Averdade pós-eleitoral nas contas públicas
O desequilíbrio fiscal recorde, verificado
entre maio e setembro, é obra feita com afinco por quem acreditou que
reduzir o superávit primário aceleraria o PIB
O Globo
A Secretaria do Tesouro desmente, mas é inevitável incluir as
informações sobre as contas públicas no mês de setembro divulgadas ontem
entre aquelas que o governo preferiu liberar apenas depois do fim da
eleição. Afinal, só prejudicaria a reeleição da presidente Dilma
saber-se que, pelo quinto mês consecutivo, o governo central (Tesouro
Nacional, Previdência e Banco Central) acumulou déficit primário, ou
seja, sem incluir o pagamento dos juros da dívida interna.
Os R$ 20,4 bilhões do resultado no “vermelho” obtido apenas em
setembro é o pior saldo mensal alcançado na história, desde 1997, quando
a série dessa estatística começou a ser calculada. Ultrapassaram os R$
19,9 bilhões de dezembro de 2008, acumulados sob o impacto da explosão
da bolha financeiro-imobiliária americana, com a falência do Lehman
Brothers, em setembro daquele ano.
No período de maio a setembro deste ano, o déficit acumulado foi de
R$ 15,7 bilhões, também um recorde negativo histórico. Com isso,
soterra-se de vez, com reconhecimento do próprio governo, a
possibilidade de atingir-se a meta de um superávit primário de 1,9% do
PIB. Talvez até não haja qualquer superávit, necessário para que se
pague a conta de juros da dívida sem a necessidade de emissão de títulos
públicos — pagar-se dívida com mais dívida, clássico mecanismo da bola
de neve. Daí o endividamento público brasileiro ser já de 60% do PIB, o
maior entre as economias emergentes.
Nada é surpreendente nesses números. O desequilíbrio fiscal é obra
edificada com afinco, a partir do final do primeiro governo Lula e com
grande destreza na gestão Dilma, quando se relaxou no manejo dos gastos
públicos, na vã intenção de acelerar o PIB pela via já esgotada do
consumo. Colheu-se mais inflação, o consumo não se expandiu, pois a
capacidade de endividamento das famílias estava prestes a se esgotar, e
os investimentos privados, como previsto, se retraíram.
Desacelerada, quase no limiar da estagnação, a economia passou a
gerar uma receita tributária menor — não bastassem os gastos já virem
crescendo mais que a coleta de impostos. E assim, nem mesmo o uso
intenso de receitas temporárias — dividendos de estatais, Refis — e até
“pedaladas” em transferências do Tesouro para a Caixa Econômica (Bolsa
Família) e Banco do Brasil (subsídio do crédito agrícola) resolveram o
problema. E não resolveriam mesmo, apenas maquiariam a crise fiscal.
Na hipótese otimista, o governo aproveitaria este final de primeiro
mandato para limpar as estatísticas das contas nacionais, com a retirada
de “esqueletos” do armário — talvez não todos —, a fim de a presidente
iniciar do zero, ou quase isso, a segunda administração. E assumindo
para valer o compromisso de um superávit primário que reverta a
insegurança com o futuro da economia. Cresce, portanto, a importância a
escolha dos nomes para a equipe econômica.
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