Martin Fackler - NYT
30.abr.2014 - Kim Hong-Ji/Reuters Memorial em Ansan presta homenagem às vítimas do naufrágio da balsa Sewol na Coreia do Sul
30.abr.2014 - Kim Hong-Ji/Reuters Memorial em Ansan presta homenagem às vítimas do naufrágio da balsa Sewol na Coreia do Sul
A loja atravancada ao lado do portão do colégio Danwon, na enfadonha
cidade industrial de Ansan, está lotada de necessidades escolares.
Uniformes brancos de ginástica estão pendurados na vitrine com vidro
empoeirado. Canetas e lápis estão organizados em pequenos
compartimentos, e um freezer cheio de sorvete está do lado de fora, para
atrair os estudantes de passagem.
Mas grande parte do espaço
na loja minúscula é dedicado aos itens que talvez sejam os mais
importantes: fileiras e fileiras de livros de exercícios de história,
matemática e inglês para os duros vestibulares da Coreia do Sul. Agora,
Kim In-jea, o coproprietário da loja, duvida que venderá muitos livros
na 11ª série e nem espera estocar versões para a 12ª série no ano que
vem.Os estudantes que os comprariam saíram em uma viagem escolar, mas a maioria nunca retornará. Quase três quartos dos alunos da 11ª série de Danwon morreram há duas semanas no naufrágio de uma balsa, considerado um dos piores desastres no país nas últimas décadas.
"Eu vi essas crianças crescerem. Eu conheço cada um de seus rostos", disse Kim, 57, que mora nas proximidades e disse que sete de seus vizinhos perderam seus filhos. "Dizer que este bairro parece vazio seria uma atenuação. Este bairro parece um necrotério."
A perda foi um duro golpe para um país mais conhecido por sua proeza econômica e exportações de cultura pop. Mas a tragédia atingiu de modo particularmente duro Gojan 1, o bairro operário decadente que cerca a escola. Cada um de seus prédios baixos de apartamentos, dizem os moradores, era lar de pelo menos três ou quatro estudantes que morreram.
Gojan 1 normalmente é cheio de vida, com a agitação dos adolescentes fazendo o que costumam fazer: se reunindo em um café de internet local para jogar jogos de computador ou seguindo em grupos barulhentos para a biblioteca pública de Wongojan para estudar ou para os cursinhos ou aulas de reforço, tão comuns na Coreia do Sul.
Agora, os moradores descrevem uma quietude pesarosa, pontuada pela chegada quase incessante de cortejos fúnebres, prestando suas últimas homenagens na escola. Foram 156 funerais até o momento. Apenas no domingo ocorreram 30, a maioria de estudantes que afundaram com a balsa.
A mortalha se estendeu por Ansan, uma cidade portuária a uma hora de Seul, onde fábricas produzem autopeças e eletrônicos e onde a paisagem é dominada por fileiras de blocos de apartamentos idênticos. A cidade de 763 mil habitantes, dizem aqueles que vivem aqui, está sufocada pelo pesar desde que o acidente aparentemente tirou a vida de 250 de suas crianças.
Os hospitais estavam lotados com a maioria dos 75 alunos sobreviventes até quase todos voltarem para casa nesta semana. Os hospitais também estavam cheios de mortos: na Coreia do Sul, os hospitais também costumam servir como funerárias, e no final da semana passada as salas para velórios estavam tão lotadas de vítimas da balsa que algumas famílias tiveram que esperar um dia por uma vaga.
Em um memorial temporário erguido em um ginásio, as fotos das vítimas eram exibidas em uma parede coberta de flores amarelas e brancas. Os enlutados aguardavam por até 90 minutos em uma fila que serpenteava por quadras pela calçada e então ia e voltava pelo pátio de uma escola primária próxima. Na terça-feira, o memorial foi transferido para um local permanente em um parque da cidade."Toda uma série de um colégio foi eliminada", disse Kim Hee-kyeum, vice-governador da província de Gyeonggi, onde Ansan fica localizada e cujo governador provincial interveio para ajudar as autoridades municipais sobrecarregadas. "Não foram apenas 250 alunos perdidos. São seus colegas que sobreviveram, seus parentes, amigos, vizinhos, toda a cidade. Levará tempo para superarem este pesadelo."
Por ora, os cortejos fúnebres --caravanas de carros e ônibus lideradas por carros fúnebres ornamentados com flores-- oferecem as expressões mais cruas do pesar da comunidade.
Uma dessas procissões levava Park Yae-ji, cujos parentes se recordam dela como uma jovem de 16 anos alegre e madura que ajudava sua mãe trabalhadora a criar seu irmão mais novo. Em uma manhã cinzenta e com garoa nesta semana, Yae-ji voltou pela última vez ao colégio Danwon, seguindo um costume coreano no qual os mortos são levados a vários lugares onde passaram suas vidas, incluindo lares e locais de trabalho.
A mãe dela, Eom Ji-young, 37 anos, estoica durante grande parte do funeral, perdeu sua compostura ao ver os crisântemos brancos na carteira de Yae-ji, caindo no choro. Das quase 30 carteiras na sala de aula, todas, com exceção de duas, estavam decoradas com buquês brancos, que são dados aos mortos.
Os professores estavam alinhados nos corredores, com as cabeças inclinadas. Funcionários disseram que são tantos funerais que os professores permanecem assim quase o dia todo. Assim que a família de Yae-ji partiu, outro carro fúnebre já aguardava do lado de fora.
Os alunos de outras séries voltaram à escola após mais de uma semana e estão presentes em muitas das últimas visitas. Eles foram instruídos sobre como lidar com a perda dos colegas por psicólogos que usam pinturas, desenhos e outras formas de arte para ajudar os alunos a expressarem seu pesar, disseram funcionários municipais e provinciais. As aulas ainda não recomeçaram para os alunos sobreviventes da 11ª série, incluindo os 13 que optaram por não participar da viagem, e os funcionários disseram que uma data ainda não foi marcada.
Os corpos de 81 alunos ainda não foram recuperados, provavelmente garantindo que a escola continuará recebendo famílias enlutadas ainda por algum tempo.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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