sábado, 22 de novembro de 2014

O que os produtores de uísque podem ensinar ao setor petroleiro
Neil Irwin - NYT
Divulgação
O uísque requer investimentos que terão retorno às vezes só depois de 20 anos O uísque requer investimentos que terão retorno às vezes só depois de 20 anos
O mercado do petróleo bruto está em verdadeira queda livre. O preço do barril caiu 30% desde junho, e as repercussões disso estão apenas começando, à medida que os analistas alertam sobre tudo, desde falências nos depósitos de petróleo no Texas até problemas econômicos em países que são grandes produtores de petróleo como a Venezuela e a Nicarágua.
Se os preços do petróleo continuarem baixos ou caindo, será uma das tendências mais importantes a influenciar a economia mundial em 2015, o que levanta a questão: por que isso está acontecendo? Para responder, é útil olhar para o mercado de outro fluido que também é armazenado em barris, um que tem menores consequências econômicas mas é bem mais palatável: o uísque.
Ao que parece, os produtores de petróleo de Dallas a Abu Dhabi poderiam aprender algumas coisas com as destilarias do Kentucky que produzem uísques que são verdadeiro néctar.
O que o petróleo e o uísque têm em comum são grandes intervalos de tempo entre o investimento em uma nova produção e a disponibilidade do produto final. Com o uísque, isso acontece porque as melhores bebidas precisam ser armazenadas em barris por sete, dez ou até 20 anos até que fiquem prontas para o consumo.
Com o petróleo, isso se dá porque o investimento em novos projetos de perfuração é uma coisa lenta, que normalmente envolve anos de engenharia e obras complexas antes que o petróleo bruto comece a fluir.
O resultado para ambos é que a oferta é basicamente fixada no curto prazo. A quantidade de petróleo disponível no futuro próximo é determinada por decisões de investimento que os produtores de petróleo tomaram anos atrás. Isso cria grandes oscilações nos preços ao longo de grandes períodos de tempo, que têm efeitos amplos sobre tudo, desde os carros que dirigimos até os políticos que são eleitos.
A atual queda nos preços do petróleo, por exemplo, tem suas raízes em decisões tomadas em meados da década passada. No final dos anos 90 e início dos 2000, o petróleo estava barato - a menos de US$ 20 por barril, no final de 2001. Esses preços baixos deixaram os produtores de petróleo com pouco incentivo para investir na perfuração. O investimento global na nova produção foi de apenas US$ 200 bilhões em 2004, de acordo com estimativas da firma de pesquisa energética IHS Herold.
Mas no início deste século, o crescimento econômico nas nações emergentes foi maior do que os produtores de petróleo haviam previsto, e a demanda por energia aumentou. Os anos de poucos investimentos por causa dos preços baixos começaram a se tornar um problema. Em 2008, o preço do petróleo chegou a US$ 140 por barril, e o investimento aproximou-se de US$ 500 bilhões.
Agora, o mundo está vivendo o oposto disso. O aumento na exploração que começou na última década está começando a ter um grande retorno, incluindo um boom nos Estados Unidos. Depois de atingir 5 milhões de barris de petróleo por dia em 2008, a produção de petróleo bruto chegou a 7,5 milhões em 2013 e continua aumentando.
Enquanto isso, as pomposas taxas de crescimento na China e em outros mercados emergentes na metade da década passada deram lugar a uma expansão mais lenta, e as economias gigantes da Europa, Japão e Estados Unidos vêm tendo um desempenho fraco depois de anos de crise.
"Não teremos nenhuma expansão econômica sincronizada no mundo todo num futuro próximo", diz Daniel Yergin, vice-presidente da IHS e autor de "The Quest" ["A Busca"], um livro sobre o mercado de petróleo internacional. "Esses ciclos de investimento e irregularidade da nova oferta, e das reações do mercado e os ciclos econômicos, estão todos atuando. Qual é o mecanismo de ajuste? O preço."
Mas a volatilidade da última década no preço do petróleo tem um custo. São necessários arranjos econômicos totalmente diferentes quando o petróleo está a US$ 70 o barril e quando está a US$ 140. As pessoas querem comprar carros diferentes; as companhias aéreas escolhem rotas diferentes a preços diferentes; o investimento em fontes de energia alternativas se torna mais ou menos viável; os países produtores podem prosperar ou passar fome.
Em outras palavras, esses ciclos nos preços do petróleo são drásticos e podem ter consequências reais, dificultando que empresas e sociedades tomem decisões a longo prazo. Podem funcionar contra os interesses dos próprios produtores de petróleo; quanto mais os preços sobem, mais consumidores e empresas têm incentivos para investir na eficiência e em fontes de energia alternativas.
O que nos traz de volta ao mercado de uísque.
O que está acontecendo agora no mercado de uísque de qualidade é basicamente o contrário do que está acontecendo com o petróleo (ou é semelhante ao que aconteceu com o petróleo em 2007 e 2008). Durante a última década, o uísque se tornou a bebida destilada do momento, à medida que as pessoas que antes preferiam a vodca descobriram o apelo de marcas de uísque como Pappy Van Winkle, Basil Hayden's e Elijah Craig.
Mas da mesma forma que os produtores de petróleo não podem abrir a torneira do fornecimento da noite para o dia, os anos que o uísque precisa passar nos barris deixaram os produtores para trás no que diz respeito a atender a demanda.
"Em 2002 estávamos produzindo o Buffalo Trace para ser vendido em 2011", diz Mark Brown, diretor-executivo da Destilaria Buffalo Trace. "Não havia absolutamente nenhum indício de que a demanda atingiria os níveis que atingiu."
No mercado do petróleo, um commodity global com inúmeros compradores e vendedores, o preço é o único mecanismo de ajuste. Mas os fabricantes de uísque estão, em muitos casos, tentando evitar aumentar muito seus preços.
"Temos sido inflexíveis quanto a não aumentar nossos preços para os distribuidores muito além do custo dos bens de consumo e da inflação", disse Brown. "O motivo para isso é muito simples. Estamos nesse ramo a longo prazo. O fato de o uísque estar em alta no momento não muda nossa forma de pensar a ponto de dizer: vamos tirar proveito da situação."
A Buffalo Trace e outras fabricantes de uísque tentam repartir cuidadosamente seu produto entre distribuidores por todo o país por um preço efetivamente um pouco abaixo do preço de equilíbrio (em que a oferta é igual à demanda). O resultado são manchetes como "A grande falta de uísque de 2013". Fora dos distribuidores autorizados, garrafas de Pappy Van Winkle de 23 anos de idade atingem preços de quatro dígitos.
Mas a aposta que o setor de uísque está fazendo é de que há mais dinheiro a ganhar a longo prazo, cultivando uma nova geração de consumidores de uísque entre os adultos jovens, e aumentando a fidelidade dos consumidores em todos os cantos dos Estados Unidos, e eventualmente do mundo.
Não é exatamente o que um curso de Fundamentos da Economia diria para você fazer, mas pode ser a receita certa para eliminar o ciclo de expansão e contração que tornou o setor do petróleo tão volátil.
Tradutor: Eloise De Vylder

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