Lula lá de novo?
João Mellão Neto - O Estado de S.Paulo
Na Inglaterra, o Poder Judiciário não tem a força
coercitiva que tem por aqui, no Brasil. Ele é exercido pela Câmara dos
Lordes e sua autoridade é lastreada nos usos e costumes então em vigor.
Dá certo, entre outros motivos, porque sempre deu certo. Existe, ali, um
arranjo que, tal qual um cipreste, demandou centenas de anos para
crescer e se desenvolver. Para derrubá-lo, não basta um vendaval ou
mesmo uma ventania. E quanto à força dos usos e costumes, há de sempre
ser lembrado que eles não cresceram ao léu. Pode-se afirmar, com total
convicção, que é muita pretensão a nossa desejar virar o mundo do
avesso, ignorando toda a experiência, os ajustes e o processo de
tentativas e erros obtidos em milênios de civilização.
Na história humana, os grandes avanços sempre se deram pela evolução,
nunca pela revolução. As grandes revoluções, como a francesa e a russa,
sempre foram muito eficientes na derrubada das instituições que já
existiam, mas nunca souberam como colocar outras, melhores, em seu
lugar.
Sir Isaac Newton, quando indagado sobre como conseguira formular a
Teoria da Física Mecânica, respondia que nada fizera demais, apenas
ficara de pé sobre os ombros de gigantes. E quantos foram os gigantes
que o precederam? Uma longa fila, a partir de Sócrates, Platão,
Aristóteles, Arquimedes e tantos outros mais a perder de vista, cada um
tendo contribuído com o seu quinhão.
Os usos e costumes, assim, prestam uma reverência ao passado. São o
que Lord Dahrendorf, alemão de nascença, comparou a fios de alta tensão.
Eles são, aparentemente, inofensivos. A ponto de os próprios pássaros
neles pousarem. Mas basta que alguém se aventure a neles tocar para que
eles descarreguem uma violenta carga de energia, no mais das vezes,
fatal. No caso inglês de que tratamos agora, o Direito costumeiro tem se
revelado de grande eficácia na distribuição de justiça, ao contrário do
nosso Direito, de base positivista. O recente julgamento do "mensalão"
pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em que poucos e raros foram os
condenados, é um eloquente exemplo desse fenômeno.
Esta introdução toda, no entanto, é para comentar as recentes
declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Rádio e
Televisão de Portugal (RTP). Para quem não se recorda, ele disse, com
todas as letras, que o julgamento do "mensalão" teve "praticamente 80%
de decisão política e 20% de decisão jurídica". Nesse seu esforço para
desqualificar o processo, louve-se nele a sua sempre sofrível tentativa
de valer-se da aritmética. De mais a mais, com que régua o ex-presidente
teria estabelecido tal resultado? Realmente, 80 + 20 = 100. Da mesma
forma que 100 - 20 = 80.
Assim sendo, dada a exatidão dos cálculos, como foi que ele chegou
lá? Não me consta que ele tenha tamanho conhecimento em aritmética.
Tampouco conhecimento jurídico - vide as recorrentes afrontas à lei
protagonizadas por aqueles que, por mais que ele jure de pés juntos que
não, eram gente da sua confiança.
Lula, enquanto presidente, sempre divertiu a Nação com as suas
impropriedades e enormidades. Tudo nele era perdoado em razão de seu
passado humilde. Quem não se lembra da "épica" explicação dada por ele,
num evento na África, de como a poluição produzida por um país afetava
os demais países por causa do fato de a "Terra ser redonda e girar",
fazendo com que todos fossem obrigados a passar por baixo daquela
poluição?
Hoje, tudo isso não conta mais. Quando o seu nome desponta entre os
mais cotados para vir a substituir Dilma Rousseff, porém, fica a
pergunta: ele de novo?
Este "ele de novo" está eivado de significados. Um deles é o de
prorrogar a permanência desta turma no poder por, no mínimo, mais quatro
anos - isso está, evidentemente, acima da capacidade de resistência da
Nação. Mais um "mensalão" ninguém aguenta. Fora todas as outras
atrocidades que certamente continuariam a ser cometidas contra nosso bom
senso e nossos bolsos. Uma mistura que inclui incompetência, letargia e
escândalos de corrupção. A conta a ser quitada vai muito além das
fronteiras de nossa imaginação. E certamente da habilidade aritmética do
nosso ex-presidente.
A "mais valia" governista assustaria até os mais ferrenhos marxistas.
Atualmente ela se encontra em quase 40% de todas as riquezas produzidas
no País. Com mais quatro anos de governo "lulopetista", sabe lá Deus
onde vai parar.
Mas a possibilidade de uma eventual troca de candidatura, da nossa
atual presidente pela de Lula, é real. E será ainda mais se a sua
"análise aritmética" concluir que as chances de Dilma Rousseff sair
derrotada pelas urnas aumentaram. Lula certamente seria um candidato
menos derrotável. Não creio que o PT morra de amores por Dilma, o
problema maior seria como convencer a população de que fora, mais uma
vez, "apunhalado pelas costas" por um de seus companheiros. Do
contrário, por que haveria de substituí-la? Não tinha sido ela a grande
"gerenta" responsável pelo suposto sucesso do seu governo?
Assim sendo, vamos, com todo respeito, propor a Lula um pacto de
cavalheiros. Faltam ainda alguns meses para o sufrágio de outubro. A
tendência apontada nas pesquisas é de que haverá um bolo geral. Ninguém
pode apontar, desde já, quem se sairá melhor nesse enfrentamento.
A proposta é a seguinte: ele desiste de disputar o pleito e, em
troca, nós lhe providenciaremos uma "super Bolsa Família". Não sei se
seria o mais justo, mas certamente nos custaria bem menos do que a sua
presença, e a de todos os seus aliados, no comando do País. Talvez se,
na hora de escolher seus companheiros, tivesse ele invertido sua equação
e feito um julgamento 80% jurídico e 20% político, seu fim pudesse ser
um pouco mais digno...
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