Quem somos?
Thomas L. Friedman - NYT
O ataque suicida de 11 de setembro de 2001, encabeçado por 19 homens
jovens, a maioria sauditas, em nome do islã, provocou um debate no mundo
árabe sunita sobre religião e como suas sociedades produziram fanáticos
suicidas como esses. Mas o debate logo foi calado pela negação, assim
como pela malfadada invasão americana no Iraque.
Bem, as
conversas aqui em Dubai, uma das grandes encruzilhadas
árabes/muçulmanas, deixam claro que a ascensão do "califado" do Estado
Islâmico no Iraque e Síria, e seu tratamento bárbaro a aqueles
contrários a ele –sunitas ou xiitas moderados, cristãos, outras minorias
e mulheres– reacendeu esse debate central sobre "quem somos?"
Por quê? Porque o Estado Islâmico (EI) é um produto doméstico. Sua meta
não é atacar inimigos distantes, mas disseminar e impor sua visão de uma
sociedade islâmica bem aqui e agora. Ele atrai jovens muçulmanos de
todo o mundo, incluindo o Ocidente. Sua ideologia é uma mutação
virulenta do não pluralista e puritano islã wahabista, a tendência
dominante na Arábia Saudita, que está sendo difundido pelo Twitter e
pelo Facebook –como sabem os pais aqui– diretamente para seus filhos.
Esse é o motivo para estar forçando que a sociedade se olhe de forma
inevitável e dolorosa no espelho.
"Nós não podemos evitar mais essa luta –estamos em um trem rumando para
um precipício", disse Abdullah Hamidaddin, um conselheiro do Centro de
Pesquisa e Estudos Al-Mesbar, com sede em Dubai, que monitora os
movimentos islamitas e trabalha para promover uma cultura mais
pluralista. O mais notável, entretanto, é o quanto o Al-Mesbar
vê o EI não apenas como um problema religioso, que precisa ser combatido
com uma narrativa islâmica mais inclusiva, mas como produto de todos os
males que afligem esta região ao mesmo tempo: subdesenvolvimento,
sectarismo, atraso na educação, repressão sexual, falta de respeito
pelas mulheres e ausência de pluralismo em todo o pensamento
intelectual.
Rasha al-Aqeedi é uma editora iraquiana de Mosul
que trabalha no Al-Mesbar. Ela permaneceu em contato com as pessoas em
Mosul desde que o EI tomou a cidade.
"O que está acontecendo".
ela me disse, é que a população muçulmana sunita de Mosul "agora
despertou do choque. Antes, as pessoas diziam, 'O islã é perfeito e o
mundo exterior está nos perseguindo e nos odeia'. Agora as pessoas estão
começando a ler os livros nos quais o EI se baseia. Eu já ouvi pessoas
em Mosul dizerem, 'Eu estou pensando em virar ateísta'".
Ela
acrescentou: quando um garoto que não passou da sexta série se junta ao
EI e então "chega e diz a um professor na universidade o que ele deve
ensinar e que deve vestir uma bata longa, você pode imaginar o choque.
Eu ouço pessoas dizerem: 'Eu não irei à mesquita e nem rezarei enquanto
eles estiverem aqui. Eles não representam o islã. Eles representam o
islã antigo que nunca mudou".
Além dos fanáticos religiosos no EI, você também encontra muitos jovens
aventureiros e pobres atraídos pelo EI simplesmente para poderem
dominar outras pessoas. Muitos dos sunitas que correram para se juntar
ao EI em Mosul vieram da cidade mais pobre próxima de Tel Afar, cujos
cidadãos sempre foram desprezados pelos sunitas de Mosul.
"Você
vê esses meninos [de Tel Afar]. Eles fumam. Eles bebem. Eles têm
tatuagens", disse Aqeedi. "Um deles, que se juntou ao EI, chegou para
alguém que conheço, que já cobre a cabeça com um hijab –mas não o rosto–
e ordenou que ela vestisse uma burca e que cobrisse tudo. Ele lhe
disse: 'Se você não vestir uma burca, eu vou cuidar para que uma das
mulheres rurais, pessoas que você ridicularizou durante toda sua vida,
venha lhe dar uma surra'."
Trata-se apenas de quem tem o poder –o radicalismo islâmico é apenas fachada.
"As pessoas são atraídas pela religião moderada porque são moderadas",
argumenta Hamidaddin. "As pessoas são atraída para ideologias religiosas
extremistas", porque o contexto sócio-econômico distorcido em que vivem
produz uma atração por soluções holísticas extremistas". (É um motivo
para os muçulmanos paquistaneses tenderem a ser mais radicais do que os
muçulmanos indianos.)
Sim, uma reforma religiosa ajudaria,
adicionou Hamidaddin. Mas "mas foi a deterioração completa da situação
econômica, política e de segurança [no Iraque e na Síria] que exigiu uma
interpretação extremista do mundo. São necessárias políticas certas [de
governo] para neutralizar isso".
Maqsoud Kruse dirige o Centro
Internacional Hedayah para combater o extremismo violento, que fica nos
Emirados Árabes Unidos. Ele concluiu que repelir o EI e semelhantes
exigirá um investimento de longo prazo para empoderar e educar os
cidadãos árabes para competirem e prosperarem na modernidade. Apenas as
pessoas daqui podem fazer isso, porque é um desafio de governo, educação
e criação.
"Para que o homem-bomba possa decidir não apertar o
botão, nosso trabalho é entender como podemos ajudá-lo a não apertar o
botão, para torná-lo ciente, de forma consciente e racional, em vez de
arrastado", disse Kruse.
"Trata-se de como equipar e apoiar
nossa juventude e impedi-la de se transformar em alguém que diz, 'Eu sou
dono da verdade'." Nós precisamos que ela tenha "a capacidade de
desconstruir ideias e ser imune e resistente" ao extremismo. Trata-se de
como "fazê-la parar e pensar" antes de agir.
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