Pretensões descabidas
O Estado de S.Paulo
Aproveitando a repercussão da Operação Lava Jato,
delegados federais voltaram a pedir mais autonomia administrativa,
financeira e funcional para a Polícia Federal. Há dias, realizaram um
evento no Espírito Santo para anunciar suas reivindicações. E, nos
próximos dias, enviarão um documento aos presidentes da República, da
Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, pedindo que a Polícia
Federal - hoje um departamento do Ministério da Justiça - passe a ter o
status jurídico de "Secretaria Especial" ou de "instituição
independente", como ocorre com a Advocacia-Geral da União e a Defensoria
Pública da União.
A corporação também quer mudar os critérios de escolha de seu chefe.
Pelas regras em vigor, o superintendente da Polícia Federal é indicado
pelo ministro da Justiça, E, como o cargo é de confiança, pode ser
demitido a qualquer momento. Alegando que esse procedimento torna o
superintendente vulnerável a pressões políticas e partidárias,
comprometendo sua independência, a corporação pleiteia um processo de
escolha semelhante ao do procurador-geral da República. Ou seja, os
delegados elaborariam uma lista com três nomes e a Presidência da
República escolheria um deles, que teria um mandato definido, não
podendo ser demitido.
Essas pretensões não são novas. Elas foram defendidas - sem sucesso -
há duas décadas e meia, durante a Assembleia Constituinte. Também foram
objeto de projetos que não prosperaram. Voltam à baila de tempos em
tempos, em especial quando a Polícia Federal se sobressai no combate a
crimes cometidos por políticos e empresários.
Alegando que precisam de mais garantias para combater o crime
organizado e assegurar a "credibilidade da instituição junto à
sociedade", os delegados federais pleiteiam ainda outras prerrogativas
funcionais. Eles querem a faculdade de poder escolher, entre os milhares
de inquéritos em curso, aqueles que terão prioridade - principalmente
as investigações sobre esquemas criminosos envolvendo casos de
malversação de recursos públicos e de corrupção.
A corporação reclama que a maioria dos inquéritos criminais, além de
tratar de "casos menores", sem maior repercussão na mídia, consome os
"poucos recursos" da Polícia Federal. Em 2013, havia 108 mil inquéritos
policiais instaurados pela Polícia Federal, dos quais somente 12 mil
eram relacionados a crimes de corrupção. Os números são da Associação
Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF). "A credibilidade
alcançada pela Polícia Federal junto à sociedade brasileira se deve ao
efetivo combate ao crime organizado. Ele afeta não somente a União
Federal, mas toda a sociedade", diz o documento - divulgado pelo jornal
Valor - que a corporação enviará para os presidentes dos Três Poderes.
Segundo os delegados, a conversão da Polícia Federal numa Secretaria
Especial ou numa instituição independente não a impediria de continuar
agindo nas áreas de competência do Ministério da Justiça. "Gostaríamos
de ter uma polícia com maior autonomia", afirma o presidente da ADPF,
Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, depois de lembrar que a Defensoria Pública
da União permanece vinculada ao Ministério, apesar de sua independência
orçamentária e funcional.
As pretensões dos delegados federais são inteiramente descabidas. Não
faz sentido dar autonomia a um braço administrativo da máquina
governamental. Se hoje já é difícil controlar os órgãos policiais e
coibir abusos, com a concessão de autonomia financeira e funcional à
Polícia Federal isso seria praticamente impossível. Basta ver os abusos
cometidos por alguns procuradores da República no passado, que
acintosamente colocaram suas prerrogativas a serviço de partidos
políticos. Também não faz sentido permitir que os delegados federais
tenham a prerrogativa de escolher quais casos querem investigar.
Exponenciado pela autonomia funcional, o protagonismo da Polícia Federal
a converteria num órgão acima de qualquer controle, incompatível com o
Estado de Direito.
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