A eleição de extremistas na Europa e o angustiante ocaso da sociedade aberta
Juan Ramón Rallo - IMB
A
social-democracia europeia foi construída tendo por base um consenso ideológico
profundamente antiliberal, filho bastardo de um pacto silencioso entre
comunistas e fascistas. Não obstante, a
administração desse consenso social-democrata foi entregue a uma pequena elite
supostamente tecnocrática, a qual renunciou a todo e qualquer discurso ideológico
em prol do governismo.
Nenhum
partido majoritário jamais ousou contestar as bases desse consenso; jamais
houve uma batalha de ideias e de valores.
Ao contrário, todos os partidos se limitaram a assimilar esse consenso
com o intuito de maximizar suas chances de ascensão e de manutenção do poder.
Com
efeito, aqueles poucos que ousavam discordar da ideologia dominante e que
batalhavam para ao menos criar um debate mais aprofundado que questionasse a
própria essência dos valores e das ideias social-democratas eram imediatamente
tachados de reacionários contrários ao sistema — quando, na realidade, os
maiores reacionários eram justamente aqueles que estavam dispostos a tudo para
blindar um sistema claramente falido.
Sob
este arranjo, desde que a qualidade da gestão social-democrata não fosse
questionada pelo conjunto da população, o circo político seguiria funcionando
aparentemente bem. Porém, bastou as
benesses começarem a escassear para que umas poucas formações de inspiração
fascista ou comunista articulassem um discurso minimamente ideologizado e, com
isso, atraíssem os votos dos descontentes.
E isso já foi o suficiente para estremecer a falida tecnocracia europeia. Países como França, Grécia, Grã-Bretanha,
Dinamarca e até mesmo Alemanha elegeram
para o Parlamento Europeu um número recorde de políticos filiados a partidos
tidos como extremistas.
Os
especialistas foram rápidos em culpar a crise pela ascensão dessas formações
filocomunistas e filofascistas — e, com efeito, uma redução nas benesses tem
sua fatia de responsabilidade pela atual situação. Mas o problema de fundo é outro: se a maioria
da população associa a crise à necessidade de um antiliberalismo ainda maior é
porque as ideias antiliberais vêm sendo majoritárias na Europa há décadas.
Ou
seja: se a incerteza econômica deve ser combatida com um estatismo ainda maior é porque
os europeus já interiorizaram o discurso de que o estado tem de ser o provedor
supremo e de que a liberdade é uma ameaça.
Diferentemente de outros momentos da história, o problema europeu não é
que o Leviatã tenha a aproveitado a crise para crescer, mas sim que a maioria
da população tenha implorado para que o Leviatã crescesse.
Não
é à toa que o cerne do discurso das agremiações antiliberais que ascenderam com
força em quase toda a Europa é idêntico: a total aversão à sociedade aberta e
aos seus valores de tolerância, diversidade e voluntariedade. Desde a Frente Nacional da
França incitando o ódio aos imigrantes à Syriza da Grécia estimulando o
ódio aos capitais estrangeiros, passando por todos os distintos grupos de
extrema-esquerda que surgiram na Espanha e pelos neonazistas que ressurgiram
na Alemanha e que são proeminentes na Grécia,
todos têm o objetivo de asfixiar e reprimir radicalmente os poucos resquícios
de liberdade que não foram destruídos pelo consenso social-democrata que governa
a Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
A
maioria dos europeus não pensa hoje de maneira substantivamente distinta de
como pensava há dez anos; o cerne de suas ideias segue sendo o mesmo. O que mudou é que, há dez anos, todos estavam
bem assistidos por um estado provedor que dizia não haver limites para suas
benesses; hoje as benesses se exauriram e a inevitável realidade econômica se
impôs. O fato de que os recursos são escassos
e não podem ser criados por meras palavras de políticos e burocratas é algo que
está sendo sentido na pele pelos europeus.
E essa realidade bastou para que eles optassem por diminuir seu apoio à
tecnocracia dominante e abraçar partidos ideologicamente mais radicais.
A
questão é que as ideias liberais foram completamente banidas da cena política
europeia durante a segunda metade do século XX, trucidadas pelo consenso
social-democrata que foi erigido em torno de um dadivoso e corruptor estado de
bem-estar social. Reconstruir as ideias liberais
não é algo que levará alguns anos, mas sim várias décadas: e décadas de espera
é um luxo ao qual o Velho Continente simplesmente não pode se dar.
O
Velho Continente é velho no pior sentido do termo: sua população tem uma visão
voltada apenas para o curto prazo, sua demografia está estagnada e já não há
ilusões quanto ao futuro. A adoção
maciça de ideias antiliberais gerou uma mentalidade anti-empreendedorial na
qual as pessoas visam apenas a consumir o capital que foi acumulado durante
gerações, assim como a terceira geração de novos ricos dilapida a fortuna
acumulada pela família. E é isso que
existe hoje na Europa: uma crescente geração de aposentados que aspira apenas a
seguir coletando sua pensão garantida pelo estado e uma minguante geração de
jovens desanimados e sem aspirações cuja opção mais racional é deglutir
politicamente o capital legado por seus pais.
E
é exatamente por isso que não há nenhum risco de uma revolução convencional,
pois essa não interessa a ninguém. O
verdadeiro risco é que haja a consolidação irremediável do atual regime
espoliador, agora sob um legitimador verniz de regeneração democrática; um
sofisticado chavismo à moda europeia que renove a arena do circo e volte a
distribuir benesses à custa da liberdade presente e da prosperidade
futura.
Nenhum
partido majoritário ousa combater ideologicamente essa opção pela degeneração
estatista essencialmente porque o cerne de suas ideias é o mesmo. E isso os levou a uma sinuca de bico: de um
lado, a manutenção de seus mandatos depende de que a recuperação econômica se
consolide e que haja um arrefecimento dos movimentos extremistas; para isso,
eles terão de adotar um pouco da agenda assistencialista defendida pelos
extremistas. Só que, quanto mais
exigências assistencialistas forem feitas e atendidas, menores serão os
fundamentos para uma recuperação sólida, pois maiores serão a espoliação e a
destruição generalizada de capital (impostos, desvalorizações, inflação,
controles de capital, aumento de impostos, tarifas etc.), o que aumenta o risco
de esses partidos majoritários serem desalojados do poder.
Daí
todo o temor com a ascensão dos partidos extremistas, que prometem a ampliação
das mesmas benesses assistencialistas defendidas pelos partidos tradicionais,
só que com um grau de populismo um pouco mais irresistível para as massas.
Esta
talvez seja a pior consequência da social-democracia: quando os recursos se
exaurem e as benesses deixam de ser redistribuídas, os extremistas adquirem
proeminência.
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