sábado, 1 de novembro de 2014

Cristãos de Mosul, no Iraque, encontram refúgio na Jordânia
Rana F. Sweis - NYT
Mohammed Adnan/Reuters
22.out.2014 - Famílias que fugiram de Mosul por causa da violência do Estado Islâmico se sentam em campo de refugiados próximo à cidade iraquiana de Khanaqin 22.out.2014 - Famílias que fugiram de Mosul por causa da violência do Estado Islâmico se sentam em campo de refugiados próximo à cidade iraquiana de Khanaqin
Eles estavam entre os últimos a resistir. Mesmo enquanto muitos de seus vizinhos fugiram da violência que engoliu o Iraque depois da invasão dos EUA, os três homens ficaram, recusando-se a desistir de seu país ou de sua comunidade cristão de séculos de existência.
Maythim Najib, 37, ficou apesar de ter sido sequestrado e esfaqueado 12 vezes no que ele acreditou ser um ataque aleatório. Radwan Shamra, 35, continou com a esperança de que pudesse sobreviver à guerra sectária entre seus compatriotas sunitas e xiitas mesmo depois de perder dois amigos assassinados por um atirador desconhecido que deixou os corpos esticados em uma rua de Mosul. E um homem de 74 anos assustado demais para revelar seu nome, disse que continuou apesar do trauma de passar três dias angustiantes em 2007 esperando para saber se seu filho de 17 anos, que havia sido sequestrado, estava vivo ou morto.
Agora, os três homens de Mosul, a segunda maior cidade iraquiana, e arredores fugiram com suas famílias para a Jordânia, forçados por combatentes do Estado Islâmico que os deixaram sem muita escolha. Depois de capturar a cidade em junho, o grupo militante sunita deu um dia para que os cristãos se decidissem: deveriam se converter, pagar um imposto, ou serem assassinados.
Foi "o último suspiro", disse Shamra, um dos 4 mil cristãos iraquianos de Mosul que foram para a Jordânia nos últimos três meses e uma das mais de 50 pessoas abrigadas na Igreja Ortodoxa St. Ephraim Syrian em Aman. "Esperamos o máximo que pudemos até que soubemos que morreríamos se ficássemos."
A fuga deles faz parte de um êxodo maior de cristãos que estão deixando terras árabes onde a intolerância religiosa está em ascensão, uma tendência que preocupa cristãos de fora da região – inclusive o papa. Ela também capturou a atenção do rei Abdullah II da Jordânia, um aliado próximo dos EUA que transformou a necessidade da presença contínua de múltiplas religiões no Oriente Médio em um grande ponto de discurso nos últimos anos.
Então quando combatentes do Estado Islâmico invadiram Mosul, o governo jordaniano abriu o país para os cristãos iraquianos apesar das tensões crescentes na Jordânia por conta das ondas de refugiados sírios cuja presença vem sendo um fardo cada vez maior para as comunidades sem muita estrutura.
Hasan Abu Hanieh, um analista político jordaniano, disse que a decisão do governo foi tanto humanitária quando estratégica, em uma época em que a Jordânia está irritada com os militantes islâmicos em suas fronteiras e ansiosa para manter fortes suas relações com o Ocidente.
"O governo pode mostrar ao mundo que a Jordânia têm uma política que busca proteger as minorias, diferentemente de seus vizinhos", disse.
Os cristãos iraquianos também se beneficiaram do fato de que a pequena comunidade cristã da Jordânia mantém boas relações com seus vizinhos de maioria sunita e mobilizou-se rapidamente para ajudar os refugiados, muitos dos quais estavam em acampamentos lotados na região do Curdistão no Iraque.
Também crucial foi a intervenção da Caritas, uma organização beneficente cristã internacional que passou anos na Jordânia ajudando refugiados palestinos, jordanianos pobres e outros. O grupo trabalhou para informar aos cristãos iraquianos que a Jordânia estava se abrindo para eles. Não foi cobrado pagamento pelos vistos, e a Caritas e as irgrejas jordanianas disseram que cobririam as necessidades básicas dos refugiados.
Os refugiados, contudo, têm de pagar por seus voos pela Royal Jordanian Airlines de Irbil, Iraque, a Aman.
Cerca de 500 cristãos recém-chegados e normalmente traumatizados agora vivem nos centros comunitários de igrejas em Aman e Zarqa, esforçando-se para viver em lugares com pouca privacidade ou até mesmo sem instalações básicas como banheiros. Muitos dos refugiados vivem com várias famílias em um apartamento ou casa, pagando o aluguel com seu próprio dinheiro ou com ajuda da Caritas.
Ainda assim, eles de certa forma têm sorte, dizem assistentes sociais. Um dos atrativos para vir para cá era a promessa de conseguir obter mais rápido o status de refugiado, o que pode permitir que eles deixem a região.
Como aproximadamente 620 mil refugiados sírios na Jordânia e mais de 30 mil outros refugiados iraquianos, os recém-chegados não têm permissão para trabalhar – uma tentativa de garantir que eles não fiquem para sempre em um país que já garantiu a cidadania para uma grande população de refugiados palestinos. Para passar o tempo, os homens jogam gamão, tomam chá juntos ou ajudam nas tarefas na escola da igreja. As mulheres passam o tempo principalmente cuidando dos filhos e ajudando a preparar refeições.
Acima de tudo, eles estão assombrados pelo fim abrupto de suas vidas no Iraque, e de uma tradição cristão que sobreviveu em Mosul por mais de 1.700 anos.
Saif Jebrita, fotógrafo, disse que ele sabia que tinha chegado a hora de ir embora quando foi abrir sua loja dias depois que o Estado Islâmico declarou vitória e encontrou uma mensagem dos militantes exigindo que ele abandonasse sua profissão. O grupo alega que as imagens são contra o Islã.
"É a única coisa que eu sei fazer, e eles queriam destruir isso", disse ele recentemente com dois filhos pequenos a seu lado, brincando com dinossauros quebrados.
Em St. Ephraim, o homem de 74 anos que estava com medo de dar seu nome disse que sua maior preocupação era a segurança de seu filho mais velho, que continua em Irbil, na região do Curdistão, no Iraque. Um filho mais novo, o que foi sequestrado, está com ele, depois de ter sobrevivido ao cativeiro.
Para mostrar o que a família passou, o homem idoso colocou com cuidado as fotos de sua antiga casa em uma das únicas superfícies planas que ele tem, perto de um tubo de pasta de dentes e um pequeno espelho quebrado. Um vizinho enviou as fotos depois que a família fugiu.
Uma letra N de Nazareno, um termo usado para designar os cristãos no Alcorão, foi pixado duas vezes no muro de pedra em volta da casa, que agora também está marcada como sendo Propriedade do Estado Islâmico.
Najib, o homem que sobreviveu ao esfaqueamento, disse que sua filha de oito anos não entendeu que não havia mais nada para onde voltar, e que tem chorado muito ultimamente, pedindo para voltar para casa. Ele lamentou a perda da comunidade cristã em Mosul.
Sob o Estado Islâmico, "a diversidade está morta, ou pelo menos morrendo", disse.
Jebrita, o fotógrafo, compartilhou do mesmo desespero. "Nós somos parte da cultura árabe, somos cidadãos do Iraque", disse ele. "Para onde vamos voltar? Não temos mais um lar, e se isso continuar, não haverá mais país."

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