teremos sempre Paris? Desculpa, Bogart: teremos sempre farmácias. Mas a epidemia de Xanax responde apenas a casos severos? Ou é a cultura reinante que se tornou severa?
Alex Williams relembra, com razão: o nosso pobre cérebro reptiliano não aguenta o excesso de estímulos. É uma vida 24 horas ligada à rede. É o ruído constante, a excitação idem. São os pais que confundem os filhos com potros de competição.
Ou, como me disse um jovem estagiário de jornal, é a suspeita permanente de que algo vai acontecer –e ninguém está preparado para isso.
Vivemos em paz. A pobreza na Europa atingiu mínimos históricos. Os avanços da medicina deixariam os nossos antepassados em estado de choque. Mas a geração Y jamais poderia entrar no filme "Slacker".
Ela pertence a outro filme: penso em "O Abrigo", de Jeff Nichols.
A história de um homem que vive na expectativa de uma catástrofe iminente. Estresse pós-traumático? Corrijo o que escrevi. A geração Y sofre de estresse pré-traumático: antes do naufrágio (imaginário), já há afogados (reais).
Nessa conversa com o meu jovem colega de jornal, lembro-me de lhe ter dito: desliga o celular; dá descanso à internet; faz o teu trabalho com a plena noção de que é apenas trabalho; ignora o futuro porque o futuro ignora-te na mesma; perdoa os teus pais por quererem viver a vida que não tiveram através de ti; e, claro, acrescentei mais duas palavras mágicas: sesta e binóculos. O rapaz teve um ataque de pânico.
Sobrevivi. Tinha 27 ou 28 anos quando aconteceu. Subitamente, senti-me velho. O cabelo não tinha a pujança de outras eras. Havia uma barriga –pequena, terceiro mês de gravidez– a despontar pelos botões da camisa. Brinquedos ridículos, como motos ou carros esportivos, começaram a exercer o seu fascínio. E, aos 28, troquei a namorada de toda a vida por outra cinco anos mais nova.
Isso significa que, hoje, aos 41, estou basicamente na terceira idade. Há uma certa sensação de paz. Biologicamente, tudo funciona (mais ou menos). Mas minhas excitações principais são a sesta e os binóculos. Adoro espreitar o que os vizinhos fazem. Decadente?
Não julgue, leitor. Sobretudo se o leitor tem metade da minha idade. Porque decadente é o estado a que chegou a geração Y, que nasceu no fim do milênio.
Leio matéria no jornal "The New York Times" sobre "a crise do quarto de idade" (juro). Existe sigla inglesa para ela: Fomo, ou seja, "fear of missing out", ou seja, "medo de perder algo".
Conta Alex Williams, o autor, que os Estados Unidos deixaram de ser a "nação Prozac". Hoje, são a "nação Xanax" porque a depressão foi vencida pela ansiedade. A geração X, glosada por Richard Linklater no divino "Slacker" (um dos meus filmes da vida), vivia enterrada na anedonia e na ociosidade. Era inteligente mas indolente. Eu corrijo: era indolente porque inteligente.
A geração seguinte não sofre desse "spleen" abençoado. Sofre de uma angústia transbordante que a cultura pop explora como pode.
Informa Alex Williams que existem shows na Broadway sobre a ansiedade ("Dear Evan Hansen"); revistas dedicadas ao fenômeno (a "Anxy"; fui confirmar e fiquei com dor de cabeça); séries de TV a respeito ("Maniac"); e incontáveis livros nos quais os ansiosos relatam as suas experiências.
Não preciso de tanta informação. Eu costumo caminhar com os olhos abertos. Uma parte da minha vida é passada nas trincheiras, entre a soldadesca mais nova, na universidade ou nas redações.
Confirmo tudo. Têm 22 ou 23 anos. Em teoria, não há melhor idade. Na prática, não há pior.
Escutá-los é estar na presença de vítimas de estresse pós-traumático. Transportam remédios no bolso e, quando o momento chega, apagam-se (com ataques de pânico). Mais: os amigos já nem ligam. Os pais também não. Anos atrás, em Inglaterra, uma colega dizia-me que o filho –17 anos, família afluente, aluno top– conseguia antecipar o ataque, pedir ajuda e só depois desmaiar em paz. Havia orgulho naquela mãe.
Longe de mim parodiar com a saúde mental: piadas autobiográficas, não, obrigado. Além disso, não diabolizo nenhuma medicação e aplaudo os avanços da medicina para diagnosticar e tratar condições severas. Teremos sempre Paris? Desculpa, Bogart: teremos sempre farmácias. Mas a epidemia de Xanax responde apenas a casos severos? Ou é a cultura reinante que se tornou severa?
Alex Williams relembra, com razão: o nosso pobre cérebro reptiliano não aguenta o excesso de estímulos. É uma vida 24 horas ligada à rede. É o ruído constante, a excitação idem. São os pais que confundem os filhos com potros de competição.
Ou, como me disse um jovem estagiário de jornal, é a suspeita permanente de que algo vai acontecer –e ninguém está preparado para isso.
Vivemos em paz. A pobreza na Europa atingiu mínimos históricos. Os avanços da medicina deixariam os nossos antepassados em estado de choque. Mas a geração Y jamais poderia entrar no filme "Slacker".
Ela pertence a outro filme: penso em "O Abrigo", de Jeff Nichols.
A história de um homem que vive na expectativa de uma catástrofe iminente. Estresse pós-traumático? Corrijo o que escrevi. A geração Y sofre de estresse pré-traumático: antes do naufrágio (imaginário), já há afogados (reais).
Nessa conversa com o meu jovem colega de jornal, lembro-me de lhe ter dito: desliga o celular; dá descanso à internet; faz o teu trabalho com a plena noção de que é apenas trabalho; ignora o futuro porque o futuro ignora-te na mesma; perdoa os teus pais por quererem viver a vida que não tiveram através de ti; e, claro, acrescentei mais duas palavras mágicas: sesta e binóculos. O rapaz teve um ataque de pânico.
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