sábado, 3 de maio de 2014

Eurocéticos invadem Parlamento Europeu 
Claire Gatinois e Alain Salles - Le Monde  
Será que no dia 25 de maio se repetirá no Parlamento Europeu o mesmo fenômeno visto na França, em 21 de abril de 2002? Partidos populistas ou de extrema direita poderão chegar em primeiro ou segundo lugar na França, no Reino Unido, na Dinamarca, na Finlândia, na Holanda, na Áustria, na Hungria e na Itália, com Beppe Grillo. Mesmo na Alemanha os eurocéticos do Alternativa para a Alemanha deverão entrar em Estrasburgo, assim como um representante do partido neonazista NFD. É uma propagação comparável à que foi provocada pela presença de Jean-Marie Le Pen, na época líder da Frente Nacional, no segundo turno da eleição presidencial francesa de 2002.
Em toda parte no Velho Continente, o cenário é o mesmo: os partidos anti-UE nacionalistas ou xenófobos encantam eleitores desgostosos com uma Europa que eles consideram incapaz de protegê-los.
Foram-se os tempos em que o líder do partido nacionalista britânico, o United Kingdom Independence Party (UKIP), Nigel Farage, era tratado como "doente mental" no Parlamento  de Estrasburgo. Hoje, ele domina a campanha em seu país, assim como Marine Le Pen, a presidente da Frente Nacional na França, ou Geert Wilders, líder do partido da liberdade na Holanda. Agora eles são temidos, ouvidos e têm parte de suas ideias replicadas por aqueles que esperam roubar eleitores decepcionados. 
"Única opção política forte"
Segundo as estimativas do Pollwatch 2014, um site que agrega as sondagens nacionais, os partidos de extrema direita em pelo menos sete países unidos em torno de Le Pen e de Wilders poderão obter 35 cadeiras. É o suficiente para formar o grupo da Aliança Europeia para a Liberdade sonhado pela filha de Jean-Marie Le Pen e para ter influência nos debates.
Na prática, os partidos populistas ou de extrema direita deverão permanecer minoritários, com cerca de 5% dos deputados, que se juntarão ao 5% do grupo de Nigel Farage, o Europa da Liberdade e da Democracia.  "Haverá mais gritos no Parlamento, só isso", relativiza Yves Bertoncini, diretor do think tank Notre Europe-Institut Jacques-Delors.
Mas dessa forma os partidos de extrema direita poderão receber vantagens monetárias de um grupo parlamentar europeu: cerca de 3 milhões de euros. Uma soma confortável para fazer com que sua mensagem eurocética circule em seus respectivos países e amplie sua zona de influência.
"Eles ditam o tom da política da Europa. Os populistas aparecem como a única opção política forte", explica o analista político Dominique Reynié. "Eles propõem um discurso baseado em nacionalismo e na busca por uma soberania, diante de um mundo que vem se tornando cada vez menos ocidental. Diante desse discurso simplista, os grandes partidos de governo só propõem um discurso de preservação de recursos, que estão rareando."
A crise teve parte nisso. Talvez a Europa não seja responsável por ela, mas é considerada culpada. Culpada no Sul, por ter faltado com generosidade, culpada no Norte, por ter faltado com firmeza. "Os países estão unidos no desencanto, não pelos mesmos motivos, mas em torno de um mesmo tema: 'Bruxelas contra a população", observa Bertoncini. 
A Europa parece indefensável
Os cinco últimos anos, pontuados pela recessão e pelo aumento do desemprego, transformaram a UE no "fiscal da austeridade" encarnado pela troika. Esse trio formado pelo Banco Central Europeu (BCE), pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela Comissão Europeia é encarregado de garantir o bom andamento dos planos de austeridade impostos aos países superendividados. "A Europa começou a parecer o FMI. Só que o FMI não é popular em lugar nenhum", diz Bertoncini. 
Nesse contexto, o discurso eurocético acabou ganhando audiência. Impopular e apresentada como antissocial, a Europa parece indefensável. Já os políticos dos partidos tradicionais, perdidos diante da crise, estão adotando uma retórica crítica em relação à União Europeia e passam a impressão de que se apresentam aos eleitores dizendo: "Sou pró-UE, mas estou me tratando!"
Para se salvar, a esquerda responsabiliza a direita, maioritária no Parlamento anterior, pelo que aconteceu. Mas os eleitores não conseguem diferenciar muito bem entre direita (Partido Popular Europeu, PPE) e esquerda (Sociais e Democratas, S&D) no parlamento europeu. Ainda mais que o candidato dos socialistas é membro de um partido que governa em coalizão junto com a chanceler alemã Angela Merkel. "Para parte da opinião pública, a verdadeira alternância não é mais entre esquerda e direita, mas sim entre os partidos do governo e os outros", analisa Dominique Reynié.
A Europa, que antes era o bastião contra a modernização, agora representa "a" globalização. A fobia do "encanador polonês" ressurge, a livre-circulação de pessoas está sendo revista e o tratado de livre-comércio que a UE poderá assinar com os Estados Unidos espanta os eleitores que querem o protecionismo. Diante desses temores, o desejo de ingressar na UE manifestado pelos ucranianos poderia ter sido uma dádiva para o sentimento pró-europeu. Mas os 28 Estados-membros se mostraram desanimados e incapazes de falar em uníssono para adotar uma linha firme em relação a Moscou. 
Catarse vivida pelos países da UE
Essa letargia lembra as postergações durante a cúpula da "última chance" para salvar o euro. As respostas, negociadas com dificuldades, pareciam então sempre tímidas demais ou atrasadas demais em relação ao mercado financeiro, sempre apressado.
Em 2009, os dirigentes europeus fizeram campanha explicando que o Velho Continente havia protegido os Estados ao permitir que eles resistissem melhor juntos à crise financeira vinda dos Estados Unidos. Cinco anos mais tarde, eles têm dificuldades para convencer que a Europa evitou o pior sem avaliar seus próprios fracassos.
"Não há nenhum mea culpa nas instâncias dirigentes europeias", reconhece um oficial de alto escalão de Bruxelas. "Ninguém se atreve a dizer que a crise bancária foi mal gerida, que as medidas de ajuste pioraram o círculo de recessão no Sul, sobretudo na Grécia. No entanto, o melhor meio de defender a União Europeia é reconhecer no que ela fracassou, para tentar outras soluções."
É um quadro sombrio que Ulrike Guérot, cientista política em Berlim para a Open Society Initiative for Europe, tenta explicar. Segundo ela, os países da UE viveram uma catarse. Já passou o momento de pintar um bigodinho de Hitler em Angela Merkel e acusar os gregos de indolência. A troika foi embora da Irlanda e está se preparando para deixar Portugal. A união bancária está sendo instaurada e há um esboço de crescimento. "Às vezes penso nos populismos e vejo o copo meio vazio, e no dia seguinte vejo as coisas se construindo e vejo o copo meio cheio", resume Guérot.

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