sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Problemas climáticos podem derrubar impérios
Stéphane Foucart - Le Monde
Vadim Ghirda/AP
Arqueólogos analisaram rochas e cartas que indicam problemas nas colheitas e no abastecimento de água no império Assírio Arqueólogos analisaram rochas e cartas que indicam problemas nas colheitas e no abastecimento de água no império Assírio
No início do século 7 a.C., a Assíria – pequeno território do norte do atual Iraque – reinava sobre todo o Oriente Médio. Mesopotâmia, sul da Anatólia, Levante e até Egito: em toda parte, pagavam-se tributos ao rei assírio, líder de um Estado imperial centralizado e apoiado por um exército cuja reputação de crueldade e invencibilidade apavorava seus adversários. Em cinco décadas, a Assíria passou do apogeu de seu poder para o desaparecimento puro e simples. No final do século 7 a.C. – ao final de um colapso tão rápido e tão enigmático que o grande orientalista Paul Garelli o classificava de "escândalo histórico" - , não restava mais nada dos esplendores assírios.
Na última edição da revista "Climatic Change", o antropólogo Adam Schneider (Universidade da Califórnia em San Diego) e o assiriólogo Selim Adali (Universidade Bilkent em Ancara) revisitam esse enigma sob a perspectiva das últimas descobertas sobre os climas do passado. Diversas análises de amostras sedimentares retiradas no Oriente Médio sugerem de fato uma queda considerável dos níveis de chuvas sobre  a região, em meados do século 7 a.C. Em 657, em uma carta endereçada ao grande rei Assurbanípal (669-631 a.C.), um sacerdote chamado Akkulanu falava em "chuvas reduzidas" e explica que "nada pôde ser colhido" naquele ano.
"Considerando a tendência regional segundo a qual secas severas ocorriam como parte de períodos secos plurianuais, nós suspeitamos que a seca descrita por Akkulanu (...) tenha ocorrido em uma série similar de anos anormalmente áridos", escrevem os autores. Esse abalo no clima regional, eles dizem, coincide com uma explosão demográfica sem precedentes no coração histórico do território assírio. A prática da deportação dos povos vencidos atingia seu auge. Só no decorrer do reinado de Sennacherib (705-681 a.C.), foram provavelmente meio milhão de indivíduos vindos de todo o Oriente Médio que se realocaram na Assíria. A capital, Nínive (não longe da atual Mossul), passou em poucas décadas de uma área de 150 para 750 hectares.

Entre a cruz e a espada

E assim ficou fatalmente entre a cruz e a espada. De um lado, uma população cada vez maior para alimentar. Do outro, secas sucessivas que destruíam as colheitas. Em 652 a.C., a Babilônia se revoltou contra seu líder assírio. No ano seguinte, foi no próprio coração da Assíria que estourou uma insurreição. Surgiram as primeiras fissuras no império, que foram tapadas, mas só temporariamente. O declínio parecia irremediável. Após a morte de Assurbanipal, em 631 a.C., a documentação foi interrompida e muitos historiadores suspeitam que teve início um período de instabilidade pontuada por guerras civis. "Diversos documentos jurídicos datados dos anos 620 mostram o elevado preço dos grãos nesse período", escrevem os dois pesquisadores. Alguns anos antes do fim do século 7, Nínive foi aniquilada por uma incursão militar.
Seria "enganoso", como os próprios autores dizem, sugerir que os episódios de seca tenham sido a principal causa do declínio do império assírio. "Devemos partir do princípio de que houveram muitos outros fatores importantes, conhecidos e desconhecidos, que também influenciaram a trajetória histórica do Estado assírio", eles escrevem. Seus trabalhos, no entanto, lembram a extrema sensibilidade da região às perturbações do clima.
Por volta de 1.200 a.C., uma outra grande crise abalou todo o Oriente Médio e o Mediterrâneo Oriental: todos os grandes sistemas políticos entraram em colapso, em meio à destruição da economia e de um caos bélico.
Também naquele caso, breves linhas inscritas nas placas de argila descobertas pelos arqueólogos falavam em fortes tensões sobre as colheitas. O rei hitita – que reinou sobre a Anatólia – pediu a um de seus vassalos do Levante a entrega de várias dezenas de toneladas de grãos, concluindo: "É uma questão de vida ou morte!" Também naquele caso, o estudo das variações passadas do clima regional mostra a instalação, por volta de 1.200 a.C., de grandes secas como prelúdio a esse colapso civilizacional, que seria seguido por quatro séculos daquilo que os historiadores chamam de idades das trevas.
É impossível não fazer a associação com aquilo que prevalece hoje na Síria e no Iraque. É claro, os acontecimentos atuais fazem com que tendamos a ver no islamismo radical, no passado colonial, na ausência de democracia e na pobreza endêmica os grandes determinantes daquilo que está acontecendo nesses países. Mas outras forças, no caso geofísicas, também influenciam as sociedades. E elas podem contribuir para liberar bruscamente as tensões sociais ou políticas que ali se acumularam.
Em janeiro, na revista "Middle Eastern Studies", Francesca de Châtel (Universidade de Radboud em Nijmegen, na Holanda), lembrava que a Síria sofreu uma seca inédita entre 2006 e 2010 e que só durante o ano de 2009, centenas de milhares de camponeses sírios desertaram o nordeste do país – não longe daquilo que foi a Assíria há 27 séculos - , incapazes de continuar com sua atividade agrícola. À seca se juntaram o esgotamento de lençóis freáticos, cronicamente superexplorados, e a desregulação do mercado de insumos agrícolas... Esses movimentos de população, ainda que lentos demais e inexpressivos demais para estar no centro da atenção midiática, foram um fator importante de desestabilização das sociedades.
Na cúpula do G20, em Brisbane (Austrália), François Hollande declarou, no domingo (16), que uma perturbação grande no clima mundial "seria fonte de guerra". As pessoas precisam se convencer de que essa não é só uma força de expressão.

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