João Bosco Rabello - OESP
A duas semanas da Copa, a reação da presidente Dilma Rousseff aos distúrbios de rua ainda é o de que “na Copa não haverá baderna”. Por essa declaração deve-se compreender que ao apito inicial do juiz do primeiro jogo, as forças de segurança saberão como agir contra o vandalismo.
Na vida real, o governo adia medidas que podem ter efeito colateral
negativo, como o faz na economia, para evitar danos eleitorais. É o que
explica a desistência em relação ao projeto que estabeleceria regras
para as manifestações, abandonado pelo ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo.
O projeto estabeleceria regras vigentes nos países mais desenvolvidos, como a imposição de agendamento de manifestações de protesto junto à autoridade pública, proibição de máscaras que escondem a identidade de vândalos – uma microlegislação, a rigor dispensável, por redundante, mas que, de toda a forma, sublinharia direitos e deveres de manifestantes.
Com essa providência, a força policial teria mais segurança para exercer seu papel, cujo ponto essencial é saber os limites da repressão, quando deve dar o primeiro passo, de que forma, e garantir os direitos daqueles que não estão alinhados com qualquer movimento.
A jornalista Márcia Zarur, da rádio CBN, viu-se ontem, nas manifestações em Brasília, no papel duplo de testemunha e profissional, ao levar os filhos para ver a taça em exposição no estádio Mané Garrincha, que receberá jogos da Copa.
Acuada no automóvel com a família, na luta campal que se estabeleceu entre policiais, militantes contra a Copa e índios, percebeu que a linha de isolamento feita pela polícia militar entre os manifestantes e os visitantes da exposição foi feita muito próxima do estádio, interpretando corretamente essa falha como sinal de que a polícia fora surpreendida pela passeata.
A observação da jornalista remete à questão do agendamento das manifestações. O fator-surpresa, próprio das guerras e guerrilhas, não se aplica a protestos organizados em regimes democráticos, em ambientes urbanos. No caso específico, com risco de vida para crianças estimuladas pelas escolas e famílias a ver a taça.
O conhecimento prévio da manifestação permite ao Estado garanti-la como um direito constitucional, preservados também os daqueles que dela não participam. Fora disso, está admitido o fator-surpresa como estratégia de enfrentamento, que se dará em condições necessariamente inadequadas, posto que a polícia agirá no contexto já estabelecido de uma batalha campal.
As regras para os manifestantes delimitam as ações de um e de outro lado. Respeitadas, à polícia caberá o papel de administrar os riscos, numa postura mais fiscalizadora que repressora. O manifestante que se dispuser a romper a linha de isolamento o fará ciente de que se expõe a uma reação prevista em Lei.
A omissão do Estado transfere à polícia uma prerrogativa que não lhe pertence, mas à elite dirigente. No caso de Brasília, o isolamento já era necessário desde que os manifestantes contra a realização da Copa protestavam próximo ao Palácio do Planalto, de onde rumaram em direção ao estádio. Na Esplanada se encontraram com manifestantes indígenas, cuja causa passa longe da Copa: a questão da demarcação de terras. Uniram-se para “engrossar” as fileiras de um e de outro e, assim, encorpar a passeata.
Avisados da manifestação contra a Copa, os policiais de prontidão no estádio não esperavam índios com arco e flecha e nem como agir numa circunstância atípica em que Copa e causa indígena se misturavam, sem que qualquer delas fosse precedida de um aviso.
O direito às manifestações é, hoje, mais preservado, além de limites saudáveis, do que o daqueles indiferentes às causas em jogo. Pesquisas idôneas indicam que a parcela contra a realização da Copa é inferior à que, mesmo crítica em relação ao chamado padrão-Fifa, não concorda com a interdição física do evento.
A reação à Copa, com base na constatação de que o empenho do governo em realizá-la, arcando com custos bilionários, é maior do que dedica a setores essenciais como saúde, educação, segurança e transportes, é legítima.
Pode-se com ela concordar – e difícil mesmo é discordar -, mas essa insatisfação deve ser manifestada e canalizada para punir a omissão dos governos na prestação de serviços para os quais arrecada impostos (em escala vertiginosa), mas não os realiza.
Trocando em miúdos a revolta das ruas deve ser transferida às urnas, pois o maior castigo de políticos é a perda do mandato, poder exclusivo do eleitor. Depredar patrimônio público ou privado e gerar riscos à população (não é preciso lembrar todos mortos inocentes nas ruas, bastando simbolizá-los no cinegrafista morto por um rojão no Rio), não é decisão que se insira no rol dos direitos constitucionais de quem o faz.
Antes, insere o vândalo na legislação punitiva prevista para esses casos. Tolerar essas ações em nome da democracia é conspirar contra ela. A rua é espaço coletivo, embora nosso comportamento no trânsito e a forma como dispomos desse espaço indiquem que no Brasil cada um se julga seu dono, algo insustentável.
Também em Brasília, ontem, uma carreata fechou deliberadamente, sem aviso prévio, a ponte JK, que liga parte da cidade ao Lago Sul, interditando as seis faixas e afetando todo o trânsito do Plano Piloto.
Se ali tivesse preso um carro com alguém a caminho de um hospital, um doente ou uma mulher em parto, pouco importa. E o que esses manifestantes, em automóveis importados, queriam?
Chamar a atenção para uma questão judicial entre eles e o governo local, que se traduz pela regularização de condomínios construídos em terrenos sob litígio, o que sempre foi do conhecimento de quem os comprou.
Se cada cidadão decidir fechar ruas, afetar a vida da população para suas causas particulares, teremos o caos. A causa desses cidadãos dos condomínios não remete ao interesse público, como o dos índios, mas tão somente a uma questão judicial.
Do que se conclui que as causas que movem movimentos coletivos começam a ficar banalizadas – vão das questões indígenas, legítimas, até as de moradores de condomínios que se dispuseram a enfrentar uma luta desde a compra do terreno, diante da perspectiva de morarem em casas confortáveis, padrão classe A.
Não estavam a pé ou de jumento, como sugeriu Lula aos torcedores brasileiros, nem lhes falta moradia e conforto no dia a dia. Pretendem a propriedade de onde já moram, mas se acharam no direito de roubar à maioria da população, que fez outras escolhas, o direito constitucional de ir e vir.
Algo que mesmo a polícia só pode fazer com base legal, criando alternativas para aqueles que estejam fora do alvo de eventuais investigações. Os motoristas da carreta de ontem, se investiram desse poder policial para estabelecer que ninguém na cidade iria utilizar a ponte JK.
O projeto estabeleceria regras vigentes nos países mais desenvolvidos, como a imposição de agendamento de manifestações de protesto junto à autoridade pública, proibição de máscaras que escondem a identidade de vândalos – uma microlegislação, a rigor dispensável, por redundante, mas que, de toda a forma, sublinharia direitos e deveres de manifestantes.
Com essa providência, a força policial teria mais segurança para exercer seu papel, cujo ponto essencial é saber os limites da repressão, quando deve dar o primeiro passo, de que forma, e garantir os direitos daqueles que não estão alinhados com qualquer movimento.
A jornalista Márcia Zarur, da rádio CBN, viu-se ontem, nas manifestações em Brasília, no papel duplo de testemunha e profissional, ao levar os filhos para ver a taça em exposição no estádio Mané Garrincha, que receberá jogos da Copa.
Acuada no automóvel com a família, na luta campal que se estabeleceu entre policiais, militantes contra a Copa e índios, percebeu que a linha de isolamento feita pela polícia militar entre os manifestantes e os visitantes da exposição foi feita muito próxima do estádio, interpretando corretamente essa falha como sinal de que a polícia fora surpreendida pela passeata.
A observação da jornalista remete à questão do agendamento das manifestações. O fator-surpresa, próprio das guerras e guerrilhas, não se aplica a protestos organizados em regimes democráticos, em ambientes urbanos. No caso específico, com risco de vida para crianças estimuladas pelas escolas e famílias a ver a taça.
O conhecimento prévio da manifestação permite ao Estado garanti-la como um direito constitucional, preservados também os daqueles que dela não participam. Fora disso, está admitido o fator-surpresa como estratégia de enfrentamento, que se dará em condições necessariamente inadequadas, posto que a polícia agirá no contexto já estabelecido de uma batalha campal.
As regras para os manifestantes delimitam as ações de um e de outro lado. Respeitadas, à polícia caberá o papel de administrar os riscos, numa postura mais fiscalizadora que repressora. O manifestante que se dispuser a romper a linha de isolamento o fará ciente de que se expõe a uma reação prevista em Lei.
A omissão do Estado transfere à polícia uma prerrogativa que não lhe pertence, mas à elite dirigente. No caso de Brasília, o isolamento já era necessário desde que os manifestantes contra a realização da Copa protestavam próximo ao Palácio do Planalto, de onde rumaram em direção ao estádio. Na Esplanada se encontraram com manifestantes indígenas, cuja causa passa longe da Copa: a questão da demarcação de terras. Uniram-se para “engrossar” as fileiras de um e de outro e, assim, encorpar a passeata.
Avisados da manifestação contra a Copa, os policiais de prontidão no estádio não esperavam índios com arco e flecha e nem como agir numa circunstância atípica em que Copa e causa indígena se misturavam, sem que qualquer delas fosse precedida de um aviso.
O direito às manifestações é, hoje, mais preservado, além de limites saudáveis, do que o daqueles indiferentes às causas em jogo. Pesquisas idôneas indicam que a parcela contra a realização da Copa é inferior à que, mesmo crítica em relação ao chamado padrão-Fifa, não concorda com a interdição física do evento.
A reação à Copa, com base na constatação de que o empenho do governo em realizá-la, arcando com custos bilionários, é maior do que dedica a setores essenciais como saúde, educação, segurança e transportes, é legítima.
Pode-se com ela concordar – e difícil mesmo é discordar -, mas essa insatisfação deve ser manifestada e canalizada para punir a omissão dos governos na prestação de serviços para os quais arrecada impostos (em escala vertiginosa), mas não os realiza.
Trocando em miúdos a revolta das ruas deve ser transferida às urnas, pois o maior castigo de políticos é a perda do mandato, poder exclusivo do eleitor. Depredar patrimônio público ou privado e gerar riscos à população (não é preciso lembrar todos mortos inocentes nas ruas, bastando simbolizá-los no cinegrafista morto por um rojão no Rio), não é decisão que se insira no rol dos direitos constitucionais de quem o faz.
Antes, insere o vândalo na legislação punitiva prevista para esses casos. Tolerar essas ações em nome da democracia é conspirar contra ela. A rua é espaço coletivo, embora nosso comportamento no trânsito e a forma como dispomos desse espaço indiquem que no Brasil cada um se julga seu dono, algo insustentável.
Também em Brasília, ontem, uma carreata fechou deliberadamente, sem aviso prévio, a ponte JK, que liga parte da cidade ao Lago Sul, interditando as seis faixas e afetando todo o trânsito do Plano Piloto.
Se ali tivesse preso um carro com alguém a caminho de um hospital, um doente ou uma mulher em parto, pouco importa. E o que esses manifestantes, em automóveis importados, queriam?
Chamar a atenção para uma questão judicial entre eles e o governo local, que se traduz pela regularização de condomínios construídos em terrenos sob litígio, o que sempre foi do conhecimento de quem os comprou.
Se cada cidadão decidir fechar ruas, afetar a vida da população para suas causas particulares, teremos o caos. A causa desses cidadãos dos condomínios não remete ao interesse público, como o dos índios, mas tão somente a uma questão judicial.
Do que se conclui que as causas que movem movimentos coletivos começam a ficar banalizadas – vão das questões indígenas, legítimas, até as de moradores de condomínios que se dispuseram a enfrentar uma luta desde a compra do terreno, diante da perspectiva de morarem em casas confortáveis, padrão classe A.
Não estavam a pé ou de jumento, como sugeriu Lula aos torcedores brasileiros, nem lhes falta moradia e conforto no dia a dia. Pretendem a propriedade de onde já moram, mas se acharam no direito de roubar à maioria da população, que fez outras escolhas, o direito constitucional de ir e vir.
Algo que mesmo a polícia só pode fazer com base legal, criando alternativas para aqueles que estejam fora do alvo de eventuais investigações. Os motoristas da carreta de ontem, se investiram desse poder policial para estabelecer que ninguém na cidade iria utilizar a ponte JK.
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