Eurocéticos invadem Parlamento Europeu
Claire Gatinois e Alain Salles - Le Monde
Será que no dia 25 de maio se repetirá no Parlamento Europeu o mesmo
fenômeno visto na França, em 21 de abril de 2002? Partidos populistas ou
de extrema direita poderão chegar em primeiro ou segundo lugar na
França, no Reino Unido, na Dinamarca, na Finlândia, na Holanda, na
Áustria, na Hungria e na Itália, com Beppe Grillo. Mesmo na Alemanha os
eurocéticos do Alternativa para a Alemanha deverão entrar em
Estrasburgo, assim como um representante do partido neonazista NFD. É
uma propagação comparável à que foi provocada pela presença de
Jean-Marie Le Pen, na época líder da Frente Nacional, no segundo turno
da eleição presidencial francesa de 2002.
Em toda parte no Velho
Continente, o cenário é o mesmo: os partidos anti-UE nacionalistas ou
xenófobos encantam eleitores desgostosos com uma Europa que eles
consideram incapaz de protegê-los.
Foram-se os tempos em que o
líder do partido nacionalista britânico, o United Kingdom Independence
Party (UKIP), Nigel Farage, era tratado como "doente mental" no
Parlamento de Estrasburgo. Hoje, ele domina a campanha em seu país,
assim como Marine Le Pen, a presidente da Frente Nacional na França, ou
Geert Wilders, líder do partido da liberdade na Holanda. Agora eles são
temidos, ouvidos e têm parte de suas ideias replicadas por aqueles que
esperam roubar eleitores decepcionados.
"Única opção política forte"
Segundo as estimativas do Pollwatch 2014, um site que agrega as
sondagens nacionais, os partidos de extrema direita em pelo menos sete
países unidos em torno de Le Pen e de Wilders poderão obter 35 cadeiras.
É o suficiente para formar o grupo da Aliança Europeia para a Liberdade
sonhado pela filha de Jean-Marie Le Pen e para ter influência nos
debates.
Na prática, os partidos populistas ou de extrema
direita deverão permanecer minoritários, com cerca de 5% dos deputados,
que se juntarão ao 5% do grupo de Nigel Farage, o Europa da Liberdade e
da Democracia. "Haverá mais gritos no Parlamento, só isso", relativiza
Yves Bertoncini, diretor do think tank Notre Europe-Institut
Jacques-Delors.
Mas dessa forma os partidos de extrema direita
poderão receber vantagens monetárias de um grupo parlamentar europeu:
cerca de 3 milhões de euros. Uma soma confortável para fazer com que sua
mensagem eurocética circule em seus respectivos países e amplie sua
zona de influência.
"Eles ditam o tom da política da Europa. Os
populistas aparecem como a única opção política forte", explica o
analista político Dominique Reynié. "Eles propõem um discurso baseado em
nacionalismo e na busca por uma soberania, diante de um mundo que vem
se tornando cada vez menos ocidental. Diante desse discurso simplista,
os grandes partidos de governo só propõem um discurso de preservação de
recursos, que estão rareando."
A crise teve parte nisso. Talvez a
Europa não seja responsável por ela, mas é considerada culpada. Culpada
no Sul, por ter faltado com generosidade, culpada no Norte, por ter
faltado com firmeza. "Os países estão unidos no desencanto, não pelos
mesmos motivos, mas em torno de um mesmo tema: 'Bruxelas contra a
população", observa Bertoncini.
A Europa parece indefensável
Os cinco últimos anos, pontuados pela recessão e pelo aumento do
desemprego, transformaram a UE no "fiscal da austeridade" encarnado pela
troika. Esse trio formado pelo Banco Central Europeu (BCE), pelo Fundo
Monetário Internacional (FMI) e pela Comissão Europeia é encarregado de
garantir o bom andamento dos planos de austeridade impostos aos países
superendividados. "A Europa começou a parecer o FMI. Só que o FMI não é
popular em lugar nenhum", diz Bertoncini.
Nesse contexto, o
discurso eurocético acabou ganhando audiência. Impopular e apresentada
como antissocial, a Europa parece indefensável. Já os políticos dos
partidos tradicionais, perdidos diante da crise, estão adotando uma
retórica crítica em relação à União Europeia e passam a impressão de que
se apresentam aos eleitores dizendo: "Sou pró-UE, mas estou me
tratando!"
Para se salvar, a esquerda responsabiliza a direita,
maioritária no Parlamento anterior, pelo que aconteceu. Mas os eleitores
não conseguem diferenciar muito bem entre direita (Partido Popular
Europeu, PPE) e esquerda (Sociais e Democratas, S&D) no parlamento
europeu. Ainda mais que o candidato dos socialistas é membro de um
partido que governa em coalizão junto com a chanceler alemã Angela
Merkel. "Para parte da opinião pública, a verdadeira alternância não é
mais entre esquerda e direita, mas sim entre os partidos do governo e os
outros", analisa Dominique Reynié.
A Europa, que antes era o
bastião contra a modernização, agora representa "a" globalização. A
fobia do "encanador polonês" ressurge, a livre-circulação de pessoas
está sendo revista e o tratado de livre-comércio que a UE poderá assinar
com os Estados Unidos espanta os eleitores que querem o protecionismo.
Diante desses temores, o desejo de ingressar na UE manifestado pelos
ucranianos poderia ter sido uma dádiva para o sentimento pró-europeu.
Mas os 28 Estados-membros se mostraram desanimados e incapazes de falar
em uníssono para adotar uma linha firme em relação a Moscou.
Catarse vivida pelos países da UE
Essa letargia lembra as postergações durante a cúpula da "última
chance" para salvar o euro. As respostas, negociadas com dificuldades,
pareciam então sempre tímidas demais ou atrasadas demais em relação ao
mercado financeiro, sempre apressado.
Em 2009, os dirigentes
europeus fizeram campanha explicando que o Velho Continente havia
protegido os Estados ao permitir que eles resistissem melhor juntos à
crise financeira vinda dos Estados Unidos. Cinco anos mais tarde, eles
têm dificuldades para convencer que a Europa evitou o pior sem avaliar
seus próprios fracassos.
"Não há nenhum mea culpa nas instâncias
dirigentes europeias", reconhece um oficial de alto escalão de
Bruxelas. "Ninguém se atreve a dizer que a crise bancária foi mal
gerida, que as medidas de ajuste pioraram o círculo de recessão no Sul,
sobretudo na Grécia. No entanto, o melhor meio de defender a União
Europeia é reconhecer no que ela fracassou, para tentar outras
soluções."
É um quadro sombrio que Ulrike Guérot, cientista
política em Berlim para a Open Society Initiative for Europe, tenta
explicar. Segundo ela, os países da UE viveram uma catarse. Já passou o
momento de pintar um bigodinho de Hitler em Angela Merkel e acusar os
gregos de indolência. A troika foi embora da Irlanda e está se
preparando para deixar Portugal. A união bancária está sendo instaurada e
há um esboço de crescimento. "Às vezes penso nos populismos e vejo o
copo meio vazio, e no dia seguinte vejo as coisas se construindo e vejo o
copo meio cheio", resume Guérot.
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