sábado, 22 de novembro de 2014

Quem somos?
Thomas L. Friedman - NYT
O ataque suicida de 11 de setembro de 2001, encabeçado por 19 homens jovens, a maioria sauditas, em nome do islã, provocou um debate no mundo árabe sunita sobre religião e como suas sociedades produziram fanáticos suicidas como esses. Mas o debate logo foi calado pela negação, assim como pela malfadada invasão americana no Iraque.
Bem, as conversas aqui em Dubai, uma das grandes encruzilhadas árabes/muçulmanas, deixam claro que a ascensão do "califado" do Estado Islâmico no Iraque e Síria, e seu tratamento bárbaro a aqueles contrários a ele –sunitas ou xiitas moderados, cristãos, outras minorias e mulheres– reacendeu esse debate central sobre "quem somos?"
 Por quê? Porque o Estado Islâmico (EI) é um produto doméstico. Sua meta não é atacar inimigos distantes, mas disseminar e impor sua visão de uma sociedade islâmica bem aqui e agora. Ele atrai jovens muçulmanos de todo o mundo, incluindo o Ocidente. Sua ideologia é uma mutação virulenta do não pluralista e puritano islã wahabista, a tendência dominante na Arábia Saudita, que está sendo difundido pelo Twitter e pelo Facebook –como sabem os pais aqui– diretamente para seus filhos. Esse é o motivo para estar forçando que a sociedade se olhe de forma inevitável e dolorosa no espelho. 
"Nós não podemos evitar mais essa luta –estamos em um trem rumando para um precipício", disse Abdullah Hamidaddin, um conselheiro do Centro de Pesquisa e Estudos Al-Mesbar, com sede em Dubai, que monitora os movimentos islamitas e trabalha para promover uma cultura mais pluralista. O mais notável, entretanto, é o quanto o Al-Mesbar vê o EI não apenas como um problema religioso, que precisa ser combatido com uma narrativa islâmica mais inclusiva, mas como produto de todos os males que afligem esta região ao mesmo tempo: subdesenvolvimento, sectarismo, atraso na educação, repressão sexual, falta de respeito pelas mulheres e ausência de pluralismo em todo o pensamento intelectual.
Rasha al-Aqeedi é uma editora iraquiana de Mosul que trabalha no Al-Mesbar. Ela permaneceu em contato com as pessoas em Mosul desde que o EI tomou a cidade.
"O que está acontecendo". ela me disse, é que a população muçulmana sunita de Mosul "agora despertou do choque. Antes, as pessoas diziam, 'O islã é perfeito e o mundo exterior está nos perseguindo e nos odeia'. Agora as pessoas estão começando a ler os livros nos quais o EI se baseia. Eu já ouvi pessoas em Mosul dizerem, 'Eu estou pensando em virar ateísta'".
Ela acrescentou: quando um garoto que não passou da sexta série se junta ao EI e então "chega e diz a um professor na universidade o que ele deve ensinar e que deve vestir uma bata longa, você pode imaginar o choque. Eu ouço pessoas dizerem: 'Eu não irei à mesquita e nem rezarei enquanto eles estiverem aqui. Eles não representam o islã. Eles representam o islã antigo que nunca mudou".
Além dos fanáticos religiosos no EI, você também encontra muitos jovens aventureiros e pobres atraídos pelo EI simplesmente para poderem dominar outras pessoas. Muitos dos sunitas que correram para se juntar ao EI em Mosul vieram da cidade mais pobre próxima de Tel Afar, cujos cidadãos sempre foram desprezados pelos sunitas de Mosul.
"Você vê esses meninos [de Tel Afar]. Eles fumam. Eles bebem. Eles têm tatuagens", disse Aqeedi. "Um deles, que se juntou ao EI, chegou para alguém que conheço, que já cobre a cabeça com um hijab –mas não o rosto– e ordenou que ela vestisse uma burca e que cobrisse tudo. Ele lhe disse: 'Se você não vestir uma burca, eu vou cuidar para que uma das mulheres rurais, pessoas que você ridicularizou durante toda sua vida, venha lhe dar uma surra'."
Trata-se apenas de quem tem o poder –o radicalismo islâmico é apenas fachada.
"As pessoas são atraídas pela religião moderada porque são moderadas", argumenta Hamidaddin. "As pessoas são atraída para ideologias religiosas extremistas", porque o contexto sócio-econômico distorcido em que vivem produz uma atração por soluções holísticas extremistas". (É um motivo para os muçulmanos paquistaneses tenderem a ser mais radicais do que os muçulmanos indianos.)
Sim, uma reforma religiosa ajudaria, adicionou Hamidaddin. Mas "mas foi a deterioração completa da situação econômica, política e de segurança [no Iraque e na Síria] que exigiu uma interpretação extremista do mundo. São necessárias políticas certas [de governo] para neutralizar isso".
Maqsoud Kruse dirige o Centro Internacional Hedayah para combater o extremismo violento, que fica nos Emirados Árabes Unidos. Ele concluiu que repelir o EI e semelhantes exigirá um investimento de longo prazo para empoderar e educar os cidadãos árabes para competirem e prosperarem na modernidade. Apenas as pessoas daqui podem fazer isso, porque é um desafio de governo, educação e criação.
"Para que o homem-bomba possa decidir não apertar o botão, nosso trabalho é entender como podemos ajudá-lo a não apertar o botão, para torná-lo ciente, de forma consciente e racional, em vez de arrastado", disse Kruse.
"Trata-se de como equipar e apoiar nossa juventude e impedi-la de se transformar em alguém que diz, 'Eu sou dono da verdade'." Nós precisamos que ela tenha "a capacidade de desconstruir ideias e ser imune e resistente" ao extremismo. Trata-se de como "fazê-la parar e pensar" antes de agir.

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