quinta-feira, 29 de maio de 2014

Padrão Brasil 
Merval Pereira - O Globo 
Ao tentar rebater as críticas aos aeroportos brasileiros afirmando que eles não são “padrão Fifa” mas sim “padrão Brasil”, a presidente Dilma mais uma vez escorregou no improviso (dando de barato que não foi uma “sacada genial” de seus marqueteiros) e, sem querer, chancelou o “padrão Brasil” como definição de produto de má qualidade.
Até hoje produtos “made in China” carregam consigo a desconfiança do consumidor, enquanto os “made in Japan” já conseguiram ser um atestado de qualidade. Os aeroportos “made in Brasil” definitivamente não são sinônimo de coisa boa, pelo menos enquanto não entram em funcionamento os novos terminais que deveriam estar prontos para a Copa do Mundo de futebol.
O Brasil, como Nação, perdeu uma grande oportunidade de se mostrar ao mundo como capacitado a realizar grandes eventos como uma Copa do Mundo ou as Olimpíadas. Só havia uma razão para o governo brasileiro batalhar por essa realização, e por isso a China realizou as Olimpíadas de 2008, a África do Sul realizou a Copa do Mundo de futebol em 2010 e a Rússia vai ser a sede da Copa de 2018.
Todos esses países que formam os BRICS têm como objetivo ganhar espaço político no mundo multipolar, e o Brasil estava no caminho certo ao pleitear a Copa e as Olimpíadas quase ao mesmo tempo. Mas perdeu sua grande chance ao não se dedicar à organização e ao planejamento desses eventos planetários com a prioridade devida. Valeu mais para o governo Lula ganhar a disputa pela realização deles do que a realização em si.
Resta agora torcer para que, mesmo dentro de condições mínimas, corra tudo bem nesse próximo mês. Mas o que o mundo está vendo nesses momentos pré-Copa não faz bem à imagem do país. Até índios dando flechadas em plena Esplanada dos Ministérios em Brasília apareceram nas televisões internacionais, reforçando estereótipos. A questão é que grupos oportunistas que querem aproveitar a Copa para fazer chantagem, fazem greves, pedem aumentos abusivos, interrompem o trânsito.
Mesmo um grupo pequeno consegue hoje em dia interromper o trânsito nas grandes metrópoles, parando as cidades. E há ainda grupos minoritários de vândalos, ou grupos de Black-blocs, que fazem uma campanha contra a Copa que absolutamente não envolve a maioria do povo.
O sentimento geral é de crítica ao governo, que não cumpriu o que prometeu, que atrasou tudo, que mostrou ineficiência. As pessoas suspeitam de que houve muita corrupção nas obras da Copa, mas todas essas são críticas específicas, ninguém é maluco a essa altura de achar que o melhor é que tenha Copa.
Pode-se até achar não deveria ter Copa, que o governo deveria, em vez de ter batalhado para sediá-la, não ter colocado isso na sua pauta, não deveria ser um objetivo prioritário para um país pobre, necessitado de muitas coisas. Mas já que fez, não há sentido em querer boicotar a Copa, é coisa de minorias.
Misturar política com Copa do Mundo, e aproveitar a situação para tirar proveito próprio ou político, é atitude criticável. Mas o governo também precisaria atuar com mais decisão desde sempre, no relacionamento com os chamados “movimentos sociais”, para evitar os abusos que estão acontecendo hoje.
Agora, diante da realidade que o populismo não conseguiu controlar, é preciso montar esquemas de segurança menos falhos, cumprir pelo menos a sua parte agora, já que a parte dos chamados legados da Copa está prejudicada pelos atrasos nas obras.
Pelo menos agora o governo tem que montar um esquema para garantir a segurança das pessoas e das delegações, dos mandatários que vêm ver os jogos. Mais uma demonstração de ineficiência do esquema oficial foi vista na saída da delegação brasileira para Teresópolis, quando professores em greve chegaram a atacar o ônibus com os jogadores da seleção brasileira dentro.
Não importa se a culpa é do governo federal ou dos governos estaduais e até municipais, esse “inferno” de várias esferas de poder que o secretário-geral da Fifa Jerôme Valcker experimentou. O fato é que o país perdeu uma grande chance de se mostrar ao mundo como uma potência emergente devido a seus próprios defeitos, turbinados pelo populismo no poder.
A constatação não decorre de complexo de vira-lata, mas, ao contrário, da rejeição da fantasia marqueteira de um governo que vende um país que não existe em vez de tentar mudar sua realidade. E que agora, depois do leite derramado, quer usar o patriotismo como refúgio de seus próprios erros.

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