sábado, 1 de novembro de 2014

Afrouxamento monetário na Europa ainda é tabu econômico
Gavyn Davies - Prospect
Martin Meissner/AP
O termo ''afrouxamento monetário'' ainda parece ser um tabu no Conselho Diretor do Banco Central Europeu O termo ''afrouxamento monetário'' ainda parece ser um tabu no Conselho Diretor do Banco Central Europeu
Há dois anos o pior da crise da zona do euro parecia ter acabado. Sob grande pressão do mercado, Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, havia prometido fazer "o que fosse necessário" para evitar que a moeda única quebrasse por causa da fuga de capital da Espanha, Itália e outras economias com problemas. Ao oferecer-se para comprar títulos do governo dessas economias através do novo programa Transações Monetárias Diretas, Draghi acabou com o ataque especulativo no sistema sem gastar um único euro.
O BCE havia prometido, embora tardiamente, usar uma força esmagadora contra os mercados. A alternativa, como até os próprios alemães reconheceram, era pior, bem pior. Mas uma vez que a calma se restaurou nos mercados financeiros, o apetite do BCE por ações ousadas minguou. Como acontece com frequência na história econômica da zona do euro, os estrategistas pareceram se contentar facilmente com o progresso moderado, uma vez que a crise existencial do euro foi superada.
O crescimento real do PIB se arrastou para uma média de apenas 0,2% em 2013 e 2014. A inflação caiu para 0,3%, e as expectativas de inflação em médio prazo no mercado de títulos, um objetivo-chave para Draghi, caíram abaixo da meta de 2% do BCE.
O desemprego aumentou para mais de 11,5%. As previsões tanto para o crescimento quanto para a inflação foram consistentemente revisadas para baixo, um sinal inequívoco de deficiência da demanda da zona do euro. As similitudes com o Japão, que escorregou para uma armadilha deflacionária em meados dos anos 90, são muitas e perigosas. Contudo, até recentemente, o BCE vinha relutando muito em tomar uma atitude mais agressiva para combater isso.
Compare isso com o desempenho dos Estados Unidos. Profundamente insatisfeito com o ritmo com o qual o desemprego vinha caindo em 2012, o Comitê do Federal Reserve de Ben Bernanke lançou um programa de compra de títulos sem prazo para terminar ("afrouxamento monetário", ou QE3, na sigla em inglês), prometendo que isso continuaria até que houvesse uma "melhora substancial" nas condições do mercado de trabalho. O desemprego caiu de 8,1% na época do anúncio para 5,9% agora, cerca de metade da taxa da zona do euro. O crescimento do PIB está acima dos 3%, e as expectativas de inflação são consistentes com a meta do Fed.
Ninguém pode ter certeza se o QE3 foi o único responsável pela melhora significativa no mercado de trabalho dos EUA ao longo dos últimos anos. Alguns economistas apontam para o papel da restrição orçamentária, ou austeridade, na zona do euro, mas a posição fiscal dos EUA de fato os gastos públicos nos EUA foram reduzidos duas vezes mais do que na zona do euro desde 2012.
Outros apontam para a limpeza do setor bancário, que aconteceu muito mais rápido nos EUA, permitindo que os empréstimos dos bancos se recuperassem mais rapidamente. Há alguma verdade nisso, mas assim como no Japão nos anos 90, é difícil separar os efeitos de um sistema bancário disfuncional daqueles de uma postura monetária extremamente rígida. Claramente, ambos precisavam ser atacados com alguma urgência.
Não há dúvida de que o próprio Draghi agora está plenamente consciente do ímpeto deflacionário na economia. Embora ele negue que a "niponificação" seja uma ameaça realista (por motivos que, aliás, podem ser seriamente questionados), ele disse agora pela primeira vez que a ação do BCE está restrita pelo limite das taxas de juros próximas de zero, indicando que um afrouxamento monetário não convencional será necessário para lidar com o problema. Em um discurso notável em agosto (quer dizer, notável para um presidente do BCE), ele conclamou para aumento de gastos públicos, reforma estrutural e afrouxamento monetário não convencional – o equivalente às "três flechas" do primeiro-ministro japonês Shinzo Abe.
Infelizmente, os governos da zona do euro demoraram a aceitar seu papel imprescindível no plano de Draghi, então tudo mais uma vez parece recair sobre o BCE. Mas o termo "afrouxamento monetário" ainda parece ser um tabu no Conselho Diretor do BCE. Em vez disso, eles preferem o termo "afrouxamento de crédito", e anunciaram um programa de tamanho ainda incerto para comprar títulos do setor privado do sistema bancário. Serão pacotes de empréstimos bancários ativos (ABS, na sigla em inglês) e dívidas bancárias ("títulos cobertos"), e haverá ampla liquidez em termos atraentes para os bancos aumentarem suas carteiras de empréstimos nos próximos anos. Além disso, a Análise de Qualidade dos Ativos do BCE sobre os balancetes dos bancos finalmente promete começar o longo processo de limpeza do setor bancário.
O fato de não ter seguido o Federal Reserve na compra de títulos do governo em quantidades ilimitadas desapontou muitos críticos do BCE. Mas seu "afrouxamento monetário do setor privado" pretende ser um tiro de rifle apontado diretamente para a parte mais fraca do sistema, que são os bancos "zumbis" das economias problemáticas. Pode funcionar melhor, dadas as dificuldades peculiares da zona do euro, do que qualquer tentativa de imitar o tiro de bacamarte do Federal Reserve. Como muitas vezes antes, é melhor tarde do que nunca. 
Tradutor: Eloise De Vylder

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