sábado, 1 de novembro de 2014

Servidora pública pode ser punida após não casar duas mulheres na França
Luc Leroux - Le Monde
Foi de fato em razão de sua religião que uma vice-prefeita muçulmana se recusou a casar duas mulheres, no dia 16 de agosto, na prefeitura dos 15º e 16º distritos de Marselha, delegando essa missão a um conselheiro distrital que, na verdade, não era habilitado para tal. Essa foi a conclusão do inquérito conduzido pelo procurador de Marselha, sendo que as duas mulheres foram convocadas a comparecer daqui a alguns dias a uma câmara da Corte Civil que pronunciará a anulação do casamento.
Samia Ghali, a prefeita (Partido Socialista) desses dois distritos da zona norte, na época envolvida em uma difícil campanha para as eleições senatoriais, havia ela mesma alertado, no início de setembro, as duas cônjuges e o procurador sobre a existência de uma dificuldade.

"Ela sofreu pressões"

As esposas deverão se casar novamente. Além disso, elas contaram ao "Le Monde", na quinta-feira (30), sobre sua intenção de citar perante o tribunal correcional de Marselha a funcionária que não as casou.
Era Sabrina Hout, uma servidora hospitalar de 38 anos, 11ª adjunta e delegada para a Família, que deveria celebrar a união. No último momento, Christian Lancien, conselheiro do distrito, teve de substituir sua colega para unir as duas marselhesas, sem poderes legais para tal.
"A sra. Ghali me informou que a sra. Hout se justificou alegando ter sofrido pressões", relatou uma das duas cônjuges. No dia 12 de setembro, ao receber o casal, a prefeita chegou a explicar que "Hout havia sido obrigada por seus irmãos a não celebrar esse casamento que é contrário à sua religião".
Essa união era a primeira da tarde, e Sabrina Hout, segundo os dois funcionários em serviço naquele sábado, foi até uma sala adjacente à sala de casamentos para preparar sua substituição por Lancien. Hout havia assinado previamente as cópias da certidão de casamento e o livreto de família, o que constitui infração de falsidade em um documento administrativo.
"Ela me disse que sentia muito e que, por ser praticante, ela não poderia realizar um casamento homossexual devido à sua religião, que é o islamismo", explicou uma das funcionárias municipais. Sua colega, tabeliã, cita essa mesma motivação: "Ela entrou na sala de casamentos declarando que não queria realizar esse casamento, que era contra suas convicções religiosas e que iria para o inferno se fizesse isso. Ela estava muito agitada, nervosa."

"Uma simples reprimenda não serve"

Sabrina Hout negou ter feito qualquer discriminação, justificando sua saída por "problemas pessoais bastante importantes". No entanto, ela havia realizado os quatro outros casamentos do dia e sabia, havia dez dias, que iria realizar a união de duas mulheres. "Não sou homofóbica. Sou praticante do islamismo e de forma alguma fiz isso em relação à minha religião. Ao assumir meu cargo, eu sabia que iria casar homossexuais e isso não era um problema."
Samia Ghali assinou, no dia 20 de outubro, um decreto retirando a delegação para a Família confiada a sua vice, em abril. Essa sanção satisfaz o procurador da República de Marselha, Brice Robin, que convocará Hout para uma reprimenda para "lhe relembrar sobre a gravidade desses fatos inadmissíveis". O magistrado acredita que "ela não teve a intenção de cometer esses erros. Ela teve medo de se colocar em uma situação arriscada em relação a seu ambiente".
Esse desfecho "revoltou" as duas cônjuges de cinquenta e poucos anos, para quem "uma simples reprimenda não serve". "Uma autoridade que não tem livre-arbítrio, isso me choca", diz uma delas, lamentando que Hout não tenha "feito isso devidamente". "Se ela tivesse nos procurado para tratar disso, teríamos encontrado uma solução, adiado o casamento em uma hora para encontrar outra autoridade. Isso não pode mais acontecer." Para a advogada delas, Catherine Martini, "o mais perturbador é que, para além do próprio prejuízo delas, aquele sofrido pela sociedade não pode ser varrido assim".
Para compensar, Ghali propôs ela mesma celebrar a nova união e oferecer o coquetel para os convidados, que incluem muitos policiais, uma vez que uma das noivas era oficial de polícia. Já o dinheiro da viagem de núpcias prevista para outubro será incluído nas custas do processo.

Nenhum comentário: